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Tecnologia

​Por que as Pessoas Ainda Morrem da Doença dos Legionários?

A medicina tem muitas informações sobre a enfermidade, mas por que a epidemia persiste?
Legionella, a bactéria causadora da doença dos legionários. Crédito: Wikimedia Commons

Apesar do nome inofensivo, a doença dos legionários não deve ser subestimada. A infecção causada por bactéria pode deixar vítimas com complicações para o resto da vida — inclusive amputações —, além de apresentar uma taxa de mortalidade de até 30%.

No momento, uma comunidade no Bronx, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, está enfrentando uma epidemia mortal da doença. Desde o dia 10 de julho, há 86 casos confirmados. Sete pessoas já morreram.

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Enquanto a maioria das pessoas pode ficar confusa por essa doença pouco falada, os pesquisadores que a estudam por décadas têm poucas dúvidas sobre como ela se dissemina e os métodos de prevenção. Mas, se temos esse conhecimento há anos, por que as pessoas continuam morrendo?

Esta semana, o prefeito de Nova York Bill de Blasio afirmou que funcionários identificaram a Legionella — a bactéria que causa a doença — em cinco torres de resfriamento de água em complexos habitacionais do Bronx. Esses locais armazenam água utilizada para aquecer, refrigerar e circular em grandes edificações.

"Temos muitas informações sobre o organismo causador da doença, onde encontrá-lo e como detê-lo", explicou Janet Stout, diretora do Laboratório de Patógenos Especiais, e professora de engenharia ambiental na Universidade de Pittsburgh. Ela se especializou na pesquisa da Legionella há mais de 30 anos e afirma que somos capazes de prevenir esse tipo de epidemia por meio de um monitoramento aprimorado.

A doença dos legionários recebeu tal nome após uma epidemia mortal em 1976, durante uma convenção de membros da Legião Americana, na Filadélfia. Desde que a doença foi nomeada, os pesquisadores foram capazes de identificar a bactéria relacionada e compreender as causas, o tratamento e a possível prevenção da doença.

"Não é tão rara quanto as pessoas pensam."

Há, no momento, 58 membros da família de bactérias Legionella, Stout me contou. Metade delas pode causar a doença. A bactéria Legionella é encontrada em rios e açudes, mas, em geral, em quantidades pequenas e inofensivas. O problema começa quando um número pequeno da bactéria viaja pela água dos sistemas de tratamento e vai parar em ambientes aconchegantes, onde pode se reproduzir.

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"Ela encontra condições de que gosta ou necessita para crescer: temperaturas aquecidas, fontes de alimento como sujeira e sedimentos encontrados em canos e torres de resfriamento, além de outros micróbios e bactérias que auxiliam a Legionella a crescer e se multiplicar", afirma Stout."Todas essas condições estão presentes nesses sistemas de água aquecidos."

A doença não é transmissível de pessoa a pessoa. Assim que um grupo de Legionella começa a colonizar o ambiente, seja numa torre de resfriamento ou numa banheira quente, ele pode crescer em quantidades perigosas. Se, em seguida, a bactéria for transmitida por meio do vapor do ar-condicionado ou de um banho quente inalado ou ingerido diretamente pela água contaminada, ela poderá chegar aos pulmões e causar uma infecção terrível semelhante à pneumonia.

Se a bactéria chegar aos pulmões, é provável que você não fique doente. Stout me disse que, mesmo em uma situação de epidemia, somente 2 a 5% dos indivíduos expostos contraem a doença. Tudo depende das condições de saúde subjacentes (assim, idosos, fumantes e aqueles com o sistema imunológico fragilizado são mais vulneráveis) e da quantidade de bactéria envolvida.

Entretanto, se você ficar doente, a doença dos legionários pode ser devastadora. Como seus sintomas iniciais são típicos de gripe, ela pode ocorrer sem ser diagnosticada e os antibióticos comumente prescritos são ineficazes, diz Stout. Há antibióticos eficazes que podem vencer a doença dos legionários se detectada de maneira precoce, porém, para muitas pessoas, especialmente no início da epidemia, a possibilidade da doença é considerada tarde demais.

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Assim que a Legionella entra nos pulmões, ela desencadeia uma destruição em razão de sua habilidade natural para abrir caminho dentro de outras células, assim como o macrófago pulmonar.

"Eu descreveria o macrófago como o Pac-Man: ele segue pelo pulmão, come aquilo que chega ao pulmão, e então o rompe e o destrói", afirmou. "A Legionella tem uma capacidade única de contornar esse processo. Em vez de ser destruída, ela se multiplica dentro das células que existem para nos defender e então transborda no pulmão causando a inflamação. Em seguida, viaja pela circulação sanguínea pelos rins e para todos os lugares."

As boas notícias é que sabemos como prevenir esse processo. Estudos mostram que testes regulares para a Legionella em sistemas de água de risco (como as banheiras quentes, bebedouros, sistemas de água hospitalares e torres de resfriamento) podem ajudar a deter a epidemia antes que ela comece. Mas transformar esse conhecimento em regulamentação é um processo vagaroso. Na realidade, doenças relacionadas à Legionella estão crescendo nos EUA, apesar de que dispomos de meios para preveni-las há muitas décadas.

Matt Freije, dono de uma empresa de consultoria que auxilia os administradores de habitações a inspecionar e prevenir o crescimento da Legionella, acredita que isso pode ocorrer por causa da percepção de que a doença é rara.

"Não é tão rara quanto as pessoas pensam", Freije me disse pelo telefone, salientando que o Centro para Controle e Prevenção de Doenças estima que entre 8.000 e 18.000 pessoas nos Estados Unidos são hospitalizadas por causa da doença dos legionários todos os anos. Porém, como a comunidade só costuma ver um ou dois casos por vez, em vez de uma epidemia que domina as manchetes envolvendo dezenas de pessoas, eles acabam passando batido, Freije afirmou.

"De certa forma, é uma falta de conhecimento", diz Freije. Ele também disse que os custos associados ao monitoramento constante pode ter desencorajado alguns administradores de condomínios. Segundo ele, também pode ter havido confusão acerca do quão eficaz é esse monitoramento, já que é possível ter a Legionella em uma torre de resfriamento sem qualquer risco de contrair a doença.

No início deste ano, a Associação de Engenheiros de Aquecimento, Resfriamento e Condicionamento de Ar publicou as primeiras instruções com o objetivo de mitigar o risco da Legionella nos sistemas de água dos edifícios. Em Nova York, o prefeito de Blasio também prometeu reforçar regulamentações para inspecionar torres de resfriamento na cidade. Ele afirmou que o município não agiu mais cedo porque não estava claro ainda se as torres de resfriamento estavam ligadas à disseminação da doença.

Enquanto isso, se você está no sul do Bronx e sente sintomas semelhantes à gripe, os funcionários recomendam que você procure um médico imediatamente.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri