Será que o Uber é tão sustentável quanto diz?
Crédito: Matteo Gallo

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Será que o Uber é tão sustentável quanto diz?

A teoria sustentável da empresa é simples: ao botar milhares de carros nas ruas, diminuem as emissões de carbono da cidade. O problema é que, até agora, os poucos dados disponíveis não confirmam a tese.

A teoria sustentável do Uber é simples: ao botar milhares de carros nas ruas, a empresa pode diminuir as emissões de carbono nas cidades onde atua e, assim, reduz a dependência em automóveis pessoais e minimiza o tráfego.

"Uma cidade que recebe o Uber é uma cidade onde pessoas passam menos tempo em engarrafamentos ou procurando onde estacionar", diz Travis Kalanick, diretor-executivo do Uber. "Além de deixar a cidade mais limpa, o menor número de carros resulta em menos emissões de carbono — ainda mais porque nosso número de carros híbridos de baixa emissão cresce a cada dia."

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Até o presente momento, no entanto, existem pouquíssimos dados que confirmem as alegações. Posto que quase todos outros aspectos da chamada "gig economy" (a tal "economia de bicos", termo utilizado para se referir a serviços oferecidos sem ligação formal com uma empresa) já foram quantificados, por que não sabemos o verdadeiro impacto ambiental do Uber?

O Uber é conhecido por reter informações sobre usuários e motoristas – especialmente quando os dados possuem valor comercial. Devido à natureza competitiva do universo das startups, empresas jovens e bem-sucedidas como o Uber costumam exagerar na discrição, o que pode prejudicar sua transparência a curto prazo. No começo do ano, a Comissão de Utilidades Públicas da Califórnia emitiu multa de US$7.6 milhões para a empresa por ela ter se negado a entregar dados sobre acessibilidade e segurança dos motoristas referentes ao ano de 2014.

"A análise de conjuntos de dados revela muito sobre uma empresa — como, por exemplo, onde e quando ela lucrou mais. Essas informações podem chamar a atenção dos concorrentes", diz a Dra. Susan Shaheen, co-diretora do Centro de Pesquisa de Sustentabilidade em Transportes da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Parte da hesitação do Uber em compartilhar suas APIs com pesquisadores e interessados pode ser interpretada como diligência prévia – ou talvez apenas como paranóia. No decorrer dos últimos anos, as credenciais de segurança entregues pela empresa têm sido no mínimo incompletas. Múltiplas violações de dados, vazamentos de informações pessoais de usuários e provas preocupantes de que os funcionários do Uber podem rastrear clientes podem ter estimulado a atitude sigilosa da empresa.

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Hoje o Uber costuma publicar, na forma de comunicados, seus próprios relatórios sobre motoristas, sustentabilidade e emissões — todos produzidos por meio de metodologia nebulosa e tendenciosa.

Em um post de 2015 no qual a empresa anunciava o UberPool, seu novo serviço de caronas compartilhadas, o Uber afirmou que "em São Francisco, o uberPOOL impediu a emissão de 120 toneladas de CO2 entre fevereiro e março, o equivalente à poluição emitida por 59 mil quilos de carvão". De acordo com o post, dados anônimos do UberPool coletados durante um período de um mês foram inseridos em uma Open Source Routing Machine para calcular a quilometragem e as emissões "economizadas" por clientes que escolheram o serviço.

O Uber, porém, ignorou o fato de que, durante esse período, três promoções com tarifas reduzidas foram ao ar, o que pode ter aumentado artificialmente o número de clientes que utilizaram o serviço. Além disso, o estudo presume que todos os veículos utilizados eram tão eficientes quanto o Toyota Prius, modelo que possui um consumo de até 25,5 km/litro. Essa estimativa é confusa, visto que o UberX de São Francisco não exige o uso de carros híbridos. E mesmo entre proprietários do Prius, há relatos de que o desempenho do carro pode variar, ficando entre 12.75 km/litro e 19.13 km/litro, o que indica que a economia é muito menor do que alardeado pelo Uber. Para piorar, o Uber nunca levou em conta a possibilidade de que os passageiros do UberPool poderiam ter se transportado de ônibus, de bicicleta, ou andado até seu destino.

