FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

O Problema dos Pesticidas para Maconha nos EUA: Ninguém Sabe Usar

Cultivadores e autoridades americanos não sabem muito bem quais pesticidas podem usar na erva.

Não precisamos nem dizer que cultivar maconha é bem diferente de cuidar de outras plantas. Tipo, não vemos por aí muitos casos de fazendeiros que perdem o sono com a ameaça de adolescentes que entram de mansinho em seus terrenos para pegar punhados de couve orgânica. Mas tem uma área que a diferença entre cannabis e outras plantas é ainda mais forte: a dos pesticidas. E essa disparidade vem incomodando uma série de produtores e consumidores.

Publicidade

Em todas as plantações, hum, convencionais dos EUA, as substâncias químicas utilizadas (como pesticidas, herbicidas e fungicidas) são monitoradas de modo cuidadoso pelo Departamento de Agricultura e pela Agência de Proteção do Meio-Ambiente (EPA, sigla em inglês). Há limites diferentes definidos sobre qual tipo de pesticida pode ser usado e o que é considerado um nível aceitável de substâncias químicas numa safra.

Pelo fato da maconha ainda ser ilegal no âmbito federal, não há protocolos para pesticidas quando o assunto é cultivar erva. Na opinião do governo americano, não se deve usar pesticida nenhum no cannabis porque, para começo de conversa, cannabis não deve nem ser cultivado.

Isso deixa os cultivadores com recursos limitados para tentar determinar a melhor maneira de manter seu plantio saudável e seus consumidores seguros.

"Até muito recentemente, era como o Velho Oeste: todo mundo usava o que queria de qualquer coisa que ouvissem falar na internet", diz Whitney Cranshaw, uma professora de entomologia na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, que estuda administração de pestes em plantações. "Alguns eram apropriados, outros não, mas não havia orientação dos federais, nem do estado, nem de ninguém. Eles simplesmente faziam o que achavam que era certo."

Recentemente, os estados americanos que autorizam plantar e vender maconha medicinal ou recreativa começaram a bolar recomendações para os cultivadores. Em maio, o Departamento de Agricultura do Colorado lançou uma lista de pesticidas e fungicidas que os cultivadores de cannabis podem usar. O estado de Washington seguiu os passos no início desse mês. Mas as listas são limitadas — focam majoritariamente em pesticidas naturais, como óleo de canela e alho — e não proporcionam muitas informações sobre os potenciais efeitos a longo prazo de pesticidas sintéticos numa planta que pode ser ingerida e inalada.

Publicidade

"Ao fumar a planta, você pode consumir uma grande quantidade de pesticidas nela", diz Jeffrey Raber, um PhD em química que estudou os efeitos de pesticidas no cannabis em seu laboratório, The WercShop. Em 2013, ele publicou um estudo revisado por especialistas sobre os efeitos de pesticidas na maconha e descobriu que até 70% dos resíduos dos pesticidas no beck podem ser ingerido ao fumar. Além da alta taxa, Raber apontou que inalar uma substância química é muito diferente de comê-la.

"Normalmente os limites de segurança para uma substância química ser inalada são até dez vezes mais restritivos do que aqueles para uma substância ingerida", diz Raber. "Você não tem o ácido estomacal nem seu fígado atacando as coisas antes. Quando você inala algo, isso vai direto pra sua corrente sanguínea. É um monstro bem diferente."

Muitos cultivadores tiveram a ideia de se espelhar no tabaco para acabar com o problema dos pesticidas. Ele olharam as restrições no fumo convencional e pensaram: bom, se as pessoas inalam tabaco da mesma forma que fazem com a maconha, então os pesticidas do primeiro devem ser seguros para o segundo, certo? Não foi a decisão mais inteligente, segundo Raber.

Isso porque a EPA nunca foi muito dura com a regulação para tabaco. Pesquisas mostram que a indústria tabagista faz uma grande pressão para manter seus pesticidas favoritos no campo da legalidade. No fim das contas, o tabaco é misturado com dezenas de outras substâncias químicas nojentas antes de ser enrolado em forma de cigarro.

Publicidade

Além disso, Raber aponta que o tabaco é um produto bastante diferente da maconha. Enquanto o beck costuma ser prescrito para pessoas que passam por tratamento contra o câncer com o fim de ajudar a aliviar as dores e reduzir a náusea, os cigarros são considerados uma má ideia quando se está em quimioterapia.

Então, se cultivadores de maconha não podem ter exemplo do governo nem de outras plantações parecidas, o que devem fazer?

Para alguns deles os pesticidas naturais parecem ser uma boa solução. O Denver Relief, um dos cultivadores de cannabis mais antigos do Colorado, usa repelentes naturais de praga, de acordo com Nick Hice, operador e co-proprietário.

Hice cuida para ter o estabelecimento limpo e monitora de perto o controle ambiental (como calor e umidade) para prevenir a propagação de pragas comuns nas plantações de beck, como ácaro-aranha e mofo. Ele também usa pesticidas sintéticos quando precisa, mas, uma vez que as plantas saem de seu ciclo vegetativo e entram no ciclo de floração, cessa o uso de sprays.

"Até com orgânicos há uma chance de ser deixado algum resíduo no produto", diz Hice. "Mesmo que não seja um resíduo perigoso, ele pode afetar o produto. Pode afetar o sabor e o gosto."

Hice me disse que melhores orientações do governo ajudariam a eliminar muitas das dúvidas de cultivadores e consumidores. Ele também disse que aliviar as restrições e permitir o plantio ao ar livre poderia ter grande impacto. Hoje muitos dos locais que plantam maconha comercial são forçados a ficar do lado de dentro por causa de uma regulamentação severa, o que exacerba o risco de pestes e doenças. Quando as plantas estão ao ar livre, o ambiente natural cuida desse problema, de acordo com Cranshaw: pássaros comem ácaros-aranha antes de estes devorarem as plantas, e não há risco de mofo.

Uma regulamentação mais clara também facilitaria distinguir os cultivadores que ficam com pesticidas naturais daqueles que preferem sprays sintéticos.

Por enquanto, cultivadores e pesquisadores como Raber e Cranshaw ficam contentes de ver algumas tentativas de diretrizes em nível estatal e torcem para uma mudança federal no horizonte: ou legalizar a maconha ou facilitar as regras para que a EPA possa ao menos dar uma opinião quanto à forma em que o cultivo é feito.

Tradução: Julia Barreiro