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Tecnologia

Por um Mundo Sem Robôs Sexuais

Dois pesquisadores lançaram um manifesto de repúdio aos humanoides transantes que estão no mercado.
Modelo robótico da True Companion. Crédito: AP.

Era questão de tempo para que a robótica e a inteligência artificial unissem suas forças na indústria do sexo. E parece que a hora chegou: a empresa americana True Companion já comercializa modelos de robôs sexuais humanoides que custam entre US$ 999 e US$ 6.000. O nome delas? Roxxxy. Roxxxy, as sexbots.

Segundo a True Companion, Roxxxy está "sempre excitada e pronta pra brincar" – embora a página de dúvidas frequentes da empresa afirme que ela tem um botão pra desligar assim que a transa robótica chega ao fim. Os clientes podem escolher o tom de pele, a cor de cabelo e como quer os olhos dela. Por uma taxa extra, o consumidor também adquire diversos estilos de pêlos pubianos para sua mercadoria.

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Roxxxy sugere uma época em que homens ao redor do mundo poderão deixar de lado as inconveniências de se ter uma namorada de carne e osso para entrar na internet, projetar seu bichinho sexual e esperar que a caixa do tamanho de uma mulher chegue em suas casas.

"Estamos fazendo uma campanha em prol dos direitos humanos,de como vemos uns aos outros"

Um futuro horrível, sem dúvida.

É por isso que a estudiosa Kathleen Richardson quer que paremos de seguir rumo a esse futuro desesperançoso. Pesquisadora sênior do campo de Ética Robótica da Universidade De Montfort, na Inglaterra, ela lançou uma Campanha Contra Robôs Sexuais ao lado de Erik Billing, da Universidade de Skövde, na Suécia. O manifesto destaca que, ao criar robôs para fins sexuais, a sociedade reforça ideias patriarcais sobre como as mulheres devem se comportar, que aparência devem ter e normalizam a noção de que um relacionamento pode ser puramente físico.

Conversei com a Dra. Richardson sobre a campanha e suas preocupações sobre o que um futuro cheio de robôs transantes poderá fazer conosco.

MOTHERBOARD: O que a motivou a lançar esta campanha?

Richardson: Da primeira vez que ouvi falar sobre robôs sexuais achei que seria algo inofensivo e tranquilo. Mas então comecei a pesquisar para um artigo sobre o tema e vi alguns problemas com o raciocínio por trás de sua existência. O raciocínio é de que vivemos em uma sociedade em que se pode comprar sexo sem levar em consideração os pensamentos e sentimentos da outra pessoa. Transfere-se este tipo de relação às máquinas. Ora, o problema com a prostituição é que ela legitima um mundo em que as pessoas podem ver as outras como objetos. Pensei então: isso é algo que gostaríamos de reproduzir em nosso mundo tecnológico?

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A coisa se torna mais antiética por que os robôs parecem e agem como humanos? Teria problema se fossem máquinas sem rosto?

Creio que se fosse esse o caso, teria que ajustar minhas ideias. Mas não é isso que acontece, as máquinas se parecem com mulheres.

Esta empresa, True Companion, afirma estar desenvolvendo uma versão masculina do robô sexual. Isso rompe com o patriarcado que essas coisas reforçam?

Bem, acredito que o público-alvo nesse caso sejam homens homossexuais, que já constituem grande parte do universo da prostituição. Continua sendo algo ligado ao uso sexual masculino de corpos. Há essa noção de que homens tem alto desejo sexual, diferentemente das mulheres, e que tem direito a satisfazê-lo. O desejo sexual se organiza em volta da sexualidade masculina, não feminina.

Se chega alguém e cria um robô desses para mulheres, haveria problema?

Se houvessem mulheres praticando os mesmos relacionamentos estruturados por poder com os homens, também seria exploração. A ideia central da campanha é que, como seres humanos, não podemos decidir impor nossa vontade ao outro só porque temos mais recursos ou poder.

Então ao criar esses robôs normalizamos essas dinâmicas imorais de poder?

Exato. Não estamos dizendo que os robôs tem direitos. Estamos fazendo uma campanha em prol dos direitos humanos e sobre o que criar estas tecnologias diz sobre como vemos uns aos outros. Além disso, não existe uma tecnologia que não seja produto de sua cultura. Você pode ir a um laboratório e as pessoas pensam que estão criando tecnologia e é algo neutro, livre de raça ou gênero. É besteira. Você precisa pensar sobre as ideias que fazem parte desse processo e quais as consequências da produção daquela tecnologia.

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E do ponto de vista legal? Seu site menciona robôs sexuais infantis, o que certamente seria ilegal.

O problema é que a lei sempre está um passo atrás da tecnologia. Não saberemos até que alguém tente.

Você vê um mundo em, digamos, 50 anos, em que todos estaremos com namorados e namoradas robóticos no lugar de humanos?

Caso isso aconteça, estaríamos angustiados. Não conseguiríamos viver nesse mundo sem desenvolver sérios problemas mentais. E já há evidências disso: nos anos 40, Harry Harlow conduziu uma série de experimentos. Ele pegou macaquinhos e lhes deu mães robóticas substitutas. Eles podiam escolher entre uma mãe de metal que fornecia comida e uma mãe reconfortante revestida de material macio. Dada a escolha, os macaquinhos optavam por conforto no lugar da comida. Então todos desenvolveram problemas mentais sérios. Não conseguiam interagir com macacos de verdade, nem acasalar. E morreram.

Dizemos para nós mesmos que podemos viver com esses substitutos artificiais e, contanto que satisfaçam nossas necessidades físicas, tudo ficará bem. Mas temo que não funcione assim.

"Criamos uma sociedade em que pensamos que conseguimos viver sozinhos e é vergonhoso se sentir solitário"

Não é possível que quem compre um robô desses seja só muito solitário?

Sei que esta pergunta surgiria assim que lancei o site e fico feliz que tenha acontecido. É uma das questões das quais mais me identifico. Criamos uma sociedade em que pensamos que conseguimos viver sozinhos e é vergonhoso se sentir solitário. A forma de lidar com isso é abrindo o debate sobre conexões humanas. Todo ser humano precisa de outros seres humanos. Você pode continuar dando tecnologia e máquinas às pessoas, mas isso não chegará no âmago de porque as pessoas são sozinhas e não conseguem desenvolver relacionamentos. De fato, só piora tudo.

Tradução: Thiago "Índio" Silva