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O Uber também fez declarações ousadas sobre redução de carros em cidades como Nova Iorque. A empresa afirmou que um de seus objetivos "básicos" é retirar 1 milhão de carros das ruas da cidade. Mas como esse objetivo se compara aos verdadeiros números de carros mobilizados pela empresa?

"Ninguém nunca estudou o impacto ambiental dessas empresas"

Dentre as 30 maiores cidades americanas, em 2014 Nova Iorque tinha a maior porcentagem de famílias sem carro, chegando a 56.5% da população. Ao considerar que a cidade possui cerca de 3 milhões de famílias, o resultado seriam 1.3 milhões de carros espalhados em apenas 833 km². Em 2015, o prefeito Bill de Blasio acusou o Uber de adicionar 20.000 carros às ruas já movimentadas de Nova Iorque. Em 2014, esse número beirava os 10.000. A Comissão de Táxis e Limusines da cidade estimou que 14.088 carros de luxo estariam operando sob a plataforma Uber, em oposição aos 13.587 táxis da cidade.

Um veículo de passageiro médio emite cerca de 4.7 toneladas métricas de CO2 por ano, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental Americana. Dessa forma, em três anos o Uber teria emitido 94.000 toneladas métricas de CO2 apenas em Nova Iorque, o equivalente a aproximadamente 45 milhões de quilos de carvão queimados.

Mas os dados não são tão simples. De acordo com os dados reunidos por Todd Schneider, os táxis de Nova Iorque fizeram, em média, pouco menos de 352.000 viagens por dia em janeiro deste ano, enquanto os carros do Uber fizeram 150.000 viagens diárias no mesmo período — o que mostra que os motoristas do Uber de Nova Iorque trabalham, em média, menos do que os taxistas. Ademais, não se sabe quantos desses "novos" carros do Uber são adições recentes e quantos são táxis antigos absorvidos pela empresa.

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O Uber continua em silêncio sobre a eficácia do algoritmo utilizado para direcionar motoristas a novos passageiros. Sabemos, em teoria, como seu mecanismo de roteamento funciona, mas existem muitas incógnitas em relação à sua capacidade de criar boas rotas. Entretanto, ambos motoristas e passageiros têm criticado a ferramenta de navegação interna do Uber, acusando-a de sugerir rotas mais longas. Também não é raro que motoristas usem serviços de GPS alternativos, como o Waze, para circular durante os períodos de maior tráfego.

Como isso afeta o UberPool, que deve utilizar a rota mais curta possível para ser tão sustentável quanto o Uber alega, é incerto. A empresa apresentou seu serviço de carona compartilhada como forma de aumentar o lucro dos motoristas unindo duas viagens diferentes em uma só, mas de acordo com várias declarações de motoristas do Ubere , nem todos concordam com essa iniciativa. Como muitos motoristas acreditam estar trabalhando mais por um aumento de tarifa insignificante, há poucos incentivos para aceitar viagens do UberPool, sobretudo quando é possível ganhar mais dinheiro com viagens normais durante períodos de alta tarifa. Alguns motoristas admitiram recusar 100% das solicitações do UberPool.

"Não queremos um bando de gente andando de motorista pela cidade. São Francisco não tem capacidade para acomodar todos esses carros"

Isso não significa que a carona compartilhada não possa ser sustentável. Em 2014, pesquisadores do MIT conduziram um estudo computacional de 172 milhões de viagens de táxi feitas em Nova Iorque no ano de 2011. Modelando diferentes redes de compartilhamento ao redor da cidade, os autores observaram que certos algoritmos de carpooling poderiam diminuir a duração de viagens em 40% ou mais, reduzindo os custos do motorista, as emissões e o valor pago pelos clientes. Em média, segundo eles, cada viagem dentro desse espaço amostral poderia ser dividida com 100 outras viagens.

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O Uber reiterou essa ideia em uma declaração à Motherboardo ao dizer que "quando as pessoas desistem de ter carros, a média de milhas percorridas por veículos (VMT, na sigla original) pode diminuir — o que significa menos combustível consumido e menos emissões. Além disso, o Uber incentiva políticas mais inteligentes. Menos carros pessoais exigem menos vagas e estacionamentos, liberando esses espaços para serviços mais produtivos e sustentáveis".

Entretanto, até o momento a empresa tem impossibilitado qualquer estudo sobre suas verdadeiras vantagens. Foi esse tipo de confidencialidade que instigou uma análise profunda e sem precedentes do impacto ambiental do Uber, comandada por pesquisadores da UC Berkeley e do National Resources Defense Council. De acordo com a Dra. Shaheen, que lidera o estudo, o Uber concordou em enviar dados internos sobre seus motoristas e clientes; além disso, o estudo emitirá questionário que visa coletar informações sociodemográficas e atitudinais sobre seus clientes.

Toda a pesquisa será conduzida por uma entidade neutra, sem financiamento ou controle do Uber. Ao contrário dos relatórios e análises liberados anteriormente pela empresa, o estudo também será verificado de forma independente. A empresa Lyft também será analisada, e os resultados da pesquisa serão publicados em setembro deste ano.

"O estudo surgiu quando comecei a ser questionada por reguladores, legisladores e partes interessadas quanto à legislação pertinente ao Lyft e ao Uber. Ninguém nunca havia estudado o impacto ambiental dessas empresas", disse Amanda Eaken, diretora de soluções urbanas e comunidades sustentáveis da NRDC.

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Uma porta-voz do Uber disse à Motherboard que, em sua opinião, o Uber não tem muito o que dizer sobre o estudo.

Os principais objetivos do estudo são: descobrir se empresas como o Uber causaram mudanças na quantidade de carros pessoais, se eles tiveram um impacto no número de milhas percorridas e como isso tudo interfere na emissão de gases do efeito estufa.

Além disso, o estudo será publicado no momento em que o Uber está focando suas energias no UberPool, o que dará aos especialistas comparações muito úteis entre serviços de carona compartilhada e serviços clássicos como o oferecido por táxis.

É possível que as descobertas desse estudo apontem tendências concorrentes, como clientes pegando um Uber para andar de uma estação de metrô a outra, e outros escolhendo andar de táxi em detrimento de opções mais sustentáveis, como andar de bicicleta.

Em 2014, a Dra. Shaheen comandou uma pesquisa menos aprofundada que observou um grupo aleatório de 380 clientes de serviços de carona remunerada no centro de São Francisco. A pesquisa, que foi feita antes do surgimento de serviços de compartilhamento de caronas como o UberPool e não deve ser vista como uma representação do mercado atual, revela algo curioso. Metade das viagens observadas pelo estudo substituíam meios de transporte como ônibus, caminhadas e bicicletas.

Será que essa tendência se repetirá no recente estudo? Ainda é cedo demais para dizer. O melhor para o Uber seria que os resultados indicassem que seu sistema instigou mudanças comportamentais, inspirando as pessoas a usarem mais o transporte público ou desistirem de comprar um carro. Afinal, o Uber precisa conviver com meios de transporte preexistentes, não apenas colaborando com outros meios sustentáveis, mas também se adaptando à iniciativas de cidades que querem diminuir suas emissões de carbono.

"Existe um equilíbrio ideal para esses serviços. Eles são convenientes, baratos e rápidos? E o mais importante: eles são sustentáveis e equitativos?" pergunta Tim Papandreou, diretor de inovação da Agência de Transportes Municipal de São Francisco. "Não queremos um bando de gente andando de motorista pela cidade. São Francisco não tem capacidade para acomodar todos esses carros."

Caso o UberPool seja de fato tão sustentável quanto o Uber diz, uma entidade como a SFMTA pode considerar a criação de redes de compartilhamento de caronas dentro da cidade, incentivando a empresa a manter esse tipo de serviço, disse Papandreou. Mas esse vislumbre inicial do apelo ecológico do Uber é apenas isso — um vislumbre. Seriam necessários muitos anos de estudo antes que as agências reguladoras pudessem propor mudanças no setor.

Independentemente disso, passageiros, motoristas e legisladores terão, em breve, acesso ao estudo mais abrangente sobre o impacto ambiental do Uber já feito.

Na sequência, o CPUC mandou o Uber validar suas afirmações por meio de um estudo independente de seus próprios serviços. No momento, não há nenhuma relação entre a pesquisa da Dra. Shaheen e a decisão do CPUC. De qualquer forma, o veredito foi dado — e bem a tempo.

Tradução: Ananda Pieratti