Os Falsários
​Crédito: Kristaps Bergfelds/Flickr

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Os Falsários

Currículos exagerados, empresas que não existem, e o crescente mercado da mentira.

​A julgar pelo seu site, a Altman Research não seria uma empresa ruim de se ter no currículo.

Com escritórios num belo arranha-céu com vista para o Millennium Park em Chicago, a empresa de pesquisa financeira diz que seus executivos possuem diplomas de um leque impressionante de universidades da Ivy League.

"Nosso experiente conjunto de analistas financeiros conta com ampla experiência em pesquisa de mercado e são altamente qualificados e certificados.", diz a companhia.

Publicidade

Entretanto, a Altman Research não é um bom lugar para se procurar um emprego ou mesmo pedir uma dica financeira. O motivo é simples: a empresa não existe.

Seu site foi criado pela Career Excuse, um serviço que, por uma taxa, fornece a clientes em busca de emprego referências de empresas inexistentes. Embora as empresas tenham número de telefone, sites e caixa postal providos pela Career Excuse, elas não operam nenhum negócio de fato, a não ser o de verificar o excelente serviço prestado por funcionários que nunca tiveram.

"Acredito que nossos serviços podem empregar pessoas, inclusive aquelas que são realmente prejudicadas pelo sistema", disse a mim William Schmidt, fundador da Career Excuse. "O mercado de trabalho não é o mesmo que era há dez anos, ou até mesmo 30 anos atrás."

Schmidt, que alega manter um emprego mais tradicional em uma fornecedora de autopeças em Columbus, Ohio, não tem ressalvas quanto a seu negócio. Segundo ele, a maior parte dos seus clientes concorre a vagas as quais estão plenamente qualificados - eles simplesmente não conseguem ser contratados no mercado estrito dos dias atuais.

"Eu adoraria ter gravado algumas das conversas que tive com alguns clientes", diz ele. "Às vezes eles me fazem chorar. Às vezes fico horrorizado."

Não é uma empresa de verdade.

Sua empresa anuncia pacotes básicos – destinados a clientes que desejam informar a seus empregadores que possuem salário anual igual ou inferior a 35 mil dólares em seus empregos falsos – que oferecem um site de cinco páginas e um falso chefe disposto a fornecer um telefone de referência. O pacote seguinte oferece até três colegas inexistentes e um site mais elaborado, e clientes podem pagar por serviços extra como cartas de recomendação feitas por seus supervisores inventados.

Publicidade

Pelo preço certo, a Career Excuse pode basicamente transformar o processo seletivo em um jogo de realidade alternativa, e possíveis empregadores em jogadores casuais.

"Só depende do quanto os clientes estão dispostos a investir para que essa empresa pareça real", disse Schmidt. Schmidt e seu pequeno time verificam históricos forjados e descrevem o forte de seus clientes no trabalho, desviando ligações através de ramais hospedados em nuvens telefônicas que permitem aos clientes da Career Excuse até mesmo ouvirem os recados de seus possíveis empregadores.

Uma vez que os provedores de telefones virtuais são os mesmos utilizados por empresas genuínas, estes soam reais o suficiente para não causarem desconfiança, disse ele.

"Muitas empresas terceirizam departamentos de RH", disse Schmidt, que descreve a si mesmo como, efetivamente, o gerente de RH de cerca de 200 empresas inexistentes. "Eles usam o número de trabalho como fonte de referência. Eu basicamente crio um desses."

E para clientes dispostos a pagar o preço, Schmidt oferece um serviço premium chamado Career Excuse Pro, que oferece referências de corporações inativas que ele fundou legalmente para estreitar ainda mais a linha entre o falso e o real.

"A tecnologia mais avançada que usamos é o telefone"

Schmidt diz ter aprendido algumas técnicas avançadas ao trabalhar com um cliente bem-sucedido que vendeu uma startup nos anos 2000 e então tirou um período sabático que gostaria de apagar do seu currículo. O cliente estava disposto a contratar firmas investigativas para verificar suas referências, e então trabalhar com a Career Excuse para preencher as lacunas, disse Schmidt.

Publicidade

"Ao longo da concepção dessa empresa infalível, aprendi muito", diz ele.

Agora ele oferece a clientes que procuram empregos de alto escalão referências com nomes de companhias verificáveis e até mesmo listagem nas Páginas Amarelas e endereço de correspondência, geralmente registrados em provedores de escritórios virtuais que aparecem em ferramentas de busca.

"Se você procurar por qualquer companhia no Google, vai aparecer um grande banner no lado direito", diz ele. "Vai aparecer uma imagem da companhia e uma caixa grande. Isso ajuda muito."

Ele se certifica que a companhia e os executivos fictícios estão listados no LinkedIn e outros sites de mídia social, e pode até oferecer domínios da internet registrados no passado, já que empresas de verificação às vezes marcam novos endereços como suspeitos.

"Felizmente, graças a minha longa estadia no negócio, eu literalmente tenho centenas de domínios com mais de três anos. Tenho pelo menos 20 ou 30 que tem mais de cinco anos."

E uma vez que esses sites mais elaborados são feitos para clientes importantes, eles costumam ser reutilizados para clientes que se candidatam a empregos onde não é preciso ser tão meticuloso, diz Schmidt.

"Nós os guardamos, e podemos atribui-los a outros membros. Uma vez que nossos serviços não são mais necessários e eles conseguem um emprego, temos então um site excelente que podemos usar, e assim todos saem ganhando˜.

Publicidade

Obviamente, Schmidt diz que há limites para o tipo de referências que está disposto a dar, não importando o preço. Sua empresa não se passa por nenhum órgão do governo, médico ou advogado. A Career Excuse não se passa por nenhuma pessoa ou empresa real e, por razões de segurança, não fornece referências a alguém tentando conseguir um emprego em aeroporto.

A empresa de Schmidt é um dos diversos fornecedores ofertando serviços de referências falsas, variando desde operações pequenas em anúncios no Craigslist a outras companhias de porte nacional como Fake Your Job e a Paladin Deception Services, situada em Minnesota.

A Paladin se vende como "o nome confiável em desinformação" e, além de referências falsas a empregadores e locadores, oferece "mentiras inofensivas" e "álibis" a seus clientes para uma variedade de propósitos.

"Todos nós já precisamos de um álibi confiável, de encontrar alguém que nos ajudasse com uma mentirinha inofensiva por motivos pessoais", diz o site da companhia. "Um estranho qualquer não vai poder te ajudar, e geralmente é muito constrangedor e humilhante pedir a um amigo ou parente que testemunhe por você."

Em um vídeo produzido pelo Pioneer Press de St. Paul para acompanhar um perfil do serviço, o fundador Tim Green demonstra sua arte, contando a um jornalista do Pioneer Press sobre um veículo inventado que "parece um Prius" e funciona a base de fezes humanas. Ele pede ao jornalista cético por uma entrevista e uma doação de cocô para manter o motor funcionando.

Publicidade

A Paladin, diferentemente da Career Excuse, emprega uma abordagem puramente verbal à enganação: não constrói sites, envia emails ou produz qualquer tipo de documentação escrita.

"A tecnologia mais avançada que utilizamos é o telefone", Green disse a mim.

Seus funcionários se passam por fornecedores fictícios de referências ao telefone ou, se necessário, pessoalmente, para dar crédito a entradas falsas em currículos ou sites de empregadores.

"Muitas vezes uma mentira precisa ser respaldada com alguma forma de verificação", diz ele. "Nós não oferecemos nenhuma forma de verificação por escrito, mas fornecemos uma pessoa fictícia."

Ele assumiu uma variedade de papeis – "fingir ser um pai afastado, avô, fingir ser o presidente de uma companhia" – para ajudar clientes a obter empregos e validar desculpas. Como Schmidt, Green tem seus limites: ele não se passa por certas pessoas como médicos, advogados e oficiais do governo, apesar de dizer que se passa por padre de tempos em tempos.

"Meu comportamento é dócil, então acredito me encaixar no personagem quando preciso", disse.

E como Schmidt, Green parece sentir orgulho em ajudar seus clientes a serem contratados, apesar da ambiguidade envolvida. "Os mais satisfatórios são aqueles em que ouvimos os clientes dizerem, 'Uau, consegui um emprego, obrigado pelas excelentes referências que vocês forneceram', que eles basicamente reuniram, como verificamos", disse. "Temos histórias como essas – elas são ótimas. Aquelas que você não lembra com tanto carinho são aquelas quando, por exemplo, um dos agentes ligou dizendo por que um cliente não estará presente na ceia de Natal porque foi chamado para trabalhar naquela noite, coisas desse tipo."

Publicidade

Green me contou que anteriormente trabalhou como detetive particular, alegando até ter feito trabalho clandestino para o governo chinês, vigiando expatriados – uma posição que ele prazerosamente admite não ter como comprovar, embora tenha me enviado cópias de vistos de trabalho chinês para seu disfarces de trabalho.

"Não é como se eu fosse espião ou algo do tipo", ele disse. "Eu basicamente tinha uma posição legitima por lá. Eu era os olhos e ouvidos das comunidades de expatriados, certificando-me de que não havia tráfico de drogas rolando ou outras atividades ilegais."

Quando retornou aos Estados Unidos em 2009, ele primeiramente procurou por trabalho investigativo mas logo percebeu que não possuía o licenciamento necessário.

"O que descobri eventualmente foi que não era licenciado no estado de Minnesota, e isso meio que impediu que eu pudesse fazer o que faço."

Após receber pedidos de referências para amigos e antigos colegas de trabalho, ele mudou o foco e voltou sua atenção para o que descreve como trabalho de contra-vigilância.

"Trabalhei tantos anos tentando denunciar", diz. "Por que não fornecer o jogo de espelhos para os clientes?"

"É por isso que aconselhamos pessoas do RH que não façam verificações sozinhas"

Fornecer referências falsas de emprego tornou-se um jogo de gato e rato, mais ou menos, com cada vez mais empregadores tomando conhecimento da prática. Mais e mais empregadores estão terceirizando a verificação de referências para empresas especializadas em distinguir referências dúbias.

Publicidade

"É por isso que aconselhamos pessoas do RH que não façam verificações sozinhas", diz Christine Cunneen, que é CEO da firma de levantamento de antecedentes Hire Image e conselheira da Associação Nacional de Profissionais de Levantamento de Antecedentes (National Association of Professional Background Screeners).

Sua companhia verifica históricos profissionais e outras credenciais e as comunica aos empregadores, auxiliando companhias a diminuir candidatos com referências ambíguas ou seu equivalente acadêmico: diplomas inventados conseguidos online.

Isso quer dizer tomar ações que vão além de simplesmente ligar para referências listadas, buscar companhias no Google e ligar diretamente para os departamentos de RH listados em seu site, e verificar que as companhias são reais e registradas nos órgãos estaduais, diz Cunneen.

"Estamos geralmente verificando no site da Secretaria do Estado se não é um empregador comum para certificar-nos que estão registrados a fazer negócio, que não se trata de uma empresa inventada", diz Cunneen.

Career Excuse e Paladin Deception dizem que estar somente inventando empresas falsas e nunca se passar por antigos empregadores ajuda a manter seus negócios legítimos. Green diz que apesar de todo tipo de referência e álibi que forneceu, seu serviço nunca esbarrou em nenhum entrave legal.

"Parte pode ser sorte, mas acredito que boa parte é porque não fazemos nada ilegal."

Determinar exatamente quando isso é verdade para serviços de referências falsas e seus clientes provavelmente depende dos detalhes exatos dos serviços que eles oferecem, e das particularidades das leis de fraude de cada estado, diz John Winn, professor de direito trabalhista na Harry F. Byrd, Jr. School of Business na Shenandoah University.

"Pode ser que seja em alguns estados, em alguns outros pode não ser", diz Winn, que mencionou os serviços de falsas referências em um artigo sobre antecedentes profissionais na The Homeland Security Review. "Certamente seria motivo para não lhe conceder uma licença profissional, ou expulsá-lo e revogar sua licença de enfermagem ou coisa parecida."

E se alguém com um currículo forjado provar incompetência ou má conduta, isto pode acarretar em uma ação civil contra seu empregador, argumentando negligência em reconhecer o engano.

Afinal, com escrutínio suficiente, até a mais bem elaborada empresa falsa pode ser identificada, como Schmidt da Career Excuse admite.

"Para descobrir a mentira, bastaria que alguém se dirigisse até aquele endereço e visitasse aquele escritório", diz ele. "Mas todos sabemos que nem todos que fazem uma entrevista farão isso. Nem todo detetive particular fará isso."

Tradução: Stefania Cannone