​O que está por trás da prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina?
Crédito: Ian Kennedy/Flickr

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​O que está por trás da prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina?

Ou se preferir: por que o dono do WhatsApp não quer colaborar com a justiça brasileira?

Você deve ter lido por aí que, na manhã de terça-feira, o vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Dzodan, foi preso enquanto trabalhava no seu escritório no bairro nobre de Itaim Bibi, em São Paulo. É, aconteceu. A ordem veio do juiz Marcel Montalvão, da cidade de Lagarto, no Sergipe, depois que o Facebook não quis liberar informações contidas no WhatsApp, propriedade da companhia, sobre uma investigação de tráfico de drogas interestadual no país. Dzodan passou a noite numa cela isolada e, quarta cedinho, você deve ter lido também, foi solto depois de pedido de habeas corpus. O processo agora segue sob sigilo.

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O caso não chega a ser surpresa ao levar em conta o histórico das brigas entre empresas estrangeiras de tecnologia e justiça por nossas terras. O script foi bem similar ao que rolou com a suspensão do WhatsApp em dezembro de 2015: uma autoridade (no caso, a Polícia Federal) solicitou ao Facebook quebra de sigilo para uma investigação e a empresa, como costuma agir em casos assim, não acatou. Mesmo depois de quatro meses de insistência e multas que chegaram a um milhão de reais por dia por descumprimento da ordem, a companhia não entrou em ação. Preferiu ficar na encolha.

Depois do ocorrido, o Facebook, como sempre, não quis comentar o caso em detalhes. A empresa soltou uma burocrática nota à imprensa que lamentou "a medida extrema e desproporcional de ter um executivo do Facebook escoltado até a delegacia devido a um caso envolvendo o WhatsApp, que opera separadamente do Facebook". No mesmo comunicado, disse estar aberta a dialogar com as autoridades brasileiras.

A resposta soa bem intencionada mas, para os especialistas em direito digital ouvidos pelo Motherboard, esconde uma calculada omissão da companhia americana. Segundo eles, é no mínimo curioso que o WhatsApp, com mais de 100 milhões de usuários no país, não tenha uma representação no Brasil. Soa, dizem, como estratégia para não obedecer as leis brasileiras. Ou para simplesmente ignorá-las.

Essa postura da empresa é bastante criticada pelas autoridades brasileiras desde pelo menos o ano passado, quando, em depoimento à CPI dos Crimes Cibernéticos, o vice-coordenador jurídico geral do WhatsApp, Mark Khan, explicou que o único escritório da empresa opera nos Estados Unidos com apenas 110 funcionários. De acordo com Khan, as mensagens trocadas entre os usuários é criptografada, o que impossibilita a empresa de cedê-las às autoridades.

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Ainda assim, segundo Frederico Ceiroy, promotor do Ministério Público, não é preciso quebrar o completo sigilo das mensagens para colaborar com uma investigação. Há, diz, uma grande diferença entre repassar dados sensíveis – como conteúdos das conversas – e transmitir informações básicas que ajudariam no trabalho da justiça, a exemplo de números de celular utilizados em trocas de mensagens, o sistema operacional e o IP da comunicação. "São informações que eles não entregam com o argumento de que a empresa é baseada nos EUA, por isso teria que ser usado um tratado internacional para ter acesso", diz. "Esse argumento é inverídico. O Brasil é um dos maiores mercados do WhatsApp. Tem que se submeter às leis brasileiras."

Segundo o promotor, a lei do Marco Civil da Internet (a legislação digital do país feita colaborativamente e que ainda precisa de regulamentação) é clara nessa exigência de que as empresas obedeçam as regras brasileiras. O mesmo documento, completa Ceiroy, também exige que as companhias de tecnologia tenham política de privacidade em português e guardem registros de acesso ao aplicativo por no mínimo seis meses, coisas que o WhatsApp também não faz.

O fato é que, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, onde há uma cooperação maior entre empresas e órgão de inteligência e investigação, a Justiça brasileira tem muita dificuldade em fazer com que as empresas estrangeiras cumpram as leis nacionais. O WhatsApp parece ser o mais difícil de lidar por causa da alegação de não possuir escritório aqui.

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Em 2012, o Google enfrentou uma situação análoga à prisão de Dzodan, quando o diretor geral da empresa no Brasil, Fábio Coelho, foi detido pela PF após o YouTube se recusar a tirar do ar um vídeo que trazia acusações a um candidato à prefeitura de Campo Grande (MS). Depois desse susto, o Google mudou a sua política de colaboração com a Justiça e facilitou a comunicação entre as partes. No ano seguinte, a companhia aceitou entregar dados gerais sobre as contas, como endereços de IPs, mas se recusou a interceptar e-mails de políticos investigados por corrupção – os tais dados sensíveis que dizem respeito a privacidade do usuário.

"O Brasil é um dos maiores mercados do WhatsApp. Tem que se submeter às leis brasileiras."

Claro, é do interesse de companhias como Facebook que os usuários tenham certeza que suas privacidades não serão quebradas por qualquer suspeita de crime. É uma forma de garantir a integridade e o alto valor do produto. Ninguém gosta da sensação de ser espionado o tempo todo – ainda que nada garanta que não somos, como o episódio recente da NSA nos alertou. A vontade dos especialistas ouvidos pelo Motherboard, porém, é que o caso emblemático da prisão de um alto executivo sirva para que o Facebook coopere na medida do possível com as autoridades brasileiras.

Para a advogada especialista em direito digital Gisele Truzzi, a detenção foi uma medida importante para mostrar que o Brasil não vai mais passar pano para quem não cooperar. "Isso tem que ser cumprido porque, se fosse uma situação inversa, lá fora não seria diferente. As leis de qualquer país seriam cumpridas, por que aqui não?". Segundo Gisele, a prisão de Dzodan não foi "desproporcional", como sugeriu a nota da companhia. "Desproporcional foi a atitude da empresa de não cumprir com a legislação", afirma.

O advogado também especialista em direito digital Omar Kaminski é mais ponderado. Sua questão é: uma empresa multinacional como o Facebook deve se adequar às leis brasileiras ou as leis brasileiras não manjam nada de internet e devem se adaptar às grandes companhias? Um pouco dos dois, diz. "Nossas leis em termos de internet estão devagar, mas cada vez melhores. A gente precisa de leis genéricas o suficiente que abranjam cada caso", diz. "O grande desafio é colocar em vigor leis que se prolonguem no tempo e sirvam para diversos tipos de casos pois as leis demoram para serem aprovadas e não acompanham o ritmo da internet, que é bem mais rápida do que a Justiça."