​Os Discípulos do Padre Quevedo Abriram um Museu de Parapsicologia
Algumas dos objetos de despacho expostos no museu. Crédito: Guilherme Santana/ VICE

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​Os Discípulos do Padre Quevedo Abriram um Museu de Parapsicologia

O IPQ se especializou no atendimento de pessoas que se dizem dominadas por forças do mal. Agora o lugar ganhou uma exposição com objetos de feitiço para mostrar que, bem, isso non ecziste.

O auge da TV aberta brasileira, lá pelos anos 90, nos proporcionou muitas alegrias. Uma delas foi a presença de um sacerdote jesuíta que desmascarava golpistas que diziam fazer coisas sobrenaturais em programas de auditório. O Padre Quevedo, autor de 17 obras sobre a parapsicologia, conseguiu enfiar o ceticismo na cabeça de muitos espectadores nacionais ao repetir, com voz imponente e dedo estirado, o bordão "isso non ecziste", hoje imortalizado nos anais televisivos.

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Nascido em Madrid, Óscar González-Quevedo nutria desde jovem grande paixão pelos estudos dos paranormais e seus fenômenos. Esse interesse foi o que contribui para a ordem dos jesuítas enviá-lo ao Brasil, um país conhecido pelas raízes místicas e supersticiosas em sua cultura (ainda temos horóscopo no metrô e ateu que acredita em espírito, afinal). Instalado aqui, Quevedo fundou, nos anos 70, o Centro Latino Americano de Parapsicologia (CLAP), onde ele e mais uma equipe de profissionais especializados em parapsicologia ministravam cursos e palestras sobre o tema.

As atividades do CLAP foram encerradas com a aposentadoria do padre em 2012. Sua equipe decidiu prosseguir com os trabalhos e fundou o Instituto Padre Quevedo de Parapsicologia (IPQ), situado no Jardim Bonfiglioli na capital paulistana. O Instituto é capitaneado pela professora universitária e parapsicóloga Márcia Regina Corbêro, e apoiada por um grupo de padres católicos, médicos, psicólogos e teólogos.

Veja a galeria completa: Fotos do Recém-Inaugurado Museu de Parapsicologia do Padre Quevedo

Márcia conheceu Quevedo em um curso ministrado pelo padre em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Na época ela era devota de Santa Rita de Cássia e fez uma pergunta sobre a santa. Em resposta, ouviu do padre "que tinha que estudar mais". Marcia ficou indignada. "Ele falou que Santa Rita de Cássia era uma histérica varrida e que milagres não são uma bobagem qualquer", ela lembra. "Depois disse que os estigmas não eram nada mais do que poder do psiquismo sobre o organismo."

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Mas Márcia foi mesmo estudar. Ela trabalhou no CLAP em 1980 como pesquisadora e secretária. Permaneceu no Centro até o afastamento de Quevedo e, pouco depois, fundou o Instituto.

Embora tenha sido criado para pesquisar a parapsicologia, o IPQ se especializou, de um tempinho para cá, na prestação de um serviço bastante peculiar: o atendimento de pessoas que se dizem dominadas por forças do mal.

"O que fazemos aqui é o ensino da parapsicologia. Só que, quando damos um curso, muitas pessoas nos procuram dizendo que são vítimas de feitiço, de mau olhado e que à distância que tem pessoas que dominam a mente e obrigam elas fazerem coisas que elas não querem. Vimos a necessidade de montar uma clínica ambulatorial", explica Marcia.

Sobrenatural, por definição, é um evento que foge das normas naturais, da força humana e quebra as regras da ciência. São milagres, assombrações, objetos que se movem sem intervenção humana. Já o campo de estudo do IPQ é a parapsicologia, que visa estudar esses fenômenos que, ainda que inexplicáveis, são muitas vezes atribuídos à causa humana.

Um dos autodiagnósticos mais recorrentes entre os que buscam ajuda dos profissionais no centro são os exorcismos. "Se a gente fosse comparar com o câncer, a gente diria que só aparecem aqui os casos terminais. Se as pessoas vieram para cá é porque já passaram em todos os lugares antes. Seitas, rituais, tudo."

A origem do exorcismo, segundo Marcia, varia muito de acordo com a crença da pessoa em questão. "Se ela é mais da crença espírita, irá atribuir aos espíritos obsessores que prejudicam a saúde, a vida e etc. Agora, se é mais do ambiente católico, são os demônios", diz. Os sintomas mencionados pela parapsicóloga são os mesmos que vemos em filmes hollywoodianos: corpos contorcidos, vozes estranhas e línguas incompreensíveis com as quais a pessoa supostamente nunca teve contato.

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Nada disso impressiona a equipe do IPQ. "Quando a pessoa está doente, ela tem dentro da cabeça algo que foi ensinado à ela, de como seria um demônio e de como ele se comportaria, e daí ela representa numa transe, um estado alterado de consciência", diz Marcia. "Quando um profissional conhece bem a parapsicologia não se impressiona com o que ele vê."

A prática de exorcizar maus espíritos do corpo de alguém é, além de controverso, muito popular. Basta ligar a televisão de madrugada e ver pastores se desdobrando para salvar mais uma alma fiel numa Sessão de Descarrego. O exorcismo, porém, é extremamente controlado pela Igreja Católica.

