Por Dentro do Laboratório do Facebook em Heliópolis
Fachada do Laboratório de Inovação do Facebook em Heliópolis, São Paulo.Crédito: Guilherme Santana/ VICE

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Por Dentro do Laboratório do Facebook em Heliópolis

Quem são os frequentadores dos cursos gratuitos da empresa de Mark Zuckerberg na periferia de São Paulo.

Fazia bastante calor quando chegamos à Estrada das Lágrimas, a entrada da comunidade de Heliópolis, na zona sul da cidade de São Paulo. Depois de quase 20 minutos de caminhada por ruelas movimentadas, entre gente para cima e para baixo, muitas crianças, carros, pipas e bolas de futebol, encontramos a casa que recebe o Laboratório de Inovação do Facebook, presente no bairro desde março. Próxima à porta grafitada por um artista morador do bairro, uma molecada se juntava para conseguir pegar o sinal do wi-fi e tirar onda com o smartphone.

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Por dentro, o Laboratório é simples. São 15 notebooks enfileirados e uma lousa branca na frente. As paredes são pintadas de branco e azul-rede-social com o escrito Facebook em um dos cantos. Durante os três períodos do dia, acontecem cursos gratuitos sobre o uso da plataforma para empreendedores, marketing digital, informática básica e capacitação dos moradores da região – não são poucos os que chegam para aprender a ligar o computador, me disseram representantes da companhia.

Chamado de Facebook na Comunidade, o projeto surgiu em 2014 durante uma das feiras de empreendedorismo promovidas no Rio de Janeiro pela rede social. Na ocasião, o dono de uma lanchonete da favela da Rocinha contou aos executivos que 70% de suas vendas eram feitas por meio do seu perfil no Facebook. A semente da curiosidade estava plantada.

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A partir daí, a empresa americana iniciou um levantamento sobre o uso da plataforma nas comunidades periféricas. A escolha de Heliópolis para abrigar o Laboratório foi influenciada pelo dado de que 90% dos 220 mil habitantes do local possuíam perfil na plataforma e apenas 15% dos empreendedores a utilizavam para fazer negócio. Interessado em reverter o quadro, o Facebook procurou a UNAS, a associação de moradores cujo lema é "transformar a região em um bairro educador", e a proposta foi aceita na hora.

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A variedade de comércios pelas ruas de Heliópolis é bem grande. O movimento não para. O tempo todo é um vai e vem de gente entrando e saindo dos mercadinhos, cabeleireiros, padarias, botecos, açougues e outros tantos estabelecimentos. De acordo com a UNAS, são mais de cinco mil empreendedores na região. Desde março, pelo menos mil deles já receberam uma visita de alguém do Facebook. A divulgação dos cursos fica a cargo da UNAS, do próprio Facebook e também dos veículos de mídia local – sendo os carros de som um dos mais eficazes.

Desde março, pelo menos mil comerciantes de Heliópolis receberam uma visita de alguém do Facebook

Mas o trabalho do Facebook na Comunidade não fica restrito à salinha do laboratório e às aulas. A empresa contratou cinco jovens moradores da favela para circular pela região e fazer atendimentos gratuitos aos donos de negócio. Como muitos dos comércios locais são tocados por uma única pessoa, há vários comerciantes que desejam participar da iniciativa e não podem largar o trabalho para frequentar as aulas do Laboratório. A estratégia da empresa foi treinar habitantes locais para disseminar a palavra da empresa.

O grupo recebeu o nome de multiplicadores e é composto por jovens de 20 e poucos anos, todos nascidos e criados na comunidade. São estudantes e recém-formados, conhecedores de cada pedra presente nas ruas do lugar e também conhecidos por todo mundo no bairro. Com camisa da empresa e um tablet nas mãos, eles batem perna pela comunidade para perguntar aos comerciantes se há um minuto para ouvir a palavrinha do Facebook.

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Durante nossa segunda ida a Heliópolis, uma das multiplicadoras, a Deilly Martins, nos levou para conhecer alguns dos empreendedores que atende. Nossa primeira parada foi no Centro Técnico Éder Camargo by Jonas Pais. O Éder é cabeleireiro e está há nove anos com um salão de beleza em Heliópolis. Mudou-se para o bairro numa quarta e abriu o negócio numa quinta. Começou a sua divulgação via panfleto, mas foi na internet que fez sucesso.

O cabeleireiro Eder Camargo e a famosa hidromassagem do dia da noiva em seu salão. Crédito: Guilherme Santana/VICE

Desde os tempos de Orkut, ele montava álbuns com fotos dos seus trabalhos para atrair novos clientes. Com a morte lenta e sofrida da rede social do Google, ele migrou para o Facebook e manteve a estratégia dos álbuns em seu perfil. Postava fotos de makes, penteados e cortes. Segundo ele, subia uma foto e, na semana seguinte, já tinha cliente pedindo o serviço. "Fui me empolgando, cada dia eu colocava mais foto. Sempre tive aquele pensamento assim: quem não é visto, não é lembrado, então eu era lembrado sempre, até hoje", diz enquanto puxa uma mecha daqui e outra dali do cabelo de uma cliente.

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Com o curso no Laboratório e a ajuda da Deilly, ele aprendeu que a página é seu espaço profissional na rede. O cabelereiro posta os serviços que oferece no salão e também na sua escola, onde ensina sobre beleza. Com ajuda do marido, o Jonas, ele toca o negócio e as postagens. Desde que criou a página, a clientela cresceu de 30 a 40%, afirma. "A crise deu uma queda, mas o Facebook me levantou, olha que delícia", diz, rindo.

