Conheça o Fisioterapeuta que Salva as Carreiras de Quem Vive de Jogar Videogame
Imagem retirada do projeto artístico Game Arteritis. Maquiadora: Emma Alexandra Watts.

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Conheça o Fisioterapeuta que Salva as Carreiras de Quem Vive de Jogar Videogame

Dor no pulso? Epicondilite lateral? Tenossinovite? A ajuda está aqui.

Dr. Levi Harrison, um ortopedista de Los Angeles especializado em membros superiores, trata muitos atletas profissionais. Entre seus pacientes estão jogadores de hóquei, vôlei, tênis e ping pong.

Atualmente a maioria de seus pacientes corresponde a lutadores de MMA que socam, chutam, e estrangulam seus oponentes em rinhas de briga. No final da luta, é comum que o tatame esteja ensopado de sangue.

Depois deles, o segundo tipo de paciente mais comum são os jogadores de videogame profissionais, que sentam na frente do computador e competem em torneios de jogos como League of Legends e Counter-Strike: Global Offensive.

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Muitos não consideram esses jogadores como atletas e poucos pensam em competições de videogames como uma atividade de alto risco. Mas a verdade é que muitos desses jogadores estão se machucando seriamente — e eles precisam de ajuda.

"Atendo mais lutadores de MMA e jogadores de videogame profissionais do que qualquer outro grupo", disse Dr. Levi. "As lesões do atletas de UFC que eu atendo são inacreditáveis. A gravidade delas se deve ao impacto. Já o inimigo dos jogadores de videogame é o movimento repetitivo. Ambos causam problemas muito sérios."

"Minha lesão no pulso é algo que eu não posso ignorar", disse Hai em uma carta aos seus fãs. "Ela diminui minha capacidade de jogar e eu realmente preciso aumentar essa capacidade. Não consigo manter o ritmo…"

Existem vários tipo de lesões por esforço repetitivo. Entre elas há a síndrome do túnel carpal, que comprime o nervo mediano e o pulso, causando dor e dormência. Também há a epicondilite lateral, conhecida como cotovelo de tenista, que causa ardência e a hipersensibilidade do cotovelo. Por último, mas não menos importante, há o dedo de gatilho, também conhecido como tenossinovite estenosante e que consiste em um dos dedos mantido dobrado.

É provável que você já conheça algum desses transtornos; afinal, estamos em 2015, e a maior parte dos empregos envolvem passar horas na frente de um computador, arrastando um mouse e digitando. Quando fazemos isso por tempo demais, nossos pulsos começam a reclamar.

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O trabalho de um jogador de videogame profissional é bem parecido — mas muito mais extenuante.

"Quando estamos treinando para uma competição importante, acordamos às 9h e jogamos até às 14h, e isso é só o treino em grupo", conta Jimmy "DeMoN" Ho, que joga Dota 2 profissionalmente no time Champions of Summer's Rift. "Depois disso temos uma avaliação de replay, que fazemos individualmente, ou fazemos um Solo Queue, separados do resto da equipe, para praticar alguns Heroes, o que pode levar mais seis ou oito horas. A gente dorme, acorda, e faz a mesma coisa."

Changing Lanes, um documentário em episódios sobre Jimmy "DeMoN" Ho, mostra o treinamento intenso que precede um torneio de eSports.

Braxton "Brax" Paulson, outro jogador da Champions of Summer's Rift, me disse que uma lesão no braço sofrida quando ele era mais jovem piora quando ele joga Dota 2, e por isso ele é obrigado a fazer pausas e se alongar sempre que possível.

"É algo necessário, e todo mundo entende isso", disse Paulson. "É claro que se eu estiver no meio de uma jogada importante, respiro fundo e sigo em frente."

Dr. Levi diz que ignorar a dor e seguir em frente é a receita ideal para piorar uma lesão.

"Se você não descansa, o corpo não consegue se regenerar, entrar num estado homeostático e dizer 'ok, agora eu posso me curar'", disse Dr. Levi. "O corpo não gosta de nenhum exagero, seja horas de videogame ou horas de treino de MMA. E é claro que existem consequências."

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Dezenas de jogadores de videogame já sofreram com essas consequências. Em abril, Hai Lam, que jogava League of Legends no time Cloud9, anunciou sua aposentadoria aos 22 anos, apontando suas lesões como uma das principais razões.

"Minha lesão no pulso é algo que não posso ignorar", disse Hai em uma carta aos seus fãs. "Ela diminui minha capacidade de jogar, e tudo o que eu preciso é aumentar essa capacidade. Não consigo manter o mesmo ritmo dos meus colegas de time, e isso não é justo da minha parte."

Outros jogadores, como Heo "PawN" Won-seok, que joga League of Legends para o time EDward Gaming, e Clinton "Fear" Loomis, que joga Dota 2 no time Evil Geniuses, já sofreram com dores musculares tão intensas que tiveram que perder partidas importantíssimas.

"Sei que alguns profissionais já se aposentaram por lesões musculares", disse Dr. Levi. "Quando isso acontece, eu sempre penso que eles deveriam ter me procurado antes. Talvez nós tivéssemos criado uma estratégia, pensado em um plano de terapia. É comum que os médicos digam para os jogadores 'ah, pare de jogar e tudo voltará ao normal', mas eu não penso assim. A lesão já está lá."

Dr. Levi afirma ter atendido cinco ou seis gamers profissionais nas últimas cinco ou seis semanas. A maioria deles vêm de longe — da Austrália, da África do Sul, do Reino Unido, do Canadá, da Ásia e de outras parte dos EUA — só para vê-lo.

Para ajudar no tratamento, Dr. Levi pede que os jogadores tregam o teclado e o mouse e/ou controle que eles usam para competir. Após observar como eles os usam, ele ensina cinco ou dez exercícios específicos ou posições ergonômicas para suas mãos com base em suas técnicas. O tratamento de um jogador de League of Legends pode ser diferente do tratamento de um jogador de Super Smash Bros, da mesma forma que o tratamento de um golfista e de um ginasta também são diferentes.

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Para aumentar a habilidade desses jogadores, o Dr. Levi foca em reduzir a inflamação e a dor. Ele acredita que esse tratamento pode aumentar suas Ações Por Minuto (APM), número total de ações que um jogador pode fazer em um minuto de jogo e medida utilizada pelos jurados das competições de eSports.

Os exercícios ergonômicos que Dr. Levi ensina para os gamers.

Nem todo jogador tem dinheiro suficiente para se consultar com Dr. Levi. Para resolver isso, no ano passado ele lançou um vídeo que ensina técnicas básicas de alongamento, massagem, e técnicas de pontos de pressão. No vídeo, Dr. Levi lembra que é necessário fazer uma pausa de três a cinco minutos a cada uma ou duas horas de jogo. O vídeo não substitui um tratamento profissional, mas oferece uma ajuda que os jogadores profissionais não acham em nenhum outro lugar.

Os grandes eventos e torneios de eSports não possuem nenhuma supervisão médica, seja direcionada à exames toxicológicos ou para o tratamento de lesões relacionadas à atividade.

Quando perguntei a Ho se havia algum tipo de grupo oficial de prevenção que conscientizasse os jogadores acerca desse tipo de risco, ele apenas riu.

Treinar sem parar pode até te deixar mais rápido nos games, mas a dor vai chegar mais cedo ou mais tarde.

"Não", ele disse. "É tipo 'joga seu jogo aí, cara'. É só com isso que eles se importam."

Jogadores profissionais assinam contratos que permitem que empresas usem seus nomes e imagem para vender produtos. Esses jogadores embolsam uma porcentagem dos lucros, mas poucos deles possuem qualquer tipo de plano de saúde.

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"No atual estado dos eSports, eu diria que isso é impossível, em grande parte por causa dos problemas de investimento", disse Paulson. "É muito difícil conseguir um investimento de longo prazo, por causa da natureza desse esporte."

No entanto, tanto Paulson quanto Ho concordaram que, se a indústria do eSports continuar a crescer, os superiores terão que lidar com esse problema.

"Esse é um problema que é ignorado, e quando você é obrigado a lidar com ele, já é tarde mais, porque você não tomou nenhum dos cuidados necessários", disse Paulson. "É uma daquelas coisas que você pensa que nunca vai acontecer com você, e quando ela acontece você pensa 'puta merda, o que foi que eu fiz?'"

Dr. Levi me disse que escreveu uma carta endereçada à diversas organizações de eSports e às empresas que criam esse jogos pedindo que eles considerassem a criação de uma junta que supervisionasse, com sua ajuda, os eventos de eSports.

"Acho que eventualmentem eles terão que investir — talvez não em uma junta médica, mas ao menos em fisioterapeutas que avaliem esse jogadores para ter certeza de que eles não estão causando nenhum dano permanente às suas mãos e membros superiores", disse.

No final, o conselho de Dr. Levi para os jogadores de videogame é o mesmo que ele dá para os lutadores de MMA. O ideal é pensar a longo prazo, e isso significa mais descanso. Treinar sem parar pode até te deixar mais rápido, mas a dor aparece mais cedo ou mais tarde, o que pode destruir sua carreira completamente. Como diz Dr. Levi, a gente só tem duas mãos e dez dedos. Se eles pararem de funcionar, já era.

"Sinto muito respeito por eles, e o fato deles não serem vistos como atletas me entristece", disse Dr. Levi. "É verdade que eles praticam esse esporte sentados, mas suas mãos e ligamentos estão em constante movimento. É um esporte de verdade."

Tradução: Ananda Pieratti