O pornô em realidade virtual até agora não passa de um velho clichê
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Tecnologia

O pornô em realidade virtual até agora não passa de um velho clichê

Mulheres como meros objetos, homens como pênis. Há um longo caminho para chegarmos na tal nova experiência engrandecedora do RV.

Com um Samsung Gear VR na cabeça em um saguão lotado de hotel, às cinco da tarde, numa Barcelona ensolarada, no Mobile World Congress deste ano, era estarrecedor imaginar que eu logo seria transportado a um apartamento kitsch, em algum lugar da Califórnia, para ganhar um boquete de duas mulheres que não conseguiriam segurar o desejo entre si nem tirar as mãos de mim.

Olhei para baixo e, ao confrontar um tanquinho bronzeado que não me pertencia, meu cérebro começou a lutar contra os próprios sentidos, tentando não se deixar enganar pelo que os meus olhos diziam.

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No entanto, depois de um minutinho, meus sentidos sucumbiram, e fiquei 100% imerso no mundo em realidade virtual da pornografia. O único problema? Era exatamente o mesmo pornô de sempre.

A realidade virtual oferece aos estúdios de pornô um novo meio de criação, mas muita gente acha que a tecnologia ainda precisa cair nas mãos de produtores e diretores independentes, que, dizem, fazem pornografia para todos, e não apenas para os homens.

Erika Lust, produtora feminista sueca, pioneira em pornografia, me contou que a realidade virtual periga seguir o mesmo caminho da narrativa "feita por homens, para homens".

"Todos os filmes adultos em realidade virtual, até então, foram um estouro, apesar de mal produzidos. E quando falo em estouro, me refiro à velha fantasia de silicone, marca registrada do gênero pornográfico há anos", disse Lust. "Sexo mecânico e orgasmos de mentirinha, sem paixão, sem contexto. Mulheres como meros objetos, homens como apenas pênis. Acho que temos um longo caminho pela frente antes de viver uma experiência prazerosa em realidade virtual."

Ao navegar em fóruns online como o Reddit e dar uma olhada nos filmes pornográficos em realidade virtual que já estão disponíveis online, fica claro que a maioria dos estúdios produz o mesmo tipo de material pornô que já era oferecido sem realidade virtual.

Lust acredita que estúdios independentes poderiam tirar vantagem da realidade virtual se os custos da tecnologia começassem a baixar, oferecendo às produções uma nova audiência, diversificando, assim, a pornografia disponível.

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A pornografia, ainda que muitas pessoas ainda não queiram debatê-la abertamente, é mestre em tecnologia. A indústria é sempre a primeira a adotar os novos meios e foi pioneira em tecnologias de internet anos antes dos gigantes que hoje ornamentam o nosso cotidiano aparecerem. A produtora holandesa Red Light District lançou um dos primeiros sites de streaming da internet, nos idos de 1994, e a indústria pornográfica basicamente forjou o modelo de vídeo como serviço, utilizado pelas empresas YouTube e Hulu mais de dez anos depois.

Então, não admira que, com a recente explosão de aparelhos de realidade virtual disponíveis para o consumidor, como o Oculus Rift, o DIY Google Cardboard e o Samsung Gear VR, que se conecta ao smartphone, a pornografia lidere a corrida.

Neste ano, há um monte de sites que oferecem pornografia em realidade virtual para usuários baixarem ou acompanharem em streaming no conforto de seus próprios mundos. O Pornhub, um dos maiores sites de pornografia da internet, anunciou, em março, uma seção dedicada a pornografia em realidade virtual. Uma empresa pornográfica com quem conversei, a Naughty America, lança mais de dois vídeos em realidade virtual por semana, e oferece pacotes de assinatura para clientes de realidade virtual.

Contudo, com novas tecnologias, vêm novas oportunidades, e há quem acredite que a realidade virtual será uma ferramenta para criar pornografia com apelo para um leque mais amplo de preferências, em termos de gênero e sexualidade.

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Perguntei à famosa blogueira e autora britânica Girl On The Net se ela achava que a pornografia em RV poderia representar um novo meio para criar e compartilhar uma pornografia diferente da indústria tradicional, mainstream, formada por um bando de executivos homens, com poucas exceções.

"Sim, definitivamente, mas a tecnologia precisa ficar barata antes", disse ela.

"Acho que poderia ser bem revolucionária. Sobretudo porque a pornografia em realidade virtual nos dá a chance de habitar diferentes corpos e experimentar o sexo em diversas perspectivas — por exemplo, posso comer um cara com um cinto-pinto enquanto ele assiste a um pornô em realidade virtual que o coloca no corpo de uma mulher dando para alguém, e vice-versa."

A Girl On The Net argumenta que, quando o preço descer, estúdios feministas independentes que querem fazer pornografia serão capazes de realizar coisas bem mais "imaginativas" que as obras dos estúdios mainstream.

"As pessoas vão parar e prestar atenção em produtores independentes, e vão começar a abrir a carteira para apoiar o trabalho deles; os estúdios mainstream sabem que precisam subir a aposta; então, vem a revolução", disse ela.

"A pornografia em realidade virtual nos dá a chance de habitar diferentes corpos e experimentar o sexo em diversas perspectivas."

Em última instância, o propósito da realidade virtual é nos aproximar da ação, nos colocar no papel principal (ou submisso), e estúdios feministas independentes como o de Lust alegam que sua pornografia faz muito mais pelo movimento da democratização da pornografia que os estúdios tradicionais, que servem públicos masculinos a conta-gotas, com as mesmas cenas clichês de sempre.

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No entanto, conforme a Girl On The Net já observou, por ora os custos restringem a maioria dos produtores independentes, de orçamento menor. Lust disse que produzir um filme em realidade virtual custa, para ela, cerca de 20 mil euros, mas para estúdios já estabelecidos, isso não representa grande despesa. Já estúdios menores e novos entrantes do setor podem ter dificuldades para cobrir o custo atual de uma câmera de realidade virtual. Uma câmera de 360 graus, como uma Orah 4i novinha em folha, sai 2.500 libras, no mínimo. A câmera GoPro de realidade virtual mais barata que há custa cerca de 2 mil libras, ao passo que a Odyssey, câmera premium da empresa, apresenta um piso de 10 mil libras. Sites como Brazzers e Pornhub ganham mais do que já ganhavam com a produção de uma série de pornôs em realidade virtual, mas os estúdios independentes que oferecem experiências em RV ainda estão na retaguarda.

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Lust disse que os estúdios mainstream que trabalham com realidade virtual são quem tem mais dinheiro e que, com a nova tecnologia, a pornografia está fadada a seus velhos padrões, ditados por produtores capazes de realizar suas ideias "conservadoras" de pornografia com a realidade virtual, graças a seu poder econômico.

Mas ela está muito otimista com o potencial da realidade virtual, não só em pornografia, mas como uma grande experiência comercial imersiva, como um todo.

"Pode ser uma maravilha para as mulheres e para as pessoas em geral", disse ela. "Imagine tudo que dá para fazer com a realidade virtual para instigar a empatia. Imagine colocar alguém na posição de uma mulher a pé, a caminho de casa, à noite, perseguida,… É assustador, sim, mas é a realidade de muitas mulheres."

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Lust me contou que planeja implementar tecnologias de realidade virtual em suas produções ainda neste ano, com um entusiasmo inflamado pela pornografia mainstream, que é "terrivelmente estereotipada".

"Quando chegar minha vez, farei questão de incluir os meus valores: criatividade, realismo, diversidade, prazer e a certeza de que há uma narrativa ali", disse ela. "Nosso maior órgão sexual é o cérebro — e ele merece ser estimulado em todos os sentidos. Terei isso em mente quando começar a usar a nova tecnologia."

Por ora, quem utiliza a realidade virtual está focado nos "antigos ideais" de pornografia, só que amarrados à cabeça. Com o tempo, com um mercado mais ávido, capaz que vejamos essa nova tecnologia aproveitar novos ideais, de espectadores de toda parte do mundo.

"Além disso, as mulheres, como consumidoras, representam uma força que merece atenção", concluiu Erika. "Não são só homens brancos e heterossexuais que assistem a pornografia — é preciso oferecer uma seleção mais vasta de conteúdo em realidade virtual por razões comerciais também."

Tradução: Stephanie Fernandes