​Campanha contra "robôs assassinos" avança na ONU
A abstenção russa na última hora abre o caminho para um possível banimento dos robôs assassinos. Crédito: Campaign to Stop Killer Robots/Wikimedia Commons

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Tecnologia

​Campanha contra "robôs assassinos" avança na ONU

A abstenção russa na última hora abre o caminho para um possível banimento das armas autônomas.

Os robôs assassinos da ficção científica (como os Decepticons dos Transformers, o T-800 de O Exterminador do Futuro, ou os Cylons de Battlestar Galactica) têm algo em comum: eles foram criados, ao menos em parte, à nossa semelhança. Afinal, dar às máquinas uma aparência humana torna-as mais ameaçadoras. No entanto, essa ideia não se aplica aos verdadeiros "robôs assassinos", armas autônomas também conhecidas como Sistemas de Armas Autônomas Letais (LAWS, na sigla original). Esses sistemas podem ser construídos com base em tecnologias preexistentes (como drones) e utilizados para neutralizar alvos militares ou civis de forma impessoal e acima de tudo desumana.

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A Campanha Contra Robôs Assassinos defendeu a criação de novas leis de controle desses sistemas na Quinta Conferência Geral da Convenção da ONU sobre Armas Convencionais, ocorrida em Genebra na semana passada. A coalizão de ONGs sobre a qual escrevemos no ano passado estuda os problemas éticos e legais dos LAWS. Para saber mais, falei com Mary Wareham, coordenadora geral da campanha, por telefone. No momento, a campanha está muito longe de atingir seu objetivo: a proibição total dessas máquinas. O máximo que podemos esperar é que a comunidade internacional crie medidas que venham a controlar esse mercado. Graças à presença das ONGs na conferência, um novo aparato jurídico será criado para regulamentar armas autônomas, o que inclui a criação de um Grupo de Peritos Governamentais voltado para esse tema em 2017.

De acordo com Wareham, muitos países desenvolvidos já possuem a tecnologia necessária para delegar o combate armado a armas autônomas capazes de escolher e atacar alvos automaticamente. A viabilidade tecnológica dos LAWS, associada ao que Wareham descreve como uma "falta de responsabilidade" legal no que diz respeito às ações cometidas por esses robôs, é extremamente preocupante. Nas palavras de Wareham, devido à falta de regulamentação das armas autônomas, "não há uma jurisprudência sobre o assunto".

"Estamos na beira do precipício, e o tempo para agir está acabando"

"Não sabemos quem será responsabilizado caso uma arma autônoma cause alguma atrocidade", disse Peter Asaro, consultor legal da campanha, por email. "Para cometer um crime de guerra é necessário que haja intenção. Os robôs não são capazes de demonstrar intenção no sentido jurídico, de modo que eles não podem cometer crimes ou responder por suas ações — isso facilitaria o uso de armas autônomas em guerras, já que ninguém seria responsável por seus atos".

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Wareham concorda. "O maior problema é que teremos armas autônomas 'burras' antes de criarmos armas que possam seguir as leis internacionais", disse. "Estudamos a relação das armas autônomas com o direito humanitário internacional e descobrimos que elas não apenas não agem em concordância com essas leis, como também é improvável que elas ajam um dia. Logo, é preciso criar novas leis".

Crédito: Motherboard

Após quatro dias de deliberação, Wareham e seus colegas firmaram um acordo que estabelece a criação de um "Grupo de Peritos Governamentais" (GGE, na sigla original) internacional, responsável por analisar questões referentes à legislação de armas autônomas na ONU. Essa decisão exigiu muita capacidade diplomática. A Rússia — que ainda se opõe à proibição total dessas armas e já deixou claro seu ceticismo em relação à cooperação internacional na regulamentação dos LAWS, poderia ter encerrado a votação caso ela se opusesse à formação do GGE. Felizmente, o país decidiu se abster, permitindo que se chegasse a um consenso. Mesmo assim, a criação qualquer legislação eficaz pode demorar anos. Países desenvolvidos como os EUA já começaram a desenvolver e implementar elementos de autonomia em seus sistemas de defesa. É possível que muitos outros países criem suas próprias armas autônomas antes da criação de leis internacionais para seu controle e regulamentação.

"Estamos na beira do precipício, e o tempo para agir está acabando", dise Wareham.

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Uma das principais razões pela qual os países estão interessados em desenvolver armas robóticas é econômica: drones já são eficientes o bastante, e — ao menos em teoria — os LAWS teriam a vantagem de não precisar de nenhum operador humano. Além da brecha de uma arma autônoma violar o direito internacional, há também a possibilidade pertubadora de que elas possam ser utilizados em situações nas quais soldados comuns se recusariam a cumprir ordens por razões morais.

"Em 2012, listamos seis países que já investiam em armas autônomas: os EUA, o Reino Unido, a Coréia do Sul, Israel, a China e a Rússia", disse Wareham. "Mais recentemente, identificamos 10 outros países que estão investindo em armas semelhantes, embora não completamente autônomas".

"É possível progredir e evoluir mesmo em tempos de extrema polarização"

Apesar da possibilidade de que os Estados irão ignorar as leis de controle dos LAWS, da adoção inevitável de elementos autônomos no setor bélico e da ineficiência da ONU na criação de novos controles jurídicos, Wareham acredita que a campanha está ajudando. Mesmo antes da decisão da ONU, algumas notícias animadoras agraciaram a internet. Dezenove países já expressaram seu apoio a uma proibição definitiva das armas autônomas, e outros 78 já tornaram públicas suas opiniões sobre o tema, o que indica um crescimento do interesse internacional pelo assunto.

No dia 28 de julho de 2015, acadêmicos e representantes do ramo de tecnologia como Stephen Hawking, Noam Chomsky e Elon Musk, assinaram uma carta aberta para o Instituto da Vida Futura, salientando o risco que as armas autônomas representam para a humanidade. Mais recentemente, no dia 8 de dezembro, nove deputados democratas liderados por Jim McGovern, enviaram uma carta para o governo americano exigindo a proibição preventiva dessa tecnologia.

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Apesar da crescente reprovação internacional dos LAWS, não se sabe a que nível essas cartas e petições influirão em seu desenvolvimento e uso. A criação de um Grupo de Peritos Governamentais é de longe o evento mais importante no que se refere à regulamentação das armas autônomas. Quando o recém-criado grupo se reunir pela primeira vez, em 2017, ele terá a missão de criar leis e tratados para combater a disseminação dessas armas. Durante nossa conversa após a decisão da ONU, Wareham se mostrou satisfeita com o resultado da votação.

"Esse foi nosso maior obstáculo até o momento, e nós conseguimos superá-lo", disse ela.

Em última análise, resta aos líderes de Estado e diplomatas de países como os EUA, o Reino Unido, a Rússia e a China escutar a opinião pública, firmar um acordo e transformá-lo em parte do direito internacional. Essa é a parte mais impressionante do acordo que resultou na criação do Grupo de Peritos Governamentais — todos os países presentes na reunião, incluindo a Rússia, entraram em consenso.

"Isso mostra que a diplomacia multilateral não está morta, e que é possível progredir e evoluir mesmo em tempos de extrema polarização", afirma Wareham.

Tradução: Ananda Pieratti