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Do salão do Éder, partimos de volta para a Estrada das Lágrimas para conhecer o dono do Bazar & Brechó Pólis, o Melem Naufal, de 65 anos. Ele é comerciante desde a década de 70: teve lojas de tecidos, brinquedos e decoração. Está em Heliópolis há um ano e meio com um mercado de produtos variados com preços acessíveis. Quando chegamos à loja, o Thiago, outro membro da equipe de multiplicadores, estava fazendo atendimento e tirando as dúvidas do dono do negócio. Com a tela do Facebook aberta no tablet, o multiplicador mostrava o crescimento da página criada há pouco mais de um mês.

Melem Neufal tem 40 anos de experiência no comércio. Crédito: Guilherme Santana/VICE

Naufal conheceu o projeto da rede social ao observar o movimento de vai e vem do "menino do Facebook" pelas ruas. Um dia o abordou como quem não quer nada. De prontidão, Thiago colocou em prática tudo que aprendeu em seu treinamento e deu dicas de como expandir o negócio. Na rede, o brechó está engatinhando. O comerciante diz que já teve sites para divulgar seus produtos, mas acredita que a rede social alcança muito mais gente. Ele pretende investir uma grana no espaço virtual assim que reformar a entrada da loja para garantir que a foto fique bonita na capa da página.

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Ao sair do Brechó, aproveitamos a carona do Thiago e seguimos para nossa terceira parada, o Vivian Art Festas, comandado pela Vivian de Lima, que mora na rua de cima do seu salão de festas. Há três anos ela mantém um buffet no bairro, mas já trabalha com decoração de festas há seis. A festa de um ano do filho mais velho foi a primeira em que fez tudo sozinha. A partir daí, não parou mais. O movimento andava meio parado no início do ano, mas, em março, com a presença do Facebook, tudo mudou. A Deise, da equipe de multiplicadores, visitou a Vivian e sugeriu que ela fizesse uma página em vez de postar fotos em seu perfil pessoal.

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A festa do dia seguinte à nossa entrevista era temática das princesas da Disney. Crédito: Guilherme Santana/VICE

A chefe do salão não botou muita fé na ideia, mas foi na onda e investiu 10 reais numa publicação. O resultado ninguém previa. Em uma semana, ela fechou dois casamentos e teve um retorno de oito mil reais. "O meu maior marketing, maior meio de divulgação é pelo Facebook, não faço nenhuma outra propaganda, panfleto, nada, é só pela página", ela garante.

No salão, Vivian faz casamento, batizado, festa de debutante e festa infantil. Ela já tem a agenda fechada até janeiro do ano que vem e pretende abrir uma filial dentro da comunidade para garantir mais opções de dias livres para a clientela. Em dia de festa, ela emprega pelo menos mais 12 pessoas além dos dois funcionários fixos. A geração de emprego e de renda são dois dos objetivos do projeto Facebook na Comunidade, de acordo com a companhia.

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Nossa última visita do dia foi ao único estúdio de fotografia de Heliópolis, batizado de E29 por causa do endereço: Rua 29 de Dezembro. Quem toca o negócio são os dois amigos Altiery Monteiro e Victor Hugo. Ambos se conheceram ainda moleques na favela e abriram o negócio em março do ano passado. A especialidade deles é fazer festa de casamento e aniversário, mas também rola fazer book no próprio estúdio e uma publicidade aqui ou ali. A ideia, no futuro, é que a grana que eles levantam sirva para abrir uma escola de fotografia que ofereça workshops para a garotada.

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Victor Hugo e Altiery Monteiro são fotógrafos oficiais de casamento em Heliópolis. Crédito: Guilherme Santana/VICE

O Facebook, interessado em aumentar serviços relevantes em Heliópolis, não perdeu tempo em contatar a dupla logo na primeira fase do projeto. Os dois rapazes fizeram cursos no Laboratório e estão usando a ferramenta para melhorar cada vez mais o atendimento aos clientes. Cada um tinha sua página profissional, mas elas foram aglutinadas numa só com o nome da empresa. Depois, a equipe de multiplicadores deu uma boa ideia de atendimento personalizado: criar grupos. Nessas agremiações virtuais, eles trocam ideias de referencias fotográficas e até dão dicas de moda para as noivas e os noivos. "É um atendimento em que o cliente se sente importante", diz o Altiery. "Agiliza o fluxo de trabalho e ajuda muito", completa o sócio Victor.

Os fotógrafos atendem também na Vila Mariana, no centro-sul de São Paulo, devido ao preconceito com a favela. De acordo com eles, alguns clientes não reagem bem ao fato da dupla atuar na periferia. A presidente da UNAS, Antonia Cleide Alves, afirma que a presença do Facebook ajuda bastante a quebrar a ideia negativa em torno do bairro. "Trabalha essa questão do preconceito, daquele olhar que tem das comunidades, da favela, porque aqui ainda é favela. A gente sabe que isso também melhora, tem esse ganho que é da empresa estar aqui dentro", diz.

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O mapeamento dos negócios dentro da comunidade e o recolhimento de dados de uso da rede das pessoas que lá vivem é algo inédito. As consequências a longo prazo a gente ainda não sabe, mas, ao andar pelas ruelas de Heliópolis, dá para notar que a iniciativa, ainda que pequena, ajuda bastante gente a tocar o próprio negócio e, por tabela, a usar melhor as ferramentas digitais.

Claro, o Facebook está longe de ser operador de milagres, uma instituição virtual de filantropia. O objetivo da empresa é manter os seus produtos sempre em primeiro plano onde quer que seja: Mark Zuckerberg, o fundador, não esconde sua vontadde de que o mundo inteiro se conecte para aumentar o alcance e a abrangência de sua rede social. Ainda assim, nesse primeiro momento, o saldo de um local de aprendizado e inclusão no Brasil parece positivo. E a empresa garante que pretende aumentar o raio do projeto. Heliópolis, dizem, é só o começo.