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Tecnologia

O Plano para Transformar Todos os Smartphones em um Detector de Raios Cósmicos

“Há um bilhão de telefones por aí. Se nós conseguirmos um milhão, dez milhões, podemos ter um novo telescópio, revolucionário.”
Este gráfico mostra como a heliosfera protege a Terra de raios cósmicos. Crédito: NASA/Goddard

Um dos primeiros passos para descobrir de onde vêm os raios cósmicos que bombardeiam a Terra constantemente é detectar onde e quando eles atingem o planeta. Uma dupla de pesquisadores da Califórnia quer tentar uma alternativa de baixo custo para resolver este mistério, através da criação de uma rede com todos os smartphones do mundo, formando um enorme detector de raios cósmicos.

"Há um bilhão de telefones por aí. Se nós conseguirmos um milhão, dez milhões, podemos ter um novo telescópio, revolucionário", disse Daniel Whiteson, da UC Irvine (Universidade da Califórnia em Irvine). "Não é como se desse para fazer isso comprando algumas centenas de telefones, mas não precisamos de um bilhão. É tentadoramente possível."

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Raios cósmicos são explosões de radiação de alta energia que atingem a atmosfera, provocando chuvas de partículas na superfície terrestre. Parece bem claro que os raios cósmicos são emitidos por todo tipo de objeto do universo – buracos negros, supernovas, e até o Big Bang – mas entender como e por que eles são emitidos é uma questão mais difícil.

Tentativas recentes de rastrear raios cósmicos, como o Observatório Auger, na Argentina, custam milhões de dólares para serem construídas devido ao preço da infraestrutura de detecção. O Observatório Auger, particularmente, ostenta uma área de detecção mais ou menos do tamanho de Rhode Island (EUA), e expandir essa capacidade é extremamente caro.

Com mais de 1 bilhão de smartphones no planeta, o maior detector de raios cósmicos do mundo já existe

Mas de acordo com Whiteson e Mike Mulhearn, da UC Davis (Universidade da Califórnia em Davis), respectivamente, o silício das câmeras de smartphones pode detectar fótons e muons caindo da atmosfera, como os detectores de Auger e os da CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), onde Whiteson passa a maior parte de seu tempo.

De acordo com a dupla, com mais de um bilhão de smartphones no planeta, o maior detector de raios cósmicos do mundo já existe, e tudo o que precisamos é de um aplicativo para juntar todos os dados. Então, eles desenvolveram um.

Um número obsceno de smartphones, projetado para registrar o número de partículas que atingem a Terra a cada chuva, organizado de acordo com a densidade do aparelho e intensidade da colisão de partículas. Créditos: Whiteson e Mulhearn

O aplicativo da dupla, com versões para iOS e Android, se chama CRAYFIS e funciona como um descanso de tela, mandando dados para seus servidores. O app atualmente está em sua versão beta, exclusiva para testes, e você pode se inscrever para usá-lo no site deles. O sistema foi descrito num artigo que aguarda a revisão do par.

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Quando as partículas da precipitação de raios cósmicos atingem o silício contido na câmera de um telefone, elas deixam traços de energia, que se manifestam como pixels quentes. Por meio da análise dos pixels transmitidos e dos dados de GPS a 30 frames por segundo, quando o telefone está em modo de vídeo, o CRAYFIS aponta precisamente a hora e o local em que o raio cósmico caiu. Segundo as simulações de chuvas de partículas e detecção feitas por Whiteson e Mulhearn, só cinco telefones podem detectar um raio cósmico.

Para atingir 100% de eficiência na detecção, mil aparelhos em rede precisam ser distribuídos em um quilômetro quadrado. Para ultrapassar a atual área de detecção do Observatório Auger, de acordo com Whiteson, "fazendo pressupostos otimistas, parece que precisaríamos de cerca de um milhão [de aparelhos]".

Pixels ativados acima do perfil de detecção num Samsung Galaxy. O tamanho da caixa é proporcional aos valores de resposta dos pixels. Crédito: Whiteson and Mulhearn

As barreiras para a eventual eficácia do CRAYFIS, após a conclusão do período beta exclusivo, são de natureza técnica e social. Segundo Whiteson, espaço nos servidores é a principal barreira técnica. Eles precisam conseguir armazenar e analisar dados de milhões de telefones, e todo esse espaço nos servidores não é barato.

As pessoas estão interessadas o suficiente em contribuir com a ciência para instalar isso em seus telefones?

Whiteson e Mulhearn também precisam descobrir uma maneira segura de armazenar os dados de todos, o que eles esperam conseguir após um longo período beta. Atualmente, o aplicativo pode funcionar em um modo anônimo que não identifica aparelhos e randomiza dados de locação até certo ponto – o suficiente para ofuscar a locação do telefone sem prejudicar a utilidade dos dados.

O fator decisivo no sucesso ou fracasso do CRAYFIS, no entanto, será se as pessoas irão ou não usá-lo de fato. Infraestrutura pode ser comprada e planejada, afinal, mas as pessoas podem ser superficiais e o gosto do público costuma ser inquestionável.

"A maior parte da nossa incerteza é social; as pessoas estão interessadas o suficiente em contribuir com a ciência para instalar isso em seus telefones?", questionou Whiteson. "Será que podemos diminuir a barreira à participação e o custo diário para o usuário até quase zero, para que a pessoa possa dizer, é claro, vou deixar eles verem os ciclos do meu telefone? Não cabe a mim perceber ou me preocupar com isso. É um problema sociológico, acho."

De fato, o futuro do CRAYFIS pode estar à mercê da boa vontade do público de fornecer alguns dados e poder de processamento para o propósito da pesquisa científica. Dados dos telefones já são coletados e armazenados por motivos comerciais, com pouco retorno ao usuário. No caso do CRAYFIS, se for para a frente, o retorno pode ser a descoberta das origens misteriosas dos raios cósmicos.

Tradução: Stephanie Fernandes