A norma oficial da Igreja é que leigos não podem praticá-lo em grupos de oração e muito menos sem a autorização expressa do bispo local, que nomeia um padre especialista para cuidar do caso. "Antes de ministrar o ritual, ele terá que consultar um médico para esgotar todas as possibilidades", diz Marcia. "A sessão de exorcismo não é no grito, no berro e no tapa e ganha quem grita mais. É um ritual de oração como tem um ritual de casamento, é uma coisa bem calma, ao contrário do que gente vê por aí na cultura popular."

Além do exorcismo, a equipe recebe também pessoas que se dizem dotadas de dons sobrenaturais como a adivinhação, telecinese, curandeirismo ou dizem fazer algum tipo de milagre. "Todo milagre só é feito com hora marcada", afirma Marcia, com bom humor. "Você nunca vai ver em nenhuma religião um pastor, padre ou pai de santo curar um abcesso dentário. Porque aí não tem sugestão que cure a dor de dente. As causas costumam ser mais emocionais e que não são visíveis."

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Os tratamentos variam de acordo com a gravidade do caso. O instituto trabalha com quatro frentes: psicologia, psiquiatria, parapsicologia e religião. Nelas, a causa é estudada para descobrir se não é fonte de algum distúrbio psicológico ou alguma frustração de fator social ou econômico que faz a pessoa acreditar que está sendo acometida por uma criatura do além.

"Muitas pessoas não conseguem reconhecer que a frustração, a depressão e mais diversos problemas da vida advém delas mesmas, por isso que elas atribuem esses eventos ao desconhecido", explica Marcia. "Às vezes são distúrbios em que a pessoa acaba realmente escutando vozes, casos de quadros psicóticos que a família não trata, porque ficam considerando que se tratam de um fenômeno sobrenaturais. "

Fora do atendimento clínico, os profissionais são convidados para programas de televisão para desmascarar falsos milagreiros, curandeiros e estelionatários que usam da ignorância para faturar. Os próprios profissionais reconhecem que seu trabalho não é muito querido por várias pessoas e que o próprio padre Quevedo não era uma figura que despertava a simpatia popular.

"Acaba que somos sempre aquela voz discordante. Porém, só de ter um parapsicólogo na televisão explicando que um adivinho não é real, pois tudo que ele faz não ultrapassa as forças humanas, já é o suficiente para brotar uma dúvida, um ceticismo no coração de quem está vendo o programa em casa", conta.

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Durante as pesquisas de campo e o atendimento prestado pelos profissionais, diversos objetos foram coletados. Depois de 15 anos catalogando tudo que é tipo de despacho, oferenda, feitiço e objetos que aparentemente pegaram fogo ou se moveram sozinhos, o Museu de Culto Afro-brasileiro, Religiosidade Popular, Adivinhação e Fenômenos Parapsicológicos foi montado para receber o público.

Marcia conta que vários objetos foram coletados pelos próprios profissionais nas ruas das cidades onde ocorrem os cursos e palestrar. "Os professores viajam muito dando cursos e na palestra sempre falam sobre tal feitiço não pega. Acaba que uma pessoa sempre vem falar que lá na esquina tem um despacho e o profissional vai lá e pega mesmo. "

A existência do museu, diz a parapsicóloga, demonstra que a crença de temer objetos ou oferendas cai por terra. "Vocês estão aqui, comigo, em um lugar cheio de objetos de feitiço, despachos e estátuas e nada está acontecendo. Isso mostra que não devemos nos ater à fé ao materialismo".

Os profissionais do IPQ não consideram o sincretismo religião, e sim superstição. "A verdadeira religião é aquela que é confirmada por milagres, fatos que acontecem nesse mundo. A religião é aquela que você serve a Deus e não o contrário. Não existe isso de você fazer uma promessa, uma oferenda e esperar que uma santidade irá te servir."

Quem organizou o museu e catalogou todas as peças foi Tamara Bueno, uma jovem de 25 anos que se dedica também à catalogação da biblioteca do instituto, comprada do patrimônio dos jesuítas.

Enquanto o fotógrafo tirava as fotos do museu pronto, Tamara mostrou os talheres entortados "pelo poder da mente". Segundo ela, padre Quevedo fazia esses truques muito facilmente, enquanto conversava com você sobre qualquer coisa. "Ele é um mágico e ilusionista, adora essas coisas", conta.

Padre Quevedo encerrou suas atividades e se aposentou de vez a pedido dos jesuítas em 2012. Hoje, com 84 anos de idade, está recluso em um retiro de padres em Belo Horizonte e não dá entrevistas. Quem mantém contato com ele são os funcionários do IPQ, que já avisaram que o museu (um xodó de Quevedo) estava pronto.

Tamara conta que a equipe está tentando trazer o padre para visitar o museu pronto. "Ele vai ficar muito feliz quando ver isso, ele ama esse museu", conta ela, olhando orgulhosa para as estantes lotadas de bonecas de vudu, feitiços de morte e estátuas de orixás.

>>Confira na VICE todas as Fotos do Museu de Parapsicologia do Instituto Padre Quevedo