Passei Uma Semana Bebendo o Café Mais Nervoso do Mundo
Crédito: Sharon Marrow/Flickr

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Passei Uma Semana Bebendo o Café Mais Nervoso do Mundo

O negócio bateu como prometido: CABUM! O gosto era diferente de todos os cafés que eu já tomei.

Eu mal havia entrado na Triple Rock, uma mini-cervejaria em Berkeley, Califórnia, quando notei que o especialista em radiação Phil Broughton já segurava uma caneca de cerveja meio futurista. Empurrando-a para minha direção, ele anunciou que iríamos beber cerveja no almoço – parte da iniciação a seu super-café, conhecido como Black Blood of the Earth (Sangue Negro da Terra, em português).

Broughton, que tem cabelos ruivos e uma barba vermelha de motoqueiro, me explicou que essa caneca – uma Stein of Science, como é conhecida – era capaz de manter a temperatura de qualquer líquido por horas e horas. A curiosidade falou mais alto, e eu concordei em ficar bêbado durante o almoço. (Tudo pelo jornalismo, é claro.)

Publicidade

Para quem nunca ouviu falar sobre ela, a Stein of Science é um tipo de frasco de Dewar, utilizado por cientistas para armazenar nitrogênio líquido (a única diferença é que a Stein tem uma alça). "Ela é normalmente usada em laboratórios", disse Broughton. O motivo pelo qual a Stein of Science mantêm o líquido tão gelado é o seu sistema de isolamento térmico à vácuo.

Mas era o super-café, e não a cerveja, o motivo pelo qual eu estava brindando com um cara que já trabalhou no Laboratório Lawrence Livermore e que já foi bartender na Antártida. Ele me bombardeou com referências de Star Trek e nerdices sobre cerveja e café, e eu me senti como se tivesse me deparado com um arquétipo do nerd – o que achei bem da hora.

Enquanto fazia duas coisas ao mesmo tempo – comprovando a propriedade de refrigeração da Stein of Science e fazendo uma comparação com uma amostra-controle de cerveja em um copo normal – escutei a explicação de Broughton sobre a ciência por trás do Black Blood of the Earth. Arrastando uma sacola plástica com dezenas de ampolas cheias de um líquido negro, Broughton disse que ele criou o Black Blood por necessidade.

Broughton baforando nitrogênio líquido no melhor bar da Antártida. Crédito: Funranium Labs

"Eu sou louco por doces, e amo cafeína. Eu bebia seis latinhas de Coca toda manhã, e, por amor à minha saúde, resolvi parar de beber tanto refrigerante", disse.

E só um cara como o Broughton inventaria um novo e delicioso líquido para sustentar seu vício em cafeína ao invés de beber algum substituto existente no mercado. Talvez porque ele já tenha visto coisas que a maior parte de nós nunca viu, como partes de pesquisas confidenciais – bombas nucleares já foram produzidas em Livermore, afinal. Ou talvez por ele já ter morado no Pólo Sul. Atualmente, ele trabalha na Universidade de Berkeley, certificando-se de que os cientistas e estudantes da universidade estão à salvo dos efeitos da radiação.

Publicidade

Em uma certa tarde, Broughton decidiu que, ao invés de jogar Fallout 3, ele iria para o laboratório para fazer experiências com café. Após semanas testando sua nova receita de café, ele recebeu más notícias sobre sua saúde.

"Eu estava com diabetes do tipo dois", disse. Isso tornou a criação do Black Blood essencial para manter o seu vício por café.

Para produzir o Black Blood, Broughton usa uma técnica que ele denomina de extração fria a vácuo. Cada lote demora cerca de dois dias para ser produzido. O processo se resume a retirar todo o sabor e cafeína dos grãos de café. Em seu laboratório pessoal, Broughton pode usar a coleção de equipamentos de laboratório que ele acumula há anos. Boa parte desse equipamento nunca foi usado, e esse apetrechos estavam prestes a ir para o lixo.

No início, Broughton iniciava a produção com o mesmo processo usado na infusão a frio: deixar os grãos de molho em água gelada ou em temperatura ambiente por 12 horas ou mais. No entanto, ele diz que mudou o processo, mas não quis dar mais detalhes. "Vou te contar um negócio, a geometria importa [no caso, dos frascos e beakers]", disse. "Se você usar o recipiente com formato ou material errado, o sabor fica diferente."

Em três semanas, ele havia criado um protótipo. Hoje ele tem um negócio lucrativo, e informou à Forbes que seu rendimento em 2012 foi de US$150 mil, com uma margem de 20% de lucro—US$100 mil desse total vindo só do café. O produto foi inclusive aprovado pelo Warren Ellis.

Publicidade

Broughton diz que não considera isso um trabalho de verdade. "A Funranium Labs é um hobby", disse.

