Como os Buracos Negros Nascem, Vivem e Morrem (e Podem Te Levar Junto)
Crédito: Helena Wolfenson/VICE

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Como os Buracos Negros Nascem, Vivem e Morrem (e Podem Te Levar Junto)

Conversamos com um professor da USP que explica maneiras de (não?) morrer em um buraco negro.

Pode parecer papo de ficção científica, mas na semana passada eu recebi um email da Universidade de São Paulo sobre uma palestra que explicaria as " 17 maneiras de ser morto(a) em um buraco negro". O palestrante foi o doutor em astrofísica Rodrigo Nemmen, um gaúcho apaixonado por sua terra e que gosta muito de analogias. "Acho que ajuda muitas vezes a entender melhor os conceitos", ele diz.

Na última terça-feira, um dia antes da palestra, bati um papo com ele no IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Astronômicas) da USP sobre o que exatamente são os buracos negros, do que eles são feitos, do que se alimentam e como seria realmente possível morrer em um deles. Em uma hora de conversa ele me deu uma boa aula introdutória sobre o assunto. Para a palestra, ele disse que conseguiria explicar apenas 7 maneiras de morrer, em 50 minutos, mas que na realidade existem muitos. "Se você combinar essas maneiras, você vai ter tranquilamente centenas de maneiras de ser morto. Eu escolhi essas que são as minhas preferidas", ele brinca.

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O Rodrigo já trabalhou na NASA e fez uma descoberta legal que conecta as duas pontas das pesquisas que envolvem os buracos negros: dos recém-nascidos aos supermassivos. Hoje ele dá aula na USP e pesquisa sobre esses fenômenos bizarros e fascinantes do universo.

O Rodrigo também recomendou esse documentário da BBC sobre o assunto, que é obviamente uma viagem muito louca.

Motherboard: Como se forma um buraco negro? Do que ele é feito?

Rodrigo Nemmen: As fábricas de buraco negro no universo são o mote das estrelas. As estrelas têm um ciclo de vida assim como nós temos. Elas nascem, envelhecem e morrem. Só que a maneira como vai ser o destino final delas depende do quão gorda, ou seja, do quão massiva ela é. E na natureza, as estrelas sempre tendem a colapsar. Elas têm uma propriedade que elas tendem a se espremer e colapsar devido ao seu próprio peso, à sua própria gravidade. Enquanto tiver uma coisa que impeça esse impacto gravitacional, beleza, ela vai ficar lá, bonitona e estável por muito tempo, que é o caso do nosso Sol. As reações nucleares que acontecem lá são como se fossem bombas nucleares explodindo dentro do Sol o tempo todo, elas impedem esse colapso devido ao próprio peso do Sol.

Crédito: Helena Wolfenson/VICE

Mas se a estrela for muito gorda, não há nada que possa impedir esse colapso, devido ao seu próprio peso. Então você pode calcular na astrofísica que, paras as estrelas de massa maior do que três vezes a massa do nosso Sol, não vai ter nada que possa impedir esse colapso. Então se ela for muito gorda, ela vai se comprimir, vai se colapsar devido ao seu próprio peso, indefinidamente. Isso é que é o mais assustador, ela vai se compactando indefinidamente, a gravidade se colapsa, se compacta, e fica mais difícil de a luz escapar da superfície dessa estrela. É uma propriedade chamada velocidade de escape.

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No caso da Terra, essa velocidade é de 11km/s. Então pra um foguete ser lançado e escapar, tem que ser a 11km/s. Quando vai se colapsando o negócio da estrela, chega um momento em que nem a luz mais consegue escapar da superfície. Nesse momento surge um buraco negro.

Ou seja, buracos negros são produzidos devido ao colapso gravitacional das estrelas, que é a morte das estrelas. Eles são feitos de tudo o que compunha a estrela originalmente ou o que quer que fosse que colapsou e deu origem ao buraco negro. Só que lá dentro, uma vez que você formou o buraco negro e você tem aquela bola, ele é uma bola preta no céu, uma esfera negra, porque por definição, a luz é aprisionada dentro dele, então ele é negro, e o que está lá dentro é originalmente todo o material que estava dentro da estrela.

Gás, principalmente hidrogênio, hélio, um pouco de carbono, alguns elementos mais pesados. Uma vez que formou esse buraco negro, tudo colapsa lá pra dentro dele, pro centro, que a gente chama de singularidade central. Uma vez que o negócio colapsa, a estrela colapsa.

Existem centenas de milhões de galáxias no universo observável e elas colidem entre si e se fundem, como se fosse um canibalismo galáctico

E por que o buraco negro aumenta de tamanho?

Ele aumenta de tamanho porque ele vai engolindo coisas. Ele vai engolindo tudo. Os buracos negros – talvez eu possa usar essa expressão – eles são aspiradores de pó cósmicos, eles são sugadores cósmicos. Então volta e meia eles capturam uma estrela e isso acontece seguidamente. Pode parecer ficção científica, mas nós observamos várias vezes esse tipo de coisa acontecendo, que eu vou mostrar também na palestra esse tipo de coisa que acontece por exemplo. Você tem um buraco negro que você não consegue ver, mas daí acontece muitas vezes de uma estrela cair perto de um buraco negro e ela é destruída, ele suga os restos mortais da estrela e esses restos mortais caem dentro do buraco negro e quanto mais massa ele engolir, mais ele cresce, porque o tamanho dele depende da massa.

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Como dois buracos negros se juntam?

Tem várias maneiras de isso acontecer. A ideia é que toda galáxia no universo tem um buraco negro bizarro gigantesco em seu centro. A gente chama de buraco negro supermassivo. Então a ideia é que toda galáxia, cada uma delas, tem um buraco negro com uma massa de um milhão até um bilhão de vezes a massa do nosso Sol. São números até difíceis de imaginar às vezes. Imagina uma bola escura com uma massa um bilhão de vezes a massa do Sol, é bizarro, na minha opinião [risos].

No universo acontece o seguinte com as galáxias: a maior come a menor, digamos assim. Elas colidem entre si. É assim que as galáxias evoluem no universo. Você tem muitas, centenas de milhões de galáxias no universo observável e elas colidem entre si e se fundem, como se fosse um canibalismo galáctico. Só que você tem um buraco negro supermassivo dentro de cada uma e quando elas se fundem, esses buracos negros também se fundem.

Depois que se fundem as galáxias, os buracos negros supermassivos começam a dançar um ao redor do outro, começam a orbitar um ao redor do outro e continuam esse movimento, emitindo ondas gravitacionais. E isso faz com que eles caiam cada vez mais perto um do outro até um se fundir com o outro e gerar um buraco negro que tem a massa somada dos dois anteriores.

Um buraco negro pode sumir?

Pode. Isso é um dos motivos pelo qual o físico britânico  Stephen Hawking é tão famoso. Na década de 70 ele publicou um estudo teórico no qual ele calculou que os buracos negros evaporam. Então o nome técnico pra esse fenômeno de evaporação é em homenagem ao Stephen Hawking, chama-se Radiação de Hawking.

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A ideia é que lentamente um buraco negro vai perdendo energia, irradiando energia – mas essa energia não sai de dentro do buraco negro porque uma vez que você cai lá dentro, já era. É uma maneira pela qual tem uma pequena camada fora da superfície dele que de alguma maneira consegue extrair a massa. Na linguagem de Einstein, energia e massa é a mesma coisa: você consegue converter energia em massa e vice versa. Uma bomba atômica faz isso, por exemplo, converte a massa dos átomos em explosão, em energia luminosa.

Então os buracos negros evaporam de fato – eles lentamente perdem energia. Só que esse processo de evaporação é muito lento, muito muito muito devagar. Assim, um buraco negro astrofísico no universo vai demorar muitos e muitos quintilhões (bilhões de bilhões), vai demorar mais do que muitas vezes a idade do universo para sumir. Há outra questão: isso não foi comprovado empiricamente. Esse processo de evaporação nunca foi observado e provavelmente vai demorar muito tempo para que isso aconteça, porque quando ele está evaporando ela é muito tênue, muito fraquinha. Ela é extremamente fraca.

Pra você ter uma ideia, é possível estimar o brilho dessa evaporação para um buraco negro típico, que a gente chama de buraco negro estelar. Isso seria equivalente a uma lâmpada – devido a essa evaporação de um buraco negro com uma massa de algumas vezes a massa do nosso Sol, essa evaporação brilharia tanto quanto essa lâmpada aqui na minha sala agora. Qualquer coisa que acontecer lá, uma estrela ao redor ou um gás caindo no buraco negro que brilha também, vai ofuscar esse processo de evaporação, se essa evaporação de fato acontece. Teoricamente eles evaporam, mas são necessários quintilhões de anos pra isso acontecer e eles desaparecerem.

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Como se vê um buraco negro?

É um paradoxo. Se você pensar por definição, ele é negro, eles não brilham, eles engolem e aprisionam a luz. Mas o que acontece é que eles geralmente engolem gases que a galáxia fornece ao buraco negro e esse gás vai cair e começar a orbitar no buraco negro.

O buraco negro não brilha em si. Mas o gás sofre fricção e quando você faz fricção nas suas mãos, elas esquentam. E não só isso, se você esfregar as suas mãos e fizer essa fricção nelas, elas vão brilhar em infravermelho. A gente não vê, mas se você colocar uma câmera infravermelho, você verá. A mesma coisa acontece com esse gás: ele está sofrendo fricção nele e ele esquenta e brilha em raios X, ultravioleta – em várias faixas do espectro eletromagnético, até mesmo em rádio.

O buraco negro não brilha em si. Mas o gás sofre fricção e quando você faz fricção nas suas mãos, elas esquentam

Quando você olha pro centro de uma galáxia e vê um brilho violento, alguma coisa muito brilhante, você diz que tem um buraco negro lá porque o gás esquentou muito. É uma das maneiras que a gente vê um buraco negro, os observa.

Ele pode ser confundido com uma estrela?

Pode. Na verdade, há uns 40 anos, a gente observou os primeiros buracos negros supermassivos que chamam-se de quasares, e na época os confundimos com estrelas. Na época os astrônomos confundiram isso com as estrelas, mas quando eles mediram a distância, eles perceberam que era uma coisa que estava a bilhões de anos luz de distância. Se você pega o que a gente chama de espectro eletromagnético desse gás e você analisa isso, você consegue distinguir que não é uma estrela. Ou seja, hoje em dia essa confusão não acontece mais.

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Tem ideia de quantos buracos negros existem?

Sim. Somente na nossa galáxia estima-se que existem milhões de buracos negros. Existem diferentes tipos de buracos negros. Os dois principais tipos são classificados de acordo com a massa, os buracos negros estelares, que têm uma massa que é algumas vezes maior que a massa do nosso Sol; e há os supermassivos, que têm massas de milhões a bilhões de vezes a massa do nosso Sol no centro das galáxias.

No centro de cada galáxia existe o supermassivo, que é um negócio gigante, literalmente supermassivo. Só que no universo, existem centena de bilhões de galáxias. Então se cada galáxia tem um buraco negro supermassivo no centro e há milhões de buracos negros estelares, você consegue estimar que no universo observável nós teríamos centenas de bilhões de buracos negros supermassivos. É muito buraco negro. E ainda mais estrelas e planetas. Isso é um número insignificante perto do número de estrelas no universo e planetas orbitando essas estrelas.

E como é o desenvolvimento de pesquisa sobre o assunto no Brasil? Você trabalhou na NASA, que tem uma super estrutura pra observar o universo. Aqui no Brasil qual é o nível do desenvolvimento de estrutura pra pesquisa?

A NASA se especializa em colocar coisas no espaço. Ela se especializa em fazer pesquisa em desenvolvimento e aeronáutica para botar coisas no espaço. E eles têm um leque muito grande de telescópios espaciais – pra entender o universo, você não pode ficar restrito a observações em solo, você tem que sair da atmosfera. O Brasil tem um programa espacial que é muito pouco desenvolvido comparado aos EUA, os japoneses e os europeus. A gente começou essa aventura muito tarde em comparação a eles.

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Mas do ponto de vista de telescópios espaciais a gente tem que pegar carona nos telescópios que eles colocaram em órbita, através de parcerias e pedidos de observação para conseguir tempo nesses telescópios. Até onde eu sei ainda não conseguimos lançar uma missão espacial astronômica no Brasil. Isso será um grande desafio nas próximas décadas, como desenvolver o programa espacial brasileiro, uma questão estratégica e é um grande desafio. O governo tem que estabelecer alguma prioridade pra isso, senão vai ser difícil desenvolver.

Mas em termos de observações em solo, o Brasil está muito bem: nós temos alguns telescópios em solo brasileiro –  em Itajubá (MG), por exemplo, há um telescópio – e nós temos parcerias com o Chile pra usar os telescópios de lá. Recentemente, São Paulo entrou num grande projeto e construção de um telescópio chamado GMT, Giant Magellan Telescope. Nós temos vários projetos de colaboração. Em termos de solo o Brasil está muito bem e tem parcerias estratégicas.

A NASA usa nosso solo?

Não, até onde eu sei eles não têm interesse, porque os telescópios brasileiros têm pouca competitividade comparado aos grandes telescópios no Chile, onde as altitudes são muito maiores.

O seu trabalho na NASA era observar buracos negros?

Meu trabalho na NASA era fazer pesquisa sobre buracos negros, a astrofísica dos buracos negros. Era esse meu trabalho lá e aqui, além de dar aula, eu continuo com a pesquisa.

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E o que você descobriu?

Em geral eu descobri várias coisas ao longo da carreira até o momento. Por exemplo, há dois anos eu publiquei um artigo na Science. Eu estudei a luz que sai do gás que está caindo em diferentes tipos de buracos negros. Mais especificamente, eu estudei os chamados jatos, porque eles ejetam matéria também desses buracos negros.

