Pesquisadores criaram a primeira 'máquina enigma quântica'
Na teoria, seria um dispositivo capaz de usar fótons para criptografar mensagens por meio de chaves menores que seus conteúdos. Na prática? Na prática é isso mesmo. Crédito: Flickr/Darkday

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Tecnologia

Pesquisadores criaram a primeira 'máquina enigma quântica'

Na teoria, seria um dispositivo capaz de usar fótons para criptografar mensagens por meio de chaves menores que seus conteúdos. Na prática? Na prática é isso mesmo.

Em 1949, o pai da teoria da informação Claude Shannon escreveu um artigo provando que era possível criar uma mensagem perfeitamente segura cujo código jamais seria quebrado – mesmo com todo o tempo e poder computacional do universo.

De acordo com Shannon, isso poderia acontecer por meio de uma chave criptográfica gerada aleatoriamente, que fosse ao mesmo tão longa quanto a própria mensagem e utilizada uma única vez.

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O método de criação de uma chave aleatória não importa. Shannon previu chaves perfeitamente seguras que utilizavam letras, palavras ou mesmo a amplitude de um sinal de vídeo para criptografar a mensagem. O aspecto mais importante é que a chave é totalmente aleatória, logo, não há absolutamente nenhuma relação com o texto original e não criptografado.

Uma mensagem criptografada e que utiliza um código totalmente aleatório, usado somente uma vez, é perfeitamente seguro, porque mesmo admitindo que você disponha da força computacional para calcular todas as soluções possíveis para o código, você acabaria com uma tonelada de mensagens coerentes, sendo impossível afirmar qual dessas mensagens é a solução correta.

Nos anos que se seguiram ao artigo inovador de Shannon, a criptografia sofreu um renascimento e, agora, não é incomum utilizar métodos de criptografia que exigem computadores para resolver problemas de matemática tão difíceis que o universo acabaria antes que os computadores pudessem ser capazes de resolvê-los. Ainda assim, essas formas de criptografia não são tão seguras quanto Shannon gostaria, porque é totalmente possível que exista um algoritmo mais eficaz e capaz de quebrar o código em menos tempo. Acontece que os matemáticos ainda não o descobriram.

Essa jornada incessante em busca de uma mensagem segura estimulou Seth Lloyd, professor de informação quântica no MIT, a divulgar a teoria das máquinas enigma quânticas em 2013. O dispositivo, cujo nome deriva da máquina de criptografia nazista chamada Enigma, utilizaria estados quânticos de fótons individuais para decodificar e criptografar mensagens alterando propriedades da onda de fótons, como a amplitude ou a frequência de onda. Diferentemente da distribuição chave quântica, a qual utiliza princípios da mecânica quântica para criptografar mensagens, as quais são então enviadas por meio dos canais de comunicação tradicionais como a fibra ótica ou as linhas telefônicas, a máquina enigma quântica seria capaz de transmitir estados quânticos através de um canal quântico entre o emissor e o receptor. Além disso, a chave utilizada para criptografar essa mensagem é mais curta do que a mensagem em si, um método experimental de criptografia conhecido como bloqueio de dado quântico.

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A ideia do dispositivo era intrigante, porém, em razão das limitações tecnológicas, ela permaneceu unicamente na teoria, até maio deste ano, quando uma equipe de pesquisadores conseguiu criar uma enigma quântica de verdade em laboratório pela primeira vez.

A equipe de pesquisa foi liderada por Daniel Lum, um aluno de pós-graduação da Universidade de Rochester e que nunca tinha ouvido falar de uma máquina enigma quântica até um ano atrás, quando se deparou com um artigo de Lloyd na arXiv, o qual descrevia o dispositivo teórico. Intrigado, Lum levou sua descoberta ao chefe de seu laboratório, o físico John Howell, em uma reunião e o elegeu como um possível projeto de pesquisa.

Encorajado pelo interesse de seus colegas de laboratório na ideia, Lum entrou em contato com Lloyd e mais alguns pesquisadores no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, que o auxiliaram no projeto de um experimento que testaria a enigma quântica de Lloyd.

A máquina enigma quântica criada por Lum e seus colegas tem um projeto elegantemente simples, porém, é notavelmente complexa em sua mecânica. No nível mais superficial, a máquina enigma consiste de três componentes principais: um dispositivo capaz de gerar fótons únicos, dois moduladores espacial de luz e um conjunto de nanofios de 8x8.

Para operar o dispositivo, um emissor (ou emissora, a qual será chamada de Alice) lançaria um fóton do cabo de fibra ótica através de um dos moduladores espaciais de luz. Esse modulador espacial de luz manipula a frente de onda do fóton ao adicionar uma inclinação à onda e alterando sua direção, mais ou menos o que aconteceria se você acendesse uma luz em um espelho e então começasse a balançar o espelho. A modulação desse fóton é a maneira como Alice consegue decodificar informações do fóton: a direção a que Alice envia o fóton após a modulação é alinhada com um ponto bastante específico no conjunto de nanofios de 8x8, controlado pelo receptor (o qual chamaremos de Bob).

