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Tecnologia

Os Jogos que São Alternativos Demais para a Categoria Indie

Quando os jogos são alternas demais para serem considerados "indie" ou "AAA".
​Crédito: Ansh Patel

Podemos dividir os games em duas categorias — os jogos nível AAA como Bloodborne, Grand Theft Auto V e Destiny, e indie games como o Guacamelee, Kentucky Route Zero, e o This War of Mine. Mas se você segue certos críticos e desenvolvedores de jogos no Twitter, é comum ouvir rumores sobre jogos que estão além desses dois rótulos.

Muitos criadores marginalizados não se identificam com os rótulos "indie" ou "AAA". Suas obras são consideradas experimentais ou até bizarras — o que as torna menos comercializáveis do que os jogos mais populares. Seus processos de criação são também prejudicados pelo acesso limitado às ferramentas de código aberto e recursos mais sofisticados (embora isso possa mudar agora que softwares como o Unity e o Unreal 4 estão disponíveis gratuitamente).

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Por isso, esses rebeldes usam softwares mais acessíveis, como o Twine, o Ren'Py, o Game Maker, e o Construct 2, para criar novas histórias e mundos. E à medida que esse diverso grupo de desenvolvedores mergulha no oceano do código aberto e dos softwares gratuitos, suas próprias experiências inspiram seus produtos. O conteúdo de muitos desses jogos tende ao experimental, ao autobiográfico ou ao político.

Em 2014 eu criei uma conta no Twitter, a @SupportAltGames, que funcionaria como um espaço de curadoria para jogos e críticas que não se encaixam em nenhuma categoria. A ideia era que o perfil retuitasse qualquer tuíte com a hashtag #altgames, estabelecendo um coletivo onde diversos criadores pudessem mostrar suas obras. Além disso, eu estava tentando criar um espaço para outros tipos de críticas, já que hashtags populares como #indiedev e #gamedev serviam (e servem) apenas para divulgar informações sobre o desenvolvimento, a programação e a arte dos novos games do mercado.

Na IndieCade de 2015, o desenvolvedor de games TJ Thomas falou sobre a demanda do mercado por espaços alternativos, e se apresentou como uma importante influência por trás da criação do @SupportAltGames. Mais recentemente, em resposta ao perfil, a crítica de Montreal Lana Polansky e o desenvolvedor Robert Yang expuseram suas opiniões sobre os jogos que não são nem "AAA" nem "indies".

Embora o objetivo inicial do #altgames não fosse a criação de um movimento ou a construção de um manifesto, o propósito da hashtag passou a incluir a celebração de temas e designs não encontrados no lado mainstream da indústria de videogames. Ao invés de escrever um guia ou uma lista de recomendações, a melhor forma de articular a lógica interna dos jogos e da crítica "alternativa" é por meio de exemplos.

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Em She Who Fights Monsters (Aquela Que Enfrenta Monstros, em tradução livre), o jogador tem que ajudar Jennifer a viver com seu pai alcóolatra. Crédito: Gaming Pixie

Os jogos da desenvolvedora Gaming Pixie, por exemplo, unem elementos "clássicos" e fantasia. Em seu jogo de aventura Eden, mapas e achievements coexistem com uma narrativa surrealista que explora as complexidades do gênero e da sexualidade. Em She Who Fights Monsters, Gaming Pixie utiliza um design 2D nostálgico e um sistema de batalhas JRPG, elementos clássicos do universo dos games, para contar a história de uma menina de oito anos que precisa conviver com um pai alcoólatra.

Seu trabalho representa uma das várias características dos jogos "alternativos": a utilização de elementos tradicionais de jogos, como mapas, achievements e sistemas de batalha, em narrativas diferentes — histórias que muitas vezes transgridem o status quo. Poder viver uma história do ponto de vista de uma garotinha, ou ver um personagem lidando com um trauma emocional, são experiências raramente representadas de forma tão complexa nos jogos mainstream.

Em outros casos, os #altgames desafiam as estruturas e o design dos jogos convencionais. Ansh Patel está desenvolvendo seis jogos curtos e experimentais, partes de uma série chamada Agency?, que problematiza o conceito de autonomia do jogador e critica seus usos e existência. Seus projetos destacam a importância das escolhas dentro do jogo; para tanto, os jogadores são inseridos em situações onde não existem muitas escolhas a serem feitas. O primeiro jogo da série, o Security Guard Simulator (Simulador de Segurança), dá poucas opções ao jogador: atender o telephone e ler mensagens no seu celular e computador são algumas delas. Completar essas tarefas não traz nenhuma satisfação, nem motiva os jogadores.

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Em Encore, a sua função é aplaudir, esperando pelo momento em qua algo acontecerá— ou não. Crédito: Ansh Patel

Os outros jogos criados por Patel são existencialistas, surrealistas e envoltos em questões filosóficas. Não há nada de reconfortante ou nostálgico neles, e seus jogos muitas vezes inspiram uma certa ansiedade. Apesar da distância entre esses jogos e o portfólio de Gaming Pixie, ambos artistas usam jogos para provocar respostas diferentes em seus jogadores; não há nenhuma pretensão de entreter ou de realizar alguma fantasia de poder.

Outra iniciativa notável é a Arcade Review, uma revista digital que publica críticas de jogos experimentais, com um foco especial em títulos gratuitos, obscuros e de produção independente. Ela foi fundada por Zolani Stewart um crítico de Montreal, e seu objetivo é analisar jogos e produções artísticas não agraciadas pela grande mídia —com um foco especial em perspectivas feministas, marxistas e não-brancas. As críticas vêm em diversos formatos: ensaios, editoriais, resenhas e entrevistas com criadores de jogos como Amy Dentata e Titouan Millet.

Os textos são muitas vezes precedidos por fotos ou pinturas relacionas aos temas discutidos, que vão do empoderamento da comunidade, sexualidade, história da arte até jogos de videogame esquecidos. Alguns desses artigos estão disponíveis gratuitamente no blog da Arcade Review, e são um exemplo perfeito do que eu queria fazer quando criei o @SupportAltGames.

Outro importante veículo de crítica alternativa é o novo Offworld, reformulado por Leigh Alexande e Laura Hudson em colaboração com a BoingBoing. O Offworld é um site de videogames que dá espaço para criadores marginalizados divulgarem seus trabalhos, e publica análises e críticas de jogos e da cultura gamer em geral.

A volta do Offworld é como uma lufada de ar fresco — um site no qual artigos abraçam o ponto de vista feminino, a cultura queer, e as experiências culturais como elementos de uma vertente crítica válida, ao contrário dos costumeiros artigos pontuais sobre as novidades na indústria tecnológica seguidos de resenhas de jogos. São veículos como esse que me dão esperança para o futuro de bots como o @SupportAltGames, que reúnem manifestações pessoais e experiências diversas para criar uma mídia na qual jogadores que não são o público-alvo da indústria de videogames se sintam confortáveis.

De modo geral, eu sou otimista quanto ao futuro dos #altgames. Manter a flexibilidade estrutural e recusar qualquer tipo de norma de conduta é essencial; isso encoraja a diversidade e atrai novos pontos-de-vista para essa nova mídia. Muitos desenvolvedores usam o perfil que criei para perguntar se eles são "alternativos" o suficiente para contribuir, e isso é uma pergunta difícil de responder sem gerar expectativas, ou criar uma estética a ser seguida.

Ao invés disso, eu os aconselho a pensar sobre a mecânica do jogo — as coisas com as quais os jogadores comuns estão acostumados, como o conforto de um tutorial, ou o poder de brandir uma série de armas que podem sempre ser melhores, ou uma narrativa que se subjuga ao status quo. Depois, eu recomendo que eles as destruam; que eles rescrevam; que eles façam aquilo machucar o jogador, ou que eles apaguem aquilo de suas narrativas e criem algo mais poderoso do que os limites e as amarras do mainstream.

Tradução: Ananda Pieratti