A gente chama isso de jatos de partículas. Eu estudei isso em vários buracos negros e, analisando a luz que sai desse jatos, descobri que buracos negros bebês, com uma massa pequena para um buraco negro (uma massa de algumas vezes a massa do nosso Sol), quando você compara as propriedades desses buracos negros com um buraco negro que é um bilhão de vezes maior, eles se comportam da mesma maneira. Os dois tipos produzem luz da mesma maneira, e foi uma surpresa, porque você não esperaria ver um bebê buraco negro e um buraco negro gigantesco se comportando da mesma maneira.

Essa descoberta permitiu unificar o estudo sobre os buracos negros. Na verdade, há um grupo de astrônomos que estuda os buracos negros bebês e há um grupo de astrônomos que estuda os gigantes supermassivos. E esses grupos não conversam muito entre si.  O meu trabalho unificou isso. Essa foi uma das principais descobertas dos dois últimos anos.

Além de sugar energia, o buraco negro também libera?

Ele emite, mas não sai lá de dentro. Esse gás dança ao redor do buraco negro e aí a física complica bastante, mas a ideia é que você tem um tornado magnético. O que acontece é ele começa a engolir matéria, e existem campos magnéticos por lá. Isso gera um tornado magnético e faz com que o gás, antes de ir para o buraco negro, seja espirrado para fora do tornado. No olho do tornado magnético está o buraco negro. Isso aqui é o gás que antes de cair é desviado e cai nesse tornado. E estudando esses tornados no universo, eu consegui estimar que, para gerar esses tornados, o buraco negro tem que estar girando próximo à velocidade da luz. Ele tem que girar freneticamente no limite físico da situação.

O universo pode ser engolido e acabar num buraco negro?

Não [rindo]. Eu tenho um exemplo que ilustra perfeitamente porque que não. A ideia é a seguinte: se você considerar a Terra girando ao redor do Sol, o que aconteceria se você substituísse o Sol por um buraco negro que tenha exatamente a mesma massa que o Sol? A pergunta é: ele vai engolir a Terra? Por incrível que pareça, não. Por incrível que pareça, a Terra ia continuar girando bonitinha na sua órbita, como se nada tivesse acontecido, porque a órbita da Terra depende só da massa e da distância. Não interessa o que está lá, se é o Sol ou um buraco negro ou qualquer outra coisa. Isso é um princípio físico chamado conservação de momento: enquanto a Terra estiver girando e a massa continuar a mesma, ela não é engolida. Por causa desse princípio físico da conservação do momento, isso nos salva dos buracos negros e garante que não vai ter um buraco negro gigante que vai sugar todo o universo pra dentro. Porque isso implicaria em ia violar essa conservação de momento.

Rodrigo durante a entrevista. Crédito: Helena Wolfenson/VICE

Você vai dar uma palestra sobre as 17 maneiras de morrer em um buraco negro. Quais são essas maneiras?

Eu vou antecipar para você que não vou ter tempo de falar 17 maneiras – eu coloquei 17 porque é meu aniversário dia 17 [rindo]. Na apresentação eu só vou conseguir explicar todas. Existem mais de 100, 200 maneiras. Mas eu vou falar de 7 maneiras. A primeira é você cair lá dentro, aí você morre. Você cai lá dentro e você é esmagado lá na singularidade central. A segunda maneira é virar espaguete, ou seja: antes de cair lá dentro, você é espichado e você é comprimido. Você está caindo e é espichado como se fosse um espaguete, você é espremido, você vira um formato de espaguete mesmo, por isso que fala "espaguetificação".

A terceira possibilidade é estar perto de um deles em seu nascimento, que acontece por causa dos surtos de raios gama. O item quatro é se você tem o nosso sistema solar e um buraco negro invadir o sistema solar: ele vai arrebentar as órbitas dos planetas e vai detonar a órbita da Terra. Seríamos fritos pela radiação que sai do gás que está caindo no buraco negro. Seríamos acertados pelo jato, aquele tornado magnético que falei, e se você está no olho do tornado, você já era, vai ser um banho-maria do tornado magnético, é uma viagem.

E a sétima maneira é quando eles se fundem, arrebentando a estrutura do espaço ao seu redor. Se você estiver passando por lá, você vai ser basicamente dilacerado por todas as ondas gravitacionais. E aí tem outras maneiras que eu não coloquei nessa lista, porque só se você combinar essas maneiras aqui, você vai ter tranquilamente 300 maneiras. Por exemplo, antes de você cair lá dentro, você vira espaguete, entendeu? Ou primeiro você é fritado pela radiação e se você não morreu por isso, por câncer, você cai lá dentro. Se você combinar essas maneiras aqui, você vai ter tranquilamente centenas de maneiras de ser morto. Mas você pode isolar isso aí e por um número menor. Eu botei essas que são as minhas preferidas!