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Pode ser útil visualizar o conjunto de nanofios de Bob como um teclado, no qual cada um dos 64 nanofios representa uma tecla. Nesse exemplo, Alice se comunica com Bob ao lançar fótons no teclado de nanofios a fim de criar uma mensagem.

Se é isso o que uma máquina enigma quântica pode fazer, então seria fácil para uma pessoa bisbilhoteira (vamos chamá-la de Eve) ler as mensagens trocadas entre Bob e Alice. Bastaria que Eve medisse o sistema enquanto o fóton se move através dele a fim de determinar para qual tecla do teclado de nanofios ele se direciona. Assim, além de manipular a direção pela qual o fóton viaja a fim de codificar suas informações, o modulador espacial de luz também embaralha a frente de onda do fóton por meio da aplicação de um padrão aleatório à onda – se a frente de onda for inicialmente suave, então agora ela se torna irregular. É assim que Alice criptografa sua mensagem a Bob: ao deixar a frente de onda acidentada, ela desfoca o fóton, para que as chances de que ele chegue ao ponto pretendido no conjunto de nanofios do Bob sejam incrivelmente baixas.

O padrão aleatório aplicado à frente de onda do fóton deriva de um livro de códigos público ao qual Bob, Alice e Eve têm acesso. Por meio desse livro de códigos, Bob e Alice podem estabelecer qual padrão aleatório será aplicado ao fóton antes que Alice o envie através do canal para Bob. Por causa do grande número de padrões aleatórios que poderiam ser aplicados ao fóton, é impossível a Eve deteminar qual padrão é necessário para desembaralhar a frente de onda do fóton sem ter acesso à chave que Bob e Alice escolheram. Quando o fóton chega a Bob, ela usa seu modulador espacial de luz para desembaralhar a frente de onda do fóton, permitindo que ele chegue ao nanofio pretendido por Alice.

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As vantagens desse método de bloqueio de dados quântico são imensas. Em primeiro lugar, por causa das limitações atuais da memória quântica, os estados quânticos (tais como os do fóton) não podem ser armazenados indefinidamente – eles irão, em algum momento, se desconectar e ser absorvidos pelo ambiente. Normalmente, se uma mensagem criptografada de modo tradicional é interceptada, ela pode ser salva pelo espião, que pode tentar diferentes tipos de quebra de código ou aguardar até dispor de informações que o ajudará a quebrar o código.

Porém, Eve tem uma única tentativa de desembaralhar o fóton enviado entre Bob e Alice – em sua primeira tentativa, ela terá corrompido a mensagem em razão de um princípio fundamental da mecânica quântica na qual a medição de um sistema quântico pode alterar o sistema. Supondo que ela não tenha acesso aos padrões aleatórios que Bob e Alice concordaram em aplicar ao fóton de antemão, as chances de que Eve acerte o padrão certo da primeira vez são próximas de zero. Além disso, como os estados quânticos não podem ser armazenados indefinidamente, ela precisará fazer a primeira tentativa de quebrar o código logo após interceptar a mensagem, antes que o estado quântico do fóton se desfaça.

Em resumo, o que Lum e seus colegas conseguiram fazer com sua pesquisa foi aprimorar o projeto de Shannon de mensagens perfeitamente seeguras. Isso porque a chave é realmente mais curta do que a própria mensagem criptografada, e também inclui uma nova chave secreta a ser usada na resposta. Isso assegura que uma dada chave jamais será utilizada mais de uma vez.

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Em seu experimento, Lum e seus colegas criptografaram cada fóton com seis bits de informação.

Desses seis bits, um foi utillizado para codificar a mensagem, 2,3 bits foram utilizados para codificar a nova chave secreta e os demais bits foram utilizados para a correção de erros, a fim de corrigir informações perdidas durante a transmissão. Cada vez que eles enviaram uma mensagem, eles a codificariam em uma onda de 63 fótons transportando um total de 378 bits de informação. Isso significa que uma chave de 147 bits (2,3 bits por fóton) ainda era capaz de criptografar todo o pacote de 378 bits de informação (63 fótons com seis bits de informações cada).

Embora a máquina enigma de Lum e seus colegas seja somente a prova de um conceito, ela se mostrou sólida suficiente receber uma revisão na Physical Review A, onde os resultados da pesquisa serão publicados nos próximos meses.

Enquanto isso, Lum e seus colegas desejam continuar desenvolvendo seu método de bloqueio de dados quântico. Além de testar sua força contra diferentes tipos de invasões, Lum afirma que é necessário descobrir como eliminar a perda de informações que possa ocorrer inevitavelmente durante a transmissão dos estados quânticos.

"Nosso experimento foi uma prova de princípio e entendemos que essa implantação nunca será útil para as comunicações de longa distância", afirmou Lum. "Muitas pessoas dizem que não vale a pena buscá-la, pois é um problema muito difícil, mas acredito que é possível diminuir as perdas o suficiente para transmitir de maneira confiável os dados através de um canal quântico. O bloqueio de dados quântico ainda está em seus primórdios."

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri