Por Dentro de uma Sala Feita para Ser Totalmente Silenciosa
​Fotos: Thomas Howells

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Por Dentro de uma Sala Feita para Ser Totalmente Silenciosa

“Houve um aumento dramático no uso do som dentro da arte – o uso e o pensamento a respeito do som em novas formas.”

Loucos por barulho têm tentado destruir cabeças e romper tímpanos com volumes absurdos em nome da arte desde a invenção da amplificação. Mas os paradigmas estão mudando: o volume baixo, aparentemente, é o novo alto.

"Houve um aumento dramático no uso do som dentro da arte – o uso e o pensamento a respeito do som em novas formas", explica Mike Wyeld, instrutor técnico de som do departamento de animação do Royal College of Art. "E a ausência de som traz consigo uma experiência impossível de ter sido vivida antes."

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Nossa conversa se dá alguns dias depois de minha visita à câmara anecoica da London South Bank University, a maior de Londres. Projetada inicialmente para pesquisa e ensino em acústica, estas salas tornaram-se alvo de fetiche de músicos e artistas de vanguarda interessados em dinâmica sônica: da visita inaugural de John Cage à câmara em Harvard, uma inspiração para sua obra 4'33" à punitiva instalação ambisônica de Mark Fell64 Beautiful Phase Violations na Universidade de Salford em 2013, ao novo PhD colaborativo da LSBU com o Royal College of Music.

A câmara da universidade também serviu como anfitriã para estudantes do RCA, em uma tentativa de registrar som literal "puro" – o riscar de um fósforo, o descascar de uma laranja, o estourar de um balão – de forma a compreender os extremos da percepção sensorial.

Câmaras anecoicas, caso seja necessária a explicação, são construídas para se obter silêncio total.

"Na arte visual temos o espaço negativo", explica Wyeld. "O espaço negativo no mundo real não existe para o som, mas pode existir em uma câmara anecoica. Nas mãos de um artista, é uma nova maneira de interpretar aquilo que você faz."

Volte no tempo mais ou menos umas 80 horas e sou recebido por Stephen Dance e Luiz Gomez-Agustina do Centro de Pesquisa Acústica da LSBU, que concordaram em me garantir acesso à sua câmera para tentar viver tal experiência.

Silêncio – o verdadeiro silêncio – é uma anomalia na vida cotidiana. Ele simplesmente não existe. O máximo que você pode chegar, explica Gomez-Agustina, seria em um campo aberto, sem animais, em um dia completamente parado. O volume do ambiente ficaria então em torno dos 25 decibéis. A câmara anecoica, quando ocupada, fica por volta dos 16. O corpo humano faz barulho demais para que ela fique mais silenciosa que isso. "Chama-se respirar", diz Dance.

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Ao entrar na sala, sou atingido por uma inconfundível pressão. O ar parece denso, como se minha cabeça estivesse sendo apertada de leve. "É uma ilusão", Gomez-Agustina explica. Todo mundo passa por isso em sua primeira visita, mas ele não sabe o porquê. Gomez-Agustina retira um barômetro do bolso. "Igual do lado de fora", dá de ombros.

A sala toda é revestida de retalhos de espuma, apontados para dentro, o piso é uma grade de metal suspensa sobre estes. Ao mesmo tempo em que parece algo arcaico, é também de outro mundo, uma cena retrofuturista em marrom opaco. Enquanto Dance fecha a porta atrás de nós, a atmosfera enfraquece ainda mais. Toda e qualquer onda sonora é desviada pela muralha de espuma e absorvida pelas paredes. Tem um quê de opressor; muito de nossa percepção espacial é definida por ecolocalização, e mesmo de olhos abertos, a desorientação é irrefutável. Concordamos que ficarei na câmara durante uma hora com as luzes desligadas, para me afastar de qualquer distração extra-sensorial. Deito nas espumas como se fosse uma cama improvisada; os acadêmicos deixam a sala, enquanto o técnico fecha a porta e desliga as luzes.

Soa paradoxal, mas uma experiência passiva como ficar deitado na escuridão imóvel e em silêncio é bizarramente intensa. O contexto nada natural força minha audição a ficar mais sensível. Com o passar dos minutos, os sons da minha respiração e movimentos internos ficam mais pronunciados.

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Antes disso, coisas como essa eram apenas sensações – digestão, o relaxamento de músculos – e agora tornavam-se audíveis. Ouço o estalar dos seios nasais e um leve som de algo arranhando enquanto levanto minhas sobrancelhas e o escalpo se move pelo meu crânio. Após cerca de 45 minutos, explicou Dance, começaria a ouvir o sangue correndo pelos capilares ao redor de minhas orelhas. Eventualmente, lá está – um leve som de água corrente, o sangue literalmente sendo bombeado ao redor de minha cabeça. A experiência é hipnótica, até mesmo existencial – nunca havia estado tão ciente do meu corpo enquanto uma máquina orgânica à todo vapor.

A internet está cheia de histórias de visitantes de câmaras anecoicas que acharam a experiência tão perturbadora que sofreram alucinações e ataques de pânico (John Doran, do The Quietus, durante uma visita à instalação de Salford em 2013 para entrevistar Mark Fell, afirmou que aquilo o levou "à beira da histeria"). Não passei por nada disso. O que senti foi um misto de relaxamento e desorientação temporal; a hora ali dentro poderia ter sido dez minutos ou um dia inteiro.

Ainda não sei ao certo o que esperava ganhar com isso. Um interesse obsessivo por sons silenciosos soa como um convite ao desapontamento, mesmo que o objetivo seja intelectual. Isso é hipocrisia – não vou começar a falar mal de John Cage – mas um desejo de isolar-se completamente do que existe ao nosso redor soa como um impulso insular e antinatural, um que deixa até mesmo perplexa a equipe do departamento. "Essa é uma das características que todo mundo quer ouvir: o silêncio absoluto", diz Dance. "Mas pra quê?"

"A câmara anecoica", rebate Wyeld, "é uma ferramenta sedutora para artistas e designers que trabalham com som. 'Imagine um espaço sem som', é tudo que tenho a dizer e os estudantes fazem fila para participar isso. É um lugar mágico".

Tradução: Thiago "Índio" Silva