O Que Acontece Com Seu Cérebro Quando Você Joga Videogame Chapado

Maconha e games sempre foram unidos por um idílio enfumaçado e têm muito em comum, como por exemplo a compulsão e a codependência. Inúmeros fanáticos de World of Warcraft já foram encontrados, altas horas da noite, envoltos em doces e brancas nuvens de fumaça, com seu bong ao lado do teclado.

Mas a forma com que esses dois amantes, os games e a maconha, se unem, quase nunca foi estudada, e quando aconteceu foi apenas para tratar do abuso de substâncias tóxicas e sua relação com a assim chamada dependência de jogos eletrônicos.

Mas a questão mais ampla é: o que acontece em nossas mentes quando abraçamos e recebemos em nossas vidas essas duas atividades? Estaríamos embaçando tanto assim nossa capacidade de percepção ao ficarmos doidões e arremessarmos granadas nos incautos em Call of Duty? Maconha e games estão criando as bases para o surgimento de uma sociedade de idiotas? Para testar isso em mim mesmo - com alguma ajuda de amigos - aproveitei uma vantagem que certamente será temporária na história dos EUA: a quase legalizada tele-entrega de maconha.

No estado de Washington, onde moro, é legal usar, transportar e comprar maconha para uso recreacional. Paradoxalmente, os únicos estabelecimentos que têm permissão para vender a erva ainda não abriram. Então, enquanto os burocratas continuam arrastando a promessa de abrir revendedoras autorizadas, como decidido nas urnas, há um grupo de caras legais com nomes em código como o Raposa, o Perna de Grilo, o Corvo, o Falcão, que surgiram para levar à população de Seattle seu recém-adquirido direito de usar maconha para fins recreacionais. Eles estão até na plataforma Yelp.

Esses caras não têm permissão para vender. Mesmo assim, agem abertamente, anunciando explicitamente no seu site que, com eles, os compradores nem precisam de licença médica. E a polícia de Seattle os ignora, ao menos até que finalmente abram as lojas autorizadas. 
Eu liguei pra Winterlife Coop e entrei em contato com um cara que pediu meu endereço e telefone, dizendo que, em 20 a 40 minutos, um motorista na minha área iria me ligar de volta. De fato um homem que se identificou como Raposa me ligou, de um número diferente, e nos encontramos num estacionamento próximo. A maconha era vendida em porções de 7 gramas, em pacotes bem arrumados com o logo da Winterlife, rotulados individualmente de acordo com o tipo de planta.

Já de posse da erva, eu e alguns amigos começamos a estudar como a maconha afeta nossa interação no mundo digital, tentando entender se uma noite inteira fumando e jogando seria uma experiência tão demente como parece. Primeiro, jogamos alguns games sóbrios e tomamos nota dos resultados. Depois ficamos chapados mesmo. E aí jogamos de novo os mesmos games, comparando a pontuação antes e depois da maconha.

Nosso saco de erva tinha o rótulo God Bud (broto de Deus). Antes mesmo de fumar, simplesmente ao abrir o pacote, seu cheiro enjoativo se tornou uma entidade que possuiu o apartamento. A erva era do tipo índica, que deixa a pessoa sedada sem conseguir levantar do sofá, o oposto da supostamente energética sativa (saiba mais sobre as diferenças sutis entre os dois tipos, e conheça o sistema endocanabinóide, no documentário High Country, do Motherboard). Eu não sei diferenciar cada detalhe de uma maconha para a outra, mas o site da Winterlife descreve cada tipo com belos detalhes poéticos.

Mesmo com os casos isolados de legalização em alguns estados, a ilegalidade da maconha nos EUA tem dificultado e afetado os estudos a respeito. Ela ainda é considerada uma droga de nível 1, ou Schedule 1, mais alto que a cocaína, que é apenas Schedule 2.

Para poder estudar seus efeitos, os pesquisadores precisam comprá-la. Para tanto, precisam de aprovação do NIDA, instituto nacional do abuso de drogas, cuja missão declarada parece saída de um pôster de propaganda da Segunda Guerra Mundial, aqueles com uma bota gigante esmagando as pessoas. Só pra reforçar a aura de patriotismo bélico, a palavra "nação" é escrita com a inicial maiúscula, de forma totalmente desnecessária, assim:

A missão da NIDA é guiar a Nação para que o poder da ciência seja uma força contra o abuso e a dependência de drogas.

E esses são os caras que decidem quais estudos sobre a maconha serão aprovados nos EUA. De acordo com uma estimativa do Dr. Sanjay Gupta num artigo para a CNN, só 6% dos artigos publicados na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos investigam os potenciais efeitos benéficos da maconha.

Estamos prestes a testar em nós mesmos os efeitos deletérios, ou benéficos, que a maconha pode ter sobre o funcionamento prático do cérebro e a execução de tarefas complexas. É uma questão cada vez mais pertinente, agora que a maconha tanto medicinal como recreacional está se tornando sempre mais comum. Vamos todos começar a morrer em acidentes de carro e acidentes domésticos típicos de quem fuma unzitchos?

Independentemente dos efeitos que a erva tem sobre você, os estudos objetivos sobre maconha e direção são bem inconclusivos.

Um artigo publicado no periódico acadêmico Journal of Psychoactive Drugs tentou avaliar diferenças entre os sexos quando dirigindo sobre o efeito de maconha e não encontrou nenhuma. Os pesquisadores envolvidos no estudo também não concluíram que os motoristas chapados tenham operado o veículo mais perigosamente do que o grupo sob efeito placebo, a não ser pelo fato de que os motoristas chapados dirigiram entre 3 e 5% mais devagar. A lentidão do veículo pareceu ser uma compensação consciente, por conta do estado alterado dos sujeitos. Não obstante, o estudo apontou que eles dirigiram tão cuidadosamente como grupo placebo. O estudo diz:

A sutil diminuição na velocidade apontada sob o efeito de maconha é coerente com a bibliografia anterior, que demonstra que os efeitos da maconha sobre a direção podem ser sutis… e nem sempre replicados em estudos… Revendo o que foi publicado antes de 1995, 45% dos estudos envolvendo simuladores de direção não mostraram nenhum empecilho apresentado pela maconha na primeira hora de uso. Muitos estudos mostraram motoristas mais cuidadosos.

Apesar desse efeito "sutil" sobre a direção, os pesquisadores apontaram na conclusão que "é esperado" que muitos adolescentes e jovens adultos dirigindo sob o efeito de maconha também usem celulares, ouçam música e enviem mensagens de texto, além de misturar a maconha com álcool. E todos esses fatores definitivamente afetam a direção.

Ao mesmo tempo, sugerir que a maconha é potencialmente perigosa por causa de fatores alheios ao escopo do estudo parece um pouco bizarro, por mais fundamento que tenha. Ninguém vai querer proibir os celulares porque algumas pessoas os usam irresponsavelmente no carro, né?

As notas de rodapé do estudo se encontram logo depois da conclusão. A primeira diz: "este estudo foi patrocinado pelo Insituto Nacional do Abuso de Drogas".

Uma turma de amigos conduzindo um estudo caseiro com um saco de maconha e uma cópia do jogo Spelunky pode parecer superficial, mas não vamos esquecer que é basicamente o mesmo que o estudo acima fez. Ainda que eles tenham chamado de outra forma, o simulador de direção que eles usaram era basicamente um videogame:

Outro teste de direção com maconha usou literalmente um notebook e um joystick. De fato, uma das perguntas daquele questionário era sobre a experiência prévia do sujeito com jogos, implicando que esse fator teria impacto no resultado. Portanto, parece que nosso testezinho chapado com videogames pode ser aplicado no mundo real, sim.

A pesquisa que usou o joystick e o notebook tem o título algo leviano de "Erva ou direção!" (o ponto de exclamação foi ideia deles). Os pesquisadores teorizam sobre um dos desafios enfrentados pelo motorista chapado:

A cannabis aumenta… a atividade mental orientada para si próprios. O sujeito se sente mais atraídos por estímulos intrapessoais (consigo mesmo) e não presta atenção ao completar tarefas, o que leva à alocação de recursos insuficientes para completar tarefas e desempenho abaixo do esperado.

A questão da "atividade mental voltada para si mesmo" faz sentido. Mas qualquer um pode deixar a mente vagar durante um trajeto monótono. O que dizer sobre usuários que fumam para se envolver mais profundamente com, digamos, um jogo difícil? Um que exija foco mais intenso? Eu já me senti assim, mais em sintonia e mais "dentro" do jogo quando estava chapado. Senti que estava me saindo melhor, mas nunca havia feito um teste objetivo.

Por mais ridículo que pareça afirmar que a maconha ajuda a executar tarefas complexas, há pesquisas sustentando a ideia. A questão é que você precisa procurá-las em outro lugar. Não vá atrás dos trabalhos que tentam ligar maconha a depressão, à chamada "dependência de games", ou mau comportamento ao volante, e sim daqueles que buscam entender se a maconha pode ser considerada doping por melhorar o desempenho esportivo.

Esses estudos mostram que a maconha acentua as habilidades da mente e do corpo, dando ao usuário uma vantagem sobre os adversários. Diz o trabalho Cannabis e Esportes:

A cannabis pode melhorar o desempenho em esportes que exigem maior concentração… melhoria da visão para goleiros e relaxamento muscular… o consumo de maconha reduz a ansiedade, permitindo um melhor desempenho sob pressão e alívio do stress antes e durante a competição.

Analisando o amplamente difundido uso de cannabis entre atletas universitários, o estudo também descobriu que:

Quanto mais alto o nível dos atletas, mais o consumo de maconha pode melhorar a performance… Os atletas indicaram que sob o efeito de cannabis seus pensamentos fluem melhor, sua criatividade e capacidade de tomar decisões melhora… Profissionais da saúde afirmaram ter encontrado ginastas, mergulhadores, jogadores de futebol americano e basquete que declararam ter usado cannabis antes de competir, para melhorar seu foco.

E ainda:

Claramente a cannabis induz à euforia, melhora a auto-estima, induz ao relaxamento e concentração. Ela melhora a percepção sensorial, reduz a frequência respiratória e aumenta a frequência cardíaca. O aumento da dilatação dos brônquios pode melhorar a oxigenação dos tecidos… com base em estudos com pessoas e animais, assim como em entrevistas com atletas e estudos de campo, a cannabis pode melhorar o desempenho.

No entanto, é reconhecido que a droga causa efeitos contraditórios, evidentemente dependendo da dosagem: relaxamento, mas também ataques de pânico, melhoria da percepção sensorial, mas ocasionalmente confusão, sedação ou hiperatividade. "O espectro dos efeitos sobre o comportamento é excepcional, impedindo que se possa catalogar a droga como estimulante, sedativa, tranquilizante ou alucinógena" acrescenta o estudo.

Numa palestra do TED, o doutor Gary Wenk menciona que uma tragada de maconha por dia reativa a neurogênese em cérebros idosos, melhorando sua habilidade de lembrar e aprender. Como a maconha também mexe com a memória e o aprendizado imediatamente após o uso, entrei em contato com o dr. Wenk e perguntei se esses efeitos contraditórios são exclusivos da erva.

"Existem numerosos exemplos de drogas com efeitos contraditórios deste tipo." respondeu ele por email. "No que diz respeito à cannabis, os efeitos variam de acordo com a idade do consumidor, o gênero, o histórico de uso de drogas e as diferenças genéticas. Algumas drogas produzem efeitos bem diferentes dependendo do horário em que são usadas. Por isso é tão difícil prever como cada pessoa reage a qualquer substância."

Eu e vários amigos, como o Dutch Mogul, o Ben e o Brian (que chegou depois), tentamos escolher entre jogos variados, terminando por focar no Spelunky, cujas fases são geradas conforme seus avanços. Isso significa que são criados aleatoriamente por um algoritmo, de forma que o jogador não pega a mesma fase duas vezes, e a memorização das jogadas não pode influenciar os resultados.

Jogamos muitas vezes caretas. A pontuação média de Dutch Mogul sóbrio foi de 83.684. Chapado, foi de 198.250. Minha média sóbrio foi de 34.925. Chapado, 46.000. O Ben sóbrio marcou 52.316 e chapado ele zerou o jogo, incluindo o nível final do Inferno, que ele nunca tinha jogado antes, com uma pontuação total de 413.525.

Aqui estão nossos resultados nos demais testes:

Super Hexagon (média de três jogos careta e três chapado. A pontuação se baseia em quantos segundos você aguenta sem encostar nas paredes de um labirinto que se move em espiral, ou seja, o número maior é melhor.)

• Eu careta: 4.03 segundos / chapado: 4.03 segundos
• Dutch Mogul careta: 3.44 segundos / chapado: 5.19 segundos
• Ben careta: 5.92 segundos / chapado: 6.38 segundos
• Brian careta: 2.32 segundos / chapado: 3.87 segundos

Tetris DS (em pontos)

• Eu careta: 13.766 / chapado: 15.360
• Dutch Mogul careta: 40.338 / chapado: 97.462
• Ben careta: 65.095 / chapado: 56.447
• Brian careta: 18.860 / chapado: 15.843 (O Brian disse que ele sentiu que estava jogando Tetris muito melhor chapado, e ficou surpreso ao ver que na verdade não estava. "Achei que estava conseguindo controlar meu destino" ele disse, abatido.)

Pac-Man Championship Edition CX+ (em pontos)

• Eu careta: 989.120 / chapado: 968.540 
• Dutch Mogul careta: 558.830 / chapado: 635.350
• Ben careta: 1.104.470 /  chapado: 836.200

Durante o caminho, enquanto estava chapado, rabisquei algumas anotações sobre a experiência.

… me sinto mais envolvido emocionalmente, as emoções podem ajudar na concentração… [tem mais frases, mas infelizmente não consigo decifrar meus garranchos doidões.]

E depois:

Sinto que estou me concentrando mais. Me senti com sono antes, mas a paranóia da erva me acordou. No Pac-Man eu tive certeza de que estava jogando muito melhor do que sóbrio, mas a pontuação diz que foi o mesmo.

Acho justo dizer que apesar de ter jogado chapados, depois de muitos testes cansativos, naquelas horas grogues depois da meia-noite, nossa pontuação foi a mesma ou melhor do que quando jogamos sóbrios.

Não me entenda mal. Quando digo isso não quero implicar que você pode tranquilamente pegar o volante chapado. (Eu, pessoalmente, não dirijo mais e pronto. É porque percebi que fico muito estressado depois de passar horas passando calor no trânsito parado, meu humor piorando a ponto de eu me tornar um perigo para mim mesmo e para os outros motoristas, então vendi minha Jeep. Agora vivo menos estressado, e isso é bom!)

No entanto é difícil negar que fumar um e jogar videogames acabe com todas suas habilidades. Na verdade, quando você joga em estado alterado, a sua mente parece estar operando num nível de envolvimento bem sofisticado. Bora jogar.