O nível de venda está estagnado, ele diz. Seria difícil, ou até mesmo impossível, aumentar essas vendas, pois o processo é lento e requer um conhecimento especializado. "Infelizmente, a inflação sempre sobe, e eu não aumento os preços há três anos", disse. Mas para Broughton, isso não importa. "Eu gosto disso, é tipo uma meditação."

Broughton não torra os próprios grãos, e tem uma porção de fornecedores confiáveis espalhados pelo país. O processo concentra a cafeína do café – o Black Blood contém uma quantidade cerca de 40 vezes maior da substância do que o café comum.

No entanto, o Black Blood não é cafeína pura. "Eu não retiro os óleos deliciosos dos grãos torrados", ele explicou.

Algumas ampolas, presente do Broughton. Crédito: Funranium Labs

Minha primeira experiência com o Black Blood ocorreu por pura necessidade. Alguns dias depois de Broughton me presentear com uma sacola cheia de ampolas de Black Blood – por algum motivo, eu estava preocupado com o que eu falaria caso os policiais me flagrassem com elas – minha máquina de expresso quebrou minutos antes de um trabalho importante: a cobertura de um julgamento, parte de um escândalo de corrupção no melhor estilo Os Bons Companheiros. Destituído de meu combustível jornalístico, eu fui atrás das ampolas de Black Blood, ainda fechadas, na minha geladeira.

Meio nervoso, bebi 10ml do sabor Kona, que Broughton descreve como seu "sabor-base". O negócio bateu como prometido: CABUM! O gosto era diferente de todos os cafés que eu já tomei.

Publicidade

Nesse momento, eu já havia conseguido fazer um expresso na minha máquina. Como eu já havia bebido café normal, Broughton explicou que as seis horas extremamente trêmulas que se seguiram foram resultado do processo de quebra do café normal no meu organismo, que o transformou em cafeína e teofilina, uma substância parcialmente responsável pela tremedeira causada pelo café.

A AUSÊNCIA DE ACIDEZ E AMARGOR CRIA UM SABOR QUE É QUASE, MAS NÃO EXATAMENTE, DOCE.

Apesar de o Black Blood conter apenas traços residuais de teofilina – o que resulta em animação sem tremedeira, uma coisa ótima – Broughton diz que sua substância mágica produz teofilina quando em contato com café normal, o que explica minha tremedeira louca. O efeito era tolerável, mas eu passei o resto da semana consumindo apenas a cafeína do Black Blood.

"Minha ideia é extrair mais cafeína do que teofilina, o que resulta numa bebida altamente cafeínada", explicou. "O seu corpo fica encarregado de metabolizar a cafeína em teofilina no seu próprio ritmo. A infusão normal concentra toda a teofilina, cafeína e sabe-se lá mais o quê das 500 (ou mais) substâncias presentes no café. Você já recebe uma dose de teofilina de cara, e o seu corpo produz ainda mais quando metaboliza a cafeína."

As amostras duraram cerca de uma semana. Cada Black Blood tem um sabor diferente, dependendo do tipo. Broughton produz vários – mas como não sou um sommelier, não vou descrever um monte de notas e gostos inventados.

Publicidade

Porém, vou dizer algo: a ausência de acidez e amargor cria um sabor que é quase, mas não exatamente, doce. Broughton sugere a ingestão de no máximo 100ml de cada sabor; um deles, chamado Death Wish e destinado a aqueles que precisam de uma dose potente de cafeína, vem com uma recomendação de ingestão máxima de 50ml.

Minha mistura favorita foi meia xícara de leite gelado com 25-50ml do sabor Sumatra pela manhã. Era como beber sorvete de café, mas sem o amargor e sem o açúcar. Os sabores mais básicos custam US$40 por 750ml, o que pode parecer caro, mas como cada garrafa contêm entre 15 e 30 porções, o preço não é tão ruim.

Broughton me deu uma dica: misturar o café científico com vodka produz uma mitsura curiosa, pois a vodka adoça o café. Lembrem-se que o Black Blood não é amargo, mas ele também não é doce. Broughton recomendou misturar a vodka com Black Blood e leite, o que resultou em um drink delicioso. Apesar de eu não ter muita certeza se misturar café concentrado com vodka é uma boa ideia.

Após uma semana bebendo Black Blood, eu continuava vivo – e até melhor, porque eu havia nivelado o meu consumo de Black Blood e degustado alguns drinks com o café. Quando eu acabei com a última gota das minhas amostras, me vi forçado a voltar para a minha máquina de expresso, o que foi meio sem graça. Enquanto bebia meu primeiro expresso da semana, percebi que havia esquecido do sabor amargo do café, e que estava com saudades de começar meu dia com um pingado de Black Blood.

Tradução: Ananda Pieratti