Por que os físicos gravitacionais não dormem à noite?
Crédito: Caltech/LIGO

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Tecnologia

Por que os físicos gravitacionais não dormem à noite?

Conheça um pouco mais sobre as pessoas por trás da descoberta das ondas gravitacionais.

"A melhor hora para realizar um experimento é entre oito e meia da noite e quatro horas da manhã", afirmou Aaron Buikema, estudante de doutorado em física no MIT, nos Estados Unidos.

O cronograma de sono bastante incomum de Buikema se deve a um trabalho que exige atenção total: melhorar a detecção de ondas gravitacionais como parte do Observatório de Ondas Gravitacionais Interferômetro Laser, ou LIGO.

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Os experimentos desse campo, diz ele, são muito sensíveis a interferências externas. O barulho do trânsito, as vibrações dos pés nas caminhadas e outras atividades no campus são responsáveis por muitos ruídos incômodo. Tarde da noite, porém, toda essa agitação tende a sumir.

Buikema me contou isso em um dia gelado de janeiro em Cambridge, Massachusetts, cerca de uma semana após Lawrence Krauss, um físico teórico da Universidade Estadual do Arizona, em Tempe, tuitar o boato de que o laboratório de Buikema havia observado uma onda gravitacional. (Uma revelação: sou estudante do programa de escrita científica do MIT.)

Os rumores viralizaram. A Science e a Scientific American se referiram ao tuite de Krauss em suas publicações enquanto a revista Sky and Telescope observaram que "há, provavelmente, um Prêmio Nobel à espera da observação direta".

As ondas gravitacionais estão em todos os lugares

"Estou um pouco surpreso com toda a atenção", admitiu Peter K. Fritscher, cientista sênior na LIGO do MIT, enquanto os rumores ainda estavam a todo vapor.

Quando o LIGO confirmou na semana passada em uma conferência no National Press Club que os boatos eram verdadeiros, a reação foi intensa. Jornalistas especularam que esse anúncio era falso e por um bom motivo: em 2011, o LIGO inseriu deliberadamente um sinal falso para testar o "fluxo de dados" e se proteger das influências humanas. No fim da contas, era tudo verdade. A confirmação recebeu elogios até mesmo do presidente Obama, que tuitou, "Einstein estava certo! Parabéns ao @NSF e ao @LIGO por detectarem ondas gravitacionais – um grande avanço para nossa compreensão do universo".

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Como caçar ondas gravitacionais?

As ondas gravitacionais foram propostas em 1916 por Albert Einstein na teoria da relatividade geral. Era uma forma de expressar com matemática a gravidade, o resultado de forças entre dois objetos, que, entre outras coisas, nos mantêm plantados em terra firme.

Nessa teoria, Einstein usa coordenadas que descrevem espaço e tempo de modo conjunto. (Como qualquer fã de Star Trek pode esclarecer, é conhecido como contínuo espaço-tempo.) As ondas gravitacionais diferem das ondas eletromagnéticas – as que compõem raios-X, a luz e ondas de rádio – porque estas são formadas por campos elétricos e magnéticos oscilantes. As gravitacionais, por sua vez, são formadas pela vibração do tecido do espaço e do tempo.

Alinhados dessa forma, o espaço-tempo se torna o equivalente a um colchão ou um trampolim. Matéria e energia distorcem a superfície como se houvesse uma pessoa pulando sobre ela. Essa distorção é a gravidade: as ondas gravitacionais são as ondulações formadas ao longo da superfície, causadas por essa ondulação do espaço-tempo. E, assim como uma pedrinha jogada em um lago, essas ondulações carregam energia através do universo.

Embora postuladas na teoria da relatividade de Einstein, as ondas gravitacionais nunca tinham sido observadas diretamente.

Nos anos 1960, quando Raener "Rae" Weiss concebeu o projeto daquilo que se tornaria o LIGO, a gravitação se tornou uma busca matemática. Poucos experimentos relacionados à gravitação eram realizados naquela época. Isso foi mudando enquanto as tecnologias evoluíam. A melhoria do laser, por exemplo, proporcionou investimentos em experimentos gravitacionais executáveis – como o LIGO. A pesquisa, então, atravessou décadas. Alguns pesquisadores do LIGO devotaram toda sua carreira profissional à missão.

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Enquanto a palavra "observatório" possa suscitar imagens de cabeças voltadas para cima perseguindo as estrelas, os observatórios do LIGO – que, na verdade, são dois: um em Livingston, Louisiana, e o outro em Hanford, Washington – estão voltados para a terra firme. (Vale ressaltar que os japoneses têm um debaixo da terra.) E o motivo é simples: as ondas gravitacionais estão em todos os lugares.

Cada vez que você se mexe, você cria ondas gravitacionais – ainda que pequenas demais para serem medidas. Entretanto, um buraco negro, criado a partir uma estrela de nêutrons cerca de 1,4 o tamanho de nosso Sol que colide em outra estrela de nêutrons, enviará, mesmo se estiver a alguns milhares de anos-luz da Terra, ondulações grandes o suficiente para serem sentidas da Terra – se você tiver um detector que possa medi-las.

O LIGO busca as ondas gravitacionais por meio de interferômetros, dispositivos que medem o deslocamento das ondas. Se você enviar um raio de luz por dois corredores do mesmo comprimento, ao mesmo tempo, com um espelho na extremidade de cada um, a luz que retorna a você deve retornar exatamente ao mesmo tempo, Fritschel me contou.

Entretanto, se para uma onda gravitacional que passa através desses tubos elas forem grandes suficientes, seu espelho for refletivo o suficiente e seu raio de luz for rápido suficiente, você vai observar que o raio de laser vai ficar levemente mais comprido. Esse é o sinal de uma onda gravitacional.

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Antes de contar a alguém, eles precisavam ter certeza

Há muita engenharia na física quântica. O LIGO busca medições incrivelmente pequenas, assim, quando uma onda gravitacional passa, o laser aumenta somente 1/10.000º do diâmetro de um próton, de acordo com o LIGO.

Se um átomo fosse do tamanho de um campo de futebol, seu núcleo seria menor do que uma bola de gude. O próton localizado dentro do núcleo seria ainda menor.

A tecnologia que faz esse tipo de descoberta possível ainda não estava disponível. O laser que o LIGO utiliza é infravermelho porque tem comprimentos de onda maiores – mais prováveis de registrar o distúrbio – e passam por um processo de quatro etapas a fim de deixá-lo poderoso o suficiente para detectar ondas gravitacionais.

Já o espelho utilizado por eles, apesar de ser 99% refletivo ao comprimento de luz específico que o laser emite, parece transparente ao olho humano.

De acordo com o professor de física Guido Mueller, da Universidade da Flórida, que trabalhou na ótica do LIGO, os espelhos são camadas de revestimentos minuciosos em uma base de sílica fundida. Assim como os lasers do LIGO, eles deveriam ser concebidos, projetados e testados antes de implantá-los. É uma instalação tão sensível que uma coisa tão minúscula como a quantidade de epóxi utilizada para unir os espelhos nos tubos de vácuo podem impactar no resultado.

Como já dito, o LIGO tem duas instalações. Se um local detecta um distúrbio, é possível que seja algo além de uma onda gravitacional, mas somente uma onda gravitacional poderia ser a causa de um distúrbio em instalações localizadas a 2.300 milhas de distância.

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A evolução do LIGO

A concepção do LIGO foi uma causalidade. Weiss, um físico experimental, fora escalado para dar aula em um curso sobre física gravitacional. "Eu não sabia muito sobre física gravitacional", ele me falou em seu gabinete em um dia cinzento no fim de janeiro. O espaço, de cerca de 3 por 2 metros, está abarrotado de livros e artigos, uma evidência de sua longa permanência no MIT. "Foi o que consegui fazer para me manter à frente dos alunos, mas, às vezes, eles estão à frente de mim."

Na época, no início dos anos 1960, o maior experimento na detecção das ondas gravitacionais envolvia uma antena de metal. A teoria afirmava que, quando eles detectassem as ondas gravitacionais, as antenas iriam "avisar" por meio da vibração.

Weiss, que precisava apresentar a pesquisa para sua turma, descobriu que ele não entendia completamente o conceito de modo experimental. Em vez de continuar a lutar com o conceito, ele desenvolveu um método que acreditava ser mais rigoroso, por meio de um relógio e raios laser. O conceito passou por algumas etapas de refinamento, substituindo os relógios por espelhos. Enquanto o projeto aumentava a complexidade, recebeu cada vez mais pesquisadores.

Quando o NFS aprovou o projeto de construção do LIGO em 1990 como parte de uma parceria entre a Caltech e o MIT, compreendeu-se que os detectores resultantes não seriam sensíveis o suficiente para detectar as ondas gravitacionais. Entretanto, construí-lo era a única forma de resolver o problema.

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A descoberta

Em 2010, o LIGO foi desconectado para atualizações e consertos. Quando foi reinicializado no segundo semestre de 2015 para um teste de engenharia alguns dias antes de a pesquisa oficial começar e enquanto o mundo celebrava o centenário da teoria da relatividade geral de Einstein, esse LIGO atualizado, chamado de Advanced LIGO (LIGO Avançado), descobriu uma onda gravitacional.

Entretanto, antes que pudessem contar para alguém, eles precisavam ter certeza. Em 2014, uma equipe de astrônomos utilizando o telescópio Imagem de Fundo de Polarização Extragaláctica Cósmica 2 (sigla em inglês BICEP2) – que também buscava ondas gravitacionais, embora ligeiramente diferentes das do LIGO – anunciou que havia encontrado ondas gravitacionais. Seis meses mais tarde, eles tiveram que revogar seus resultados. Eles não encontraram ondas gravitacionais, mas sim, poeira. O LIGO precisava estar certo.

Meses se passaram enquanto a equipe do LIGO analisava e reanalisava os dados da detecção de setembro. Um artigo foi compilado e então desfeito linha por linha.

Embora o laboratório do LIGO seja composto por três instituições, o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Fundação de Ciência Nacional, a colaboração científica do LIGO é muito maior. Essa colaboração inclui 1.004 cientistas de 37 instituições diferentes, de 16 países, um testemunho à complexidade da iniciativa.

Quando perguntei ao Weiss como ele se sentia por ter feito essa descoberta histórica, ele disse que foi um alívio.

"Senti como se finalmente tivesse tirado esse fardo das minhas costas", ele disse. "Todas essas pessoas devotaram suas vidas e suas carreiras a isso, e não encontrávamos nada. Encontrar algo faz o trabalho deles ter um sentido."

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri