FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

O Segredinho de Gravação para Vocais Impecáveis na Música Pop

Todos usam – até os mais fodões, acredite. (E não, não é o autotune.)

Vamos fazer um trato: enquanto você lê este artigo, bote pra rolar um som da Taylor Swift, da Mariah Carey ou do Michael Jackson. Foi? Agora preste atenção nos vocais. Imagine como rolou a gravação de voz no estúdio.

Se você for como a maioria de nós, meros ouvintes, pensará que a faixa foi cantada pelo artista várias vezes e, no fim, o produtor escolheu o melhor take para o disco. Foi assim que os filmes nos educaram, né?

Publicidade

A realidade é bem menos romântica, porém. A grande maioria dos discos de pop ou rock contemporâneo faz com que os vocais passem pelo "comping": o processo em que o produtor ou engenheiro de som percorre diversos takes da trilha de voz e escolhe os melhores trechos, palavras ou sílabas de cada gravação e, depois, como um tecelão do som, junta tudo numa master só.

Por mais que seja desconhecida da grande maioria dos ouvintes, a prática é lugar-comum na indústria há décadas. Todo mundo faz – "mesmo os melhores vocalistas", afirma o produtor e engenheiro de mixagem Ken Lewis, que já passou o pente fino nas vozes de Mary J Blige, Usher, David Byrne, Lenny Kravitz, Ludacris, Soul Asylum, Diana Ross e Queen Latifah.

"O comping não é o que faz a música soar robótico. Eu diria que o contrário faz isso"

"Comping não tem a ver com a qualidade do vocalista", afirma Lewis. "Na época do Michael Jackson – e Michael Jackson era um vocalista incrível – costumavam juntar 48 faixas, pelo que li e ouvi."

Criar uma música assim deve fazê-la soar desconjuntada, robótica, sem qualquer personalidade, certo? Foi o que pensei, mas os entendidos dizem que não. Por mais que seja verdade que a técnica é empregada na música pop para tudo soar mais bem feitinho do que sincero, a maioria dos produtores dirá que a abordagem é a melhor para conseguir uma bela gravação de qualquer vocalista.

"Esse é o epíteto de tudo que não é glamuroso na música, mas é extremamente necessário para a melhor apresentação possível do elemento mais importante", escreveu o produtor musical Frank Gryner na Recording Magazine. Ele trabalhou com nomes como Rob Zombie e Tommy Lee. "Ainda não trabalhei em uma gravadora grande que não se valesse do comping de vocais para chegar ao produto final."

Publicidade

Funciona assim: o vocalista grava a música um punhado de vezes no estúdio, do começo ao fim ou isolando trechos mais complicados. Começar com algo entre 4 e 10 takes é normal – muitas passadas podem deixar o artista cansado e pouco confiante, além de atrapalhar a edição posterior. (Dependendo da situação, são precisos muito mais takes. "Here to Stay" de Christina Aguilera foi compilada a partir de 100 takes diferentes. "Ela sentou no banquinho e cantou a música durante seis horas até ficar pronta – não saiu da cabine e nem usou o telefone nenhuma vez", disse o engenheiro de som Ben Allen em entrevista à revista Tape Op.)

O engenheiro muitas vezes acompanha a gravação com as letras em mãos e faz anotações para usar como guia posteriormente. Ele marca se determinado trecho foi muito bom, bom, ruim, agudo ou grave, e por aí vai.

↑ = agudo ↓ = grave G = bom VG = muito bom X = ruim ? = "Não sei" Crédito: The Music Producer's Handbook de Bobby Owsinski

Anotações de comping para vocais. As colunas da direita indicam trechos promissores das oito tomadas e decisões finais são anotadas em cima das letras. Crédito: Mixing Secrets for the Small Studio de Mike Senior.

Quando acaba a sessão, ouve-se cada parte de cada take com atenção, com a trilha de fundo em looping com volume dobrado em relação ao da versão final. Serve para saber se o vocalista está afinado, claro, mas esse critério não é o mais importante para entrar no corte derradeiro.

Timing, timbre, atitude, emoção, personalidade e como cada frase ou palavra se encaixa no contexto com os outros instrumentos e o restante da trilha de vocais pode atrapalhar a perfeição no tom. Essas pequenas joias raras adicionam personalidade e emoção à faixa – é aquilo que o ouvinte lembra.

Publicidade

O engenheiro de som escolhe o melhor take de cada parte da música e junta tudo em uma estação de trabalho digital de áudio como o Pro Tools.

"Muitas vezes tenho uma palavra de três sílabas no meio de um verso e uso a primeira sílaba do take 3, a segunda do take 7 e a terceira do take 10", escreveu Lewis em um post. "Sem brincadeira."

"Here to Stay" de Christina Aguilera foi compilada a partir de 100 takes diferentes.

Os softwares tornaram tudo estupidamente simples, ainda mais se comparado com o corte de fitas nos tempos de gravação analógica, quando os editores marcavam o local a ser cortado na fita com um lápis e passavam uma lâmina ali, colando as duas pontas com fita adesiva. A maioria dos programas hoje permite incluir diversos arquivos em uma faixa para que você possa arrastar a parte selecionada na master.

O editor se certifica de que as transições e a fluição sejam perfeitas. Nenhuma falha ou erro de edição deve chegar à versão final. E o mais importante:nada de emoção ou da personalidade pode se perder no processo. Um sinal de sucesso é que o ouvinte não faz ideia de que os vocais de uma música foram compilados de diversos takes. O trabalho deve ser invisível.

"É raro ouvir um comp ruim", diz o engenheiro de áudio Mike Senior, colunista do Sound on Sound e autor de Mixing Secrets for the Small Studio. Mas isso acontece muitas vezes porque os cortes são mascarados por instrumentos na faixa.

Publicidade

Por volta dos 20 segundos de "Genie in the Bottle" de Christina Aguilera há um corte bem desajeitado, mas não dá pra ouvir porque ele está escondido atrás de uma batida pesada, afirma Senior. "Se você pensar na quantidade de batidas presentes em uma música mainstream, são esses lugares que você pode editar sem ser percebido."

Escute com atenção o hit "Someone Like You" de Adele e dá pra perceber nos primeiros versos que a respiração de abertura não existe – não há respiração naquele trecho, aponta. Dá pra ouvir também um pouco de ruído no microfone ao longo da música, mas em algumas porções ele some – sinal de corte.

Como você pode imaginar, o processo todo é tedioso e demorado; pode levar horas, até mesmo dias. "Por isso esses discos são caros", disse o engenheiro Mark Bright em entrevista com Bobby Owsinki, autor de The Music Producer's Handbook. Blight produziu Carrie Underwood, Reba McEntyre e Rascal Flatts e geralmente passa de 8 a 12 horas compando faixas com mais de 20 takes.

Max Martin e "Dr. Luke" Gottwald, os criadores de hits de estrelas pop como Miley Cyrus, Katy Perry e Britney Spears, são conhecidos por usarem bastante comping. John Seabrook, autor de The Song Machine: Inside the Hit Factory, escreveu na New Yorker: "Comping é tão tedioso que mesmo Gottwald, com seus poderes de concentração, não aguenta". Max, por sua vez, "adora comping", segundo uma declaração da compositora Bonnie McKee a Seabrook. "Ele faria isso por horas."

Publicidade

Ainda que canções pop muitas vezes são acusadas de estéreis, artificiais ou superproduzidas, os produtores com quem falei disseram que isso não se deve ao comping. "O comping não é o que faz algo soar robótico. Eu diria que faz o contrário disso", afirma Senior.

O comping tem uma reputação ruim por ser associado a ferramentas de correção de tom e auto-tune. O processo permite aos vocalistas terem uma liberdade de ir além e desempenhar o ápice de suas capacidades com a segurança de que podem errar. E se há uma nota errada perdida em meio a uma excelente gravação, ela pode ser trocada pela correta de outro take em vez de se de alguma correção que altera a qualidade sônica no geral.

Ir além e arriscar é o que cria esses momentos que podem fazer uma faixa inteira excelente, afirma Lewis. "Eis uma das belezas do comping – você pode buscar o que há de mais mágico em cada take."

"As pessoas tem uma visão muito idealista do trabalho de um produtor ou engenheiro de som. Se soubessem mesmo como os discos são feitos, ficariam bem mais chateados", afirma Lewis. "Mas se você entrar no ramo da gravação com a ideia de que precisa cantar do início ao fim, haja o que houver, dificilmente você encontrará aquele toque mágico."

Tradução: Thiago "Índio" Silva