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Tecnologia

Os Vários Matthew McConaugheys no Espaço

De "Contato" até "Interestelar", uma análise sobre as viagens espaciais do ator.

Quem avisa amigo é, então lá vai: essa matéria contém uma cacetada de spoilers de Interestelar e Contato, de 1997.

Interestelar começa nos mostrando a forte ligação entre um pai, interpretado por Matthew McConaughey, e sua filha. Enquanto eu assistia o filme, fui transportada por um buraco de minhoca para um tempo anterior ao McConascimento, quando um McConaughey mais jovem e despretensioso interpretou um papel central em outro filme sobre viagem espacial: Contato, de 1997, que também se inicia com a relação de um pai e sua filha.

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Apesar de muitos terem comparado Interestelar a 2001 - Uma Odisséia no Espaço, do Kubrick, eu prefiro a comparação com Contato; não apenas por causa da agradável abundância de McConaugheys, mas também por causa da análise de como a visão cinematográfica e cultural do cosmos mudou nesses 20 anos, desde que Ellie Arroway, a personagem interpretada por Jodie Foster, fez sua própria viagem interestelar. Devo acrescentar que Contato foi um filme importante na minha formação pessoal, uma obra que me colocou no rumo da astronomia, e que eventualmente me levou à carreira de antropóloga estudando a atual cultura astronômica.

Foi-se o tempo em que explorávamos o espaço — como ocorre em Contato — para achar alguma entidade alienígena que nos ajudasse a compreender a existência na Terra. Agora, a exploração espacial é impulsionada pela ideia de que a única esperança da humanidade é virar os próprios alienígenas que buscávamos nos confins do universo.

O relacionamento pai-filha é essencial para ambos filmes porque apresenta a tensão entre as decisões feitas com base no amor e na fé e àquelas alimentadas pela ciência e racionalidade. Em Interestelar, Coop, interpretado por McConaughey, é um ex-piloto obrigado a trabalhar como agricultor em um futuro marcado por tempestades de areia e uma crise agricultural. Incapaz de abandonar sua formação como engenheiro, ele ensina sua filha, Murph, a pensar cientificamente em um mundo agonizante que não está mais encantado com o progresso científico e tecnológico. Contato, que se passa na Terra dos anos 90, antes da explosão da bolha tecnológica, começa com o pai de Ellie apresentando-lhe as maravilhas do universo. O pai de Ellie morre repentinamente, deixando que ela cresça sem um pai, mas fazendo com que ela herde seu amor por astronomia.

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Alguns anos depois, Arroway conhece uma versão fofa de McConaughey. Seu personagem em Contato, Palmer Joss, é a antítese do personagem Coop. Joss prega a filosofia cristã e está satisfeito com a crença em um ser superior que dá um propósito para a humanidade, e não vê a necessidade de entender a complexidade do que existe além do nosso planeta. Ele também está no espectro oposto do ocupado por Coop na equação da relatividade. É Arroway, interpretada por Foster, que precisa deixar a Terra, podendo voltar em algumas horas ou dias, enquanto Joss é obrigado a enfrentar seu medo de envelhecer sozinho durante sua ausência.

Em Interestelar, McConaughey interpreta o outro lado dessa moeda, já que é Coop que decide abandonar Murph e seu outro filho, que irão certamente envelhecer, ou até mesmo morrer, durante sua jornada. É o amor, e não a curiosidade científica, que triunfa em ambos filmes, mas há mais culpa e menos convicção para Coop, que no fundo é um pouco parecido com seu duplo, Joss (assim como McConaughey também deve ser).

SERÁ QUE A EVOLUÇÃO DOS PERSONAGENS DE MCCONAUGHEY, DE HOMEM PRESO À TERRA A EXPLORADOR ESPACIAL, INDICA UMA NOVA TENDÊNCIA CULTURAL?

Ambos filmes atingem seu clímax após jornadas similares através de buracos de minhoca, com Arroway e Coop sendo levados para locais extraterrenos de diferente procedência, onde eles vislumbram a força alienígena que os levaram às suas jornadas. Nesse momento, o relacionamento pai-filha retorna aos dois filmes. Arroway, após várias viagens interplanetárias, é levada por seres misteriosos à um local de memórias familiares e imaginação. Seu pai se junta a ela, e após a tão esperada reconciliação, a parte racional de Arroway entra em ação e ela compreende que esse não é seu pai, mas sim a sombra de uma memória; essa é a forma que esse alienígenas encontraram para se comunicar e diminuir o choque da interação interespécie.

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De forma contrastante, Coop se reconecta com sua filha após um grande período (do ponto de vista de sua filha) em um labirinto multidimensional de estantes saído de "A Biblioteca de Babel", do Borges. Coop e sua filha, agora adulta, chegam à mesma conclusão de que era ele, e não uma força alienígena, que estava o forçou a partir da Terra. Em Interestelar, ao contrário de Contato, essa interação se resume a um pai ausente se comunicando com sua filha genial através do espaço-tempo.

E é essa a grande diferença entre os dois filmes. Para resumir, não existem alienígenas em Interestelar. O que nos traz de volta a como, apesar desses filmes compartilharem temas (ciência versus fé; amor paternal), ferramentas narrativas (buracos de minhoca; relatividade; comunicação criptografada), e, obviamente, um ator (McConaughey), eles contêm cosmologias completamente distintas.

McConaughey em Contato. Imagem retirada do filme

Contato é um filme sobre nosso lugar em um universo no qual não somos os únicos habitantes. Interestelar sugere que os humanos devem definir seu próprio lugar no universo, visto que não há ninguém lá fora que possa nos explicar o contexto ou o significado de nossa existência. Nós procuramos planetas parecidos com o nosso — não em busca de seres inteligentes, mas sim para ter certeza de que nossa própria inteligência não "se esvai tão docilmente nessa linda noite" (um apelo proferido repetidas vezes pelo personagem professoral interpretado pelo Michael Caine).

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Será que a evolução dos personagens de McConaughey, de homem preso à Terra a explorador espacial, indica uma nova tendência cultural? Bem, espero que não. Espero, ao menos, que ainda existam alguns Palmer Josses que nos inspirem a analisar nossa existência aqui na Terra.

Afinal, qual é o significado da criação de um universo onde os humanos se tornaram os seres superiores que sempre procuraram? Elon Musk anunciou recentemente seu plano de mandar um milhão de pessoas para colonizar Marte. Há menos de 50 anos atrás, nós ainda não tínhamos certeza de que o Planeta Vermelho era inóspito; mesmo assim, chegar lá é considerado a única saída para a humanidade. Eu me pergunto se, sem a crença em seres extraterrestres, a noção do que é "nosso" irá se expandir desenfreadamente. Acreditar em extraterrestres requer, ironicamente, fé.

O impulso racional é colonizar outros planetas, nos transformar em nossos próprios alienígenas, e abandonar nosso planeta em decomposição. Mas será que a fé em alienígenas poderá controlar esse impulso racional e resultar em uma maior responsabilidade quanto, mesmo que não ao nosso planeta, a outros, talvez? Os relacionamentos paternais representados nos filmes são, no fundo, sobre a reconciliação da racionalidade e da fé. Qual equilíbrio devemos atingir se quisermos imaginar uma existência cósmica e responsável?

Lisa Messeri é professora assistente de Ciência, Tecnologia e Sociedade no Departamento de Engenharia e Sociedade da Universidade de Virgínia. Siga-a no Twitter.

Tradução: Ananda Pieratti