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Tecnologia

Os Manipuladores do Facebook

Se o Facebook é um enorme shopping center virtual, iluminado, incômodo e insosso, o que fazer para mudá-lo sem a chancela de Mark Zuckerberg?
Crédito: Larry D Moore, Wikimedia

O Facebook manipulou nossas emoções sem o nosso consentimento e isso é tão assustador quanto a quantidade onipresente de links do Upworthy em nossos feeds de notícias (que podem ter ido parar lá com um pouco de dinheiro e uma ajudinha do Facebook).

Os cientistas de dados do Zuck tornaram centenas de milhares de usuários mais tristinhos ao remover posts positivos de seus feeds. De acordo com o sistema de pontos decimais usado para quantificar os resultados da pesquisa, o impacto emocional dessa experiência é equivalente a sensação que a maior parte dos americanos sente quando seu time de futebol perde um jogo importante.

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Não tenho certeza se a resposta a esse estudo, que circulou em alguns fóruns e outros recantos inóspitos da internet por alguns dias (chegando até a ser discutido em programas de televisão) pode ser chamada de "reação de repúdio", já que o máximo da revolta se resumiu à algumas críticas postadas no Facebook.

Algumas dessas críticas foram muito compartilhadas – a matéria do AV Club, que foi o ganhador dessa loteria de opiniões cibernéticas, foi compartilhado milhares de vezes (é provável que os estagiários do Facebook tenham investido em umas curtidas extras só pra aumentar o alcance da notícia e manter a bola quicando). O que provavelmente deixou a galera do New Scientist, cujo artigo foi a principal fonte para o AV Club, mais chateados do que se o Facebook tivesse manipulado suas emoções. (Nós, do Motherboard, ficamos ainda mais tristes; nosso artigo foi escrito dez dias antes do artigo da New Scientist.)

A intenção não é afirmar que qualquer incômodo causado por esse estudo seja infundado. Essa é a oportunidade perfeita para lembramos que o Facebook está mergulhando em águas cada vez mais turvas; nós somos os seus habitantes distraídos e enlameados, brincando e gastando nosso tempo num espaço cheio de conteúdo efêmero, onde ignoramos todas as coisas estranhas que se escondem logo abaixo da superfície da água.

Talvez um parquinho do McDonald's seja uma analogia melhor: o Facebook é um local que existe apenas para nos seduzir e para nos incentivar a comprar mais coisas na próxima janelinha. É claro que os gerentes podem mudar a cor, a quantidade das bolinhas e as placas em volta da piscina para ver se conseguem fazer as crianças comprarem mais batatas fritas. Assim como não existe nenhuma seringa com AIDS no fundo dessas piscinas; isso é só uma lenda urbana para assustar trouxas. Sabe-se, no entanto, que lá podem existir bactérias invisíveis capazes de nos deixar bem doentes.

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O meu próprio feed do Facebook é uma fossa de material tóxico; cheio de propagandas mal-feitas, conteúdo promocional e alguém me sugerindo que eu compre um vale presente da Starbucks para uma antiga colega do ensino fundamental. No meio disso tudo encontro notícias que me interessam de fato, como fotos dos novos animais de estimação dos meus amigos. A coisa toda parece um boletim informativo misturado com os cadernos cheios de propaganda do jornal de domingo.

O Facebook tentando me vender paradas "tecnológicas".

Já que sou editor de um site que usa o Facebook para promover o seu conteúdo – sim, como várias outros sites, nós também já pagamos o Facebook para convencer você a ler nossas histórias, algumas das quais podem ter deixado você meio triste (foi mal) – eu passo um tempo considerável no site de relacionamento mais popular do mundo. O que quer dizer que conheço o site melhor do que a maioria; estou familiarizado tanto com o seu lado insidiosamente baixo quanto com as suas utilidades secretas.

O Facebook é, sem dúvida, uma entidade – até mesmo os seus defensores, que querem mantê-lo livre de qualquer regulamentação, concordam. É o meio pelo qual a maioria dos cidadãos da internet se comunica, organiza eventos, deseja um feliz aniversário e lê suas notícias. Nós continuamos a fazer tudo isso, apesar do site ser uma bosta. O Facebook se tornou o padrão, uma expecativa geral. O Facebook está, pouco a pouco, virando parte essencial da hierarquia de necessidades de Maslow versão 2.0.

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Mas esse espaço comum – onde uma grande parcela da população mundial se junta para executar importantes interações sociais diárias – não é uma pracinha, muito menos uma avenida cheia de vida. O Facebook é um shopping decadente, iluminado demais e com dezenas de câmeras, onde o que acontece por trás das vitrines é raramente visto. Seus usuários não costumam saber que disponibilizaram todas suas informações para empresas de propaganda; ou que campanhas políticas, marcas e publicações estão comprando lotes no seu feed de notícias; ou que a empresa divide todas suas informações com o NSA (a agência que forçou o Facebook a dividir os dados que ele nos forçou a disponibilizar); ou que os pesquisadores do Facebook podem manipular suas emoções com um estalar de dedos. Tudo isso mostra que o Facebook tem um poder de persuasão enorme, principalmente sobre adolescentes e consumidores desenfreados.

A analogia do shopping veio de um artigo de 2010 escrito pela socióloga Zeynep Tufekci, no qual ela descrevia a corporatização dos ambientes digitais. Após o estudo do Facebook começar a chamar atenção, ela reiterou alguns dos seus antigos argumentos em um novo texto que incentivava os leitores a não menosprezar toda essa polêmica. "As grandes empresas (assim como os governos e campanhas políticas) possuem novos métodos sorrateiros para manipular nossas personalidades, expor nossos pontos vulneráveis e identificar nossas redes de convívio; eles querem moldar e adaptar nossas ideias, desejos e sonhos", escreveu Tufekci. "É hora de agir!"

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Mas é difícil se revoltar contra um shopping. Eles são insossos e possuem algumas coisas que queremos. E além de tudo, eles têm um poder inexplicável de minar a sua capacidade de sentir qualquer coisa além de uma leve irritação.

De qualquer forma, o que devemos exigir caso nos levantemos de nossas cadeiras para (creio eu) tuitar ou reclamar no Facebook sobre sermos manipulados pelo próprio Facebook já é um pouco complicado. Tendo em mente que a rede social é uma organização, alguns dizem que ela deveria ser tratada como tal – com leis que garantam mais transparência e políticas de privacidade mais simples, assim como leis que impeçam que pesquisadores particulares utilizem informações privadas sem autorização prévia e que limitem algumas formas de propaganda direcionada, entre outras. É claro que o Vale do Silício não iria curtir uma perturbação tão importuna.

Talvez a solução fosse uma rede social que não visasse o lucro – apesar de sites como Wikipedia terem seus próprios problemas, como tretas corporativas nos bastidores. Concorrentes com boas intenções e boas políticas de privacidade têm aparecido por aí, mas logo definham sob o jugo do todo-poderoso Facebook. Grandes redes sociais já morreram, é claro, e alguns marqueteiros afirmam que o mesmo irá acontecer com o Facebook se ele se tornar exaustivo e cheio de propagandas.

Eu já não tenho tanta certeza. O Facebook é um depósito de dados vendidos às grandes marcas, mas nós nunca paramos de clicar. Ele é pior que os mega-monopólios digitais imaginados pelos autores cyberpunk – pelo menos o metauniverso não era entediante. Esses autores nunca imaginariam que a manipulação viria em uma embalagem tão insossa, direta e maçante.

Enquanto vagamos por esse espaço entulhado tentando ignorar as ofertas limitadas e chamadas polêmicas; temendo o momento em que a barra lateral cheia de propagandas se juntará com o conteúdo patrocinado despejado diretamente em nossos feeds – gerando um eclipse de propagandas- sejamos ao menos sinceros com nós mesmos. Estamos navegando pelo vasto domínio da manipulação pró-lucro- e esse ambiente é um lugar nojento demais para curtir com nossos amigos.

Tradução: Ananda Pieratti