​O Plano para Limpar o Maior Vazamento de Petróleo do Mundo com Fungos
​Crédito: Amazon Mycorenewal Project

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​O Plano para Limpar o Maior Vazamento de Petróleo do Mundo com Fungos

Sinto que estou diante de um dos atos secretos naturezas, algo que uma pessoa urbana como eu só deveria ver através da National Geographic.

​O cogumelo do tamanho de um prato rodeia sua árvore-hospedeira como um tumor inchado. Estou prestes a tirar uma foto desta besta quando vejo algo com o canto do olho. Pontinhos quase invisíveis, meio esfumaçados, que lembram carvão fumegante. Neste momento, o fungo libera bilhões de esporos microscópicos.

Sinto que estou diante de um dos atos secretos naturezas, algo que uma pessoa urbana como eu só deveria ver através da National Geographic. Com uma cobertura verde exuberante sobre minha cabeça, o zumbido de insetos e gorjeios de pássaros tropicais preenchendo meus ouvidos, seria um momento digno de Avatar, com exceção de um detalhe chocante: o ar fede à petróleo.

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Isso porque estou de pé sobre um pedaço de terra enegrecido pelo petróleo cru. Estou em Sucumbíos, no nordeste do Equador com Donald Moncayo, agente comunitário da Amazon Defense Coalition. Este local, de acordo com Moncayo, tem uma significância especial. É a primeira de uma série de quase mil fossas de lixo tóxico que poluem esta porção remota da Amazônia Equatoriana, inflamada como feridas abertas sobre a força do sol do Equador.

"Todas as fossas estão em contato direto com a água e o solo", disse Moncayo, que tem levado visitantes em seus "passeios tóxicos" desde o começo dos anos 2000. "Não existem membranas, barreiras, nada. Tudo isso foi intencional."

Estas fossas de lixo tóxico – os locais as chamam de 'piscinas' mesmo – são o legado deixado pela Texaco e sua temporada de 26 anos extraindo petróleo de Sucumbíos. (De lá pra cá, a Texaco virou subsidiária da Chevron.) Os derramamentos tem envenenado o solo, a água, a vegetação e as pessoas da região há mais de 20 anos.

A não mais que dez metros de distância, um dos cogumelos mais impressionantes que já vi – e após anos como ecologista microbiano, já vi o bastante – respira nova vida floresta adentro. Para mim, há algo de inesperado e fortuito nisto, já que viajei à Sucumbíos para encontrar um grupo de cientistas e ativistas que tem a ideia radical de que os fungos são a chave para empoderar as vítimas de um terrível desastre ambiental para que possam limpar suas terras.

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"As petroleiras não ensinam às pessoas soluções para seus problemas, pois isso seria admitir seus erros", disse-me Lexie Gropper, coordenadora da Aliança de Bioremediação e Sustentabilidade de Sucumbíos (ABSS). "Eles preferem pessoas que não tem condições de empreender mudanças."

Mas Gropper crê que a mudança está vindo. Em menos de um ano, a exuberante jovem fluente em espanhol de 24 anos de idade, natural de Atlanta, Geórgia, conseguiu recursos locais e internacionais o suficiente para cimentar a base de uma organização dedicada a melhorar a saúde de pessoas e do ambiente amazônico poluído com o auxílio dos fungos. Uma colaboração entre a organização sem fins lucrativos norte-americana Amazon Mycorenewal Project e o Instituto Superior Tecnológico Crecermas (ISTEC), a única instituição de ensino superior de Sucumbíos, a ABSS pretende, ao longo dos próximos anos, transformar uma humilde universidade agrícola no principal centro de cultivo, distribuição e educação sobre cogumelos do Equador.

O objetivo do projeto? Nada mais nada menos que limpar um dos maiores desastres petroleiros do planeta – usando fungos gigantescos devoradores de petróleo.

Estima-se que existam de 1,5 a 5 milhões de espécies de fungos: leveduras e bolores junto de macrofungos produtores de cogumelos. Trata-se de um clã de bizarras criaturas que passam boa parte de suas vidas invisíveis, transpirando uma infinidade de enzimas digestivas que decompõem os mortos e reciclam elementos para os vivos. Alguns dos fungos usam micélios filiformes para penetrar as menores fendas e fissuras no solo, alcançando nutrientes que trocam então com as plantas por carbono. Quando o micetologista Paul Stamets dá uma de poeta ao falar de fungos, eles os chama de "rede neurológica da natureza", por sua habilidade de entrelaçar as vidas de plantas, animais e do planeta Terra em si. Ele está certo.

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Ao falarmos de dar um jeito nas nossas piores cagadas ambientais, os fungos podem ser uma de nossas melhores chances. Certas espécies, como o cogumelo ostra, produzem enzimas que desmembram os resistentes hidrocarbonetos aromáticos encontrados no petróleo, além de absorverem metais pesados como o mercúrio. Nas profundezas da Amazônia, cientistas descobriram um fungo que devora poliuretano, Nesse interim, Stamets está envolvido em um esforço para a limpeza das terras devastadas pelo acidente nuclear no reator de Fukushima, no Japão, empregando cogumelos que adoram radiação. E estes são só os destaques; a maioria dos especialistas concordam que esta é só a ponta do iceberg do potencial do Reino Fungi.

"Neste momento, simplesmente não se faze ideia de quantos remediadores fúngicos existem por aí, disse Tradd Cotter, cuja empresa da Carolina do Sul, Mushroom Mountain, posiciona-se como o maior centro mundial da micoremediação – o processo de utilizar fungos para se limpar o meio-ambiente. "Todos os fungos podem transpirar metabólitos extracelulares". (Estas são as enzimas, antibióticos e outros fatores biológicos que de fato realizam o tratamento.) "Quando se pensa em 1,5 milhões de fungos no planeta, tudo que pode-se dizer é que existem possibilidades ilimitadas."

E existem poucos lugares na terra que chegam aos pés da necessidade de Sucumbíos por este tipo de tratamento. De acordo com a Amazon Watch, de 1964 a 1990, a petroleira Texaco (agora Chevron) perfurou 350 poços de petróleo por uma área enorme de natureza até então intocada, enquanto despejava 68 bilhões de litros de águas tóxicas (um subproduto da extração de petróleo) diretamente em rios e córregos que as dezenas de milhares de equatorianos indígenas da região usavam para beber, cozinhar, tomar banho e pescar. Quando a Texaco deixou o país, em 1992, ela despejou o resto de seus dejetos – petróleo bruto e demais resíduos tóxicos – nas fossas mortais nas quais me vi vagando, sem qualquer proteção.

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Se pessoas de fora da América do Sul sabem algo sobre a política no nordeste equatoriano, possivelmente trata-se do ação coletiva multibilionária que se deu após a Chevron ter declarado que não indenizaria as vítimas da região expostas à penúria tóxica, e que na verdade "lutaria por isso até o inferno congelar".

Por mais de duas décadas, a gigante do petróleo fez exatamente isso, gastando bilhões de dólares com milhares de advogados para negar e atrasar os procedimentos legais. Quando entrei em contato com a empresa, um de seus porta-vozes negou a existência das fossas tóxicas, afirmando que ela faziam parte de uma "campanha de desinformação de décadas em apoio à fraude judicial no Equador por parte dos advogados dos querelantes tentando extorquir dinheiro da Chevron".

Esta postura fala muito sobre a recente contraofensiva da empresa na batalha legal, cuja base é fazer com que os querelantes – 30 mil agricultores de subsistência e indígenas – pareçam um bando de mafiosos.

"A estratégia da Chevron tem sido jogar sujo", disse Kevin Koenig, da Amazon Watch. "Eles intimam as pessoas, que por sua vez são levadas ao júri e amedrontadas por eles. E esses caras tem todo o tempo e dinheiro do mundo à disposição."

O mesmo não pode ser tido dos milhares de homens, mulheres e crianças que, diariamente, são forçados a beber água que deveria estar em uma estação de tratamento para resíduos tóxicos. Dentre estes, temos a família de Marlene Cabrera, que mora ao lado de um poço de petróleo próxima à cidade de Lago Agrio, um prodígio petroleiro. Quando a visitamos, Cabrera lembrou de como ela não costumava salgar sua comida, porque a água do rio que ela usava para cozinhar era salobra por conta dos resíduos. Seu filho de 16 anos contraiu uma doença rara a qual os médicos acreditam ter derivado da contaminação sofrida por conta do petróleo, quando ele tinha nove anos de idade. Ela viu diversos membros de sua família, sem histórico algum de beber ou fumar excessivamente, morrerem ainda jovens, de câncer. Incontáveis famílias espalhadas pela província ecoam sua história.

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Ao passo em que a batalha legal sitiada chega ao seu 22º ano, comunidades indígenas, apoiadas por um punhado de grupos internacionais dedicados, começaram a tomar as questões em suas mãos. O exemplo mais proeminente é a ClearWater, uma organização cuja missão está clara em seu nome. Em 2011, o cofundador Mitch Anderson organizou uma equipe composta por homens e mulheres advindos das cinco tribos da região. Graças a uma grande doação da Rainforest Fund, de Trudy Styler e outras doações feitas por celebridades, a ClearWater pode fornecer às famílias indígenas sistemas sofisticados de captação de água da chuva para remoção de bactérias e filtração de metais pesados e hidrocarbonetos de petróleo.

"O propósito da ClearWater é fornecer as necessidades básicas da vida à pessoas que chamam estas florestas de lar há milhares de anos", disse Anderson quando o liguei, de Quito.

Gropper, que assumiu o cargo de coordenadora de projetos do Amazon Mycorenewal Project no início de 2014, conta-me como a visão da ClearWater voltada para a comunidade e raízes do problema tem servido como fonte de inspiração. Fundado em 2007 por um grupo internacional de bioremediadores, micetologistas e cientistas ambientais, o Amazon Mycorenewal Project, ao longo dos anos, tem gerado expectativas ao demonstrar o potencial dos fungos para desintoxicar o solo e rios pútridos de Sucumbíos. Mas até pouco tempo, a organização não dispunha da infraestrutura local necessária para conduzir estudos à longo prazo e assim criar um impacto duradouro.

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"No papel de voluntaries internacionais, estamos sempre indo e vindo", disse Gropper. "Gostamos de falar aos nativos como eles podem resolver seus problemas, sem pensar muito sobre suas necessidades. Mas até mostrarmos que podemos fazer isto tudo funcionar para a população de Sucumbíos, é como se não tivéssemos feito nada."

Por meio de sua integração com o ISTEC, Gropper crê que o Amazon Mycorenewal Project agora está pronto para criar laços permanentes com as comunidades locais.

"Nossa aliança com um instituto de agricultura equatoriano nos dá muitas oportunidades para crescer", disse Gropper. "É tudo que o Amazon Mycorenewal Project sempre sonhou."

De sua parte, o ISTEC deixou claro que seus novos parceiros são prioridade. A universidade concedeu à organização um local no campus, além de cinco laboratórios para serem usados em testes de água e solo, microbiologia, cultivo de cogumelos e eventualmente produção de fungos em larga escala. Quando visitei o local, os voluntários internacional davam duro para converter os laboratórios vazios em sofisticadas instalações de pesquisa. Eles também estão aprendendo técnicas de cultivo de cogumelos por conta própria e conduzindo os primeiros estudos-piloto que, eventualmente, levarão à criação de uma "biblioteca" de fungos petrolíficos – aqueles com um gostinho por lixo tóxico.

Quando o voluntário norueguês Gudny Flatabø dispôs uma série de placas de Petri sobre a bancada do laboratório, muitas estavam na cor preta, ao invés de sua tonalidade fulva típica. Micélios – as partes filamentosas dos fungos que colonizam superfícies – haviam engolido o ágar contaminado, sem dar a mínima para a toxicidade de seu alimento. Com o passar do tempo, fungos que toleram o espectro de toxinas encontrado nos dejetos de petróleo – benzeno, tolueno, crômio e mercúrio, para citar alguns – podem ser cultivados de forma a tolerarem concentrações cada vez mais altas.

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"É preciso fazer a parte científica básica primeiro, provar que funciona e porque funciona", disse Cotter, também responsável pela supervisão de projetos de miceloremediação no Haiti e nas areias betuminosas de Alberta, além de atuar como conselheiro na iniciativa no Equador.

De acordo com ele, há uma centena de coisas a serem testadas e ajustadas antes que um fungo remediador esteja pronto para ser utilizado, incluindo propriedades físicas como força tênsil e propriedades ecológicas, inclusive como o fungo interage e forma a comunidade microbial nativa. Há também a questão de encontrar remediadores locais – fungos que cresçam naturalmente perto do local do desastre. Assim que as instalações de cultivo estéreis estiverem prontas Gropper planeja isolar fungos locais que já prosperam nos locais contaminados.

"Queremos descobrir quais são os melhores remediadores locais e quais as melhores condições para cultivá-los", disse Gropper. "Então podemos aumentar a produção e criar um sistema de cultivo sustentável que continue anos depois dos voluntários terem partido."

O tratamento fúngico em grande escala é um objetivo a longo prazo, e Gropper sabe que os nativos precisarão de fortes incentivos para comprarem a ideia. Ela espera que, por meio de oficinas e aulas de cultivo, sua organização faça com que os equatorianos se empolguem com o sem-fim de possibilidades oferecidas pelos cogumelos.

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"Acho que os aspectos medicinais e nutritivos dos cogumelos que irão mesmo deixar as pessoas interessadas", disse Gropper.

O nutritivo cogumelo do sol, por exemplo, ajuda nosso sistema imunológico a combater o câncer. O cogumelo reishi, que cresce espontaneamente em Sucumbíos, tem propriedades antibacterianas bastante documentadas.

"Eles tem convivido com esta contaminação há mais de 40 anos", continuou Gropper. "Não estão felizes com ela, mas sim acostumados."

Este fato ficou tristemente claro ao fim de meu passeio tóxico. Além de visitar fossas tóxicas enormes e locais de perfuração, Moncayo nos levou para ver uma fossa "tratada". A Chevron afirma que a Texaco conduziu um tratamento bem-sucedido de 162 fossas em meados dos anos 1990. Outros dizem se tratar de um embuste. Foi preciso que Moncayo cavasse só alguns centímetros em meio ao calor escaldante, calçando luvas cirúrgicas brancas, para encontrar um punhado de lama cor de piche. Ele colocou um tanto da coisa em uma garrafa de água, a balançou e observamos enquanto o petróleo cru flutuava rumo à superfície, brilhando em tons de azul e laranja na luz do sol.

Não muito longe dali, um cacaueiro estava cheio de frutos maduros. Moncayo apontou para ele. "O cacau cultivado aqui, cultivado em locais contaminados, é levado aos mercados em Lago", disse. "Então é misturado ao cacau proveniente de todo o Equador. Este mesmo cacau é exportado para os EUA, Canadá, Europa – todo o mundo."

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Também próximos estavam dois nativos, escavando um novo poço no sol lancinante daquela tarde. De acordo com Moncayo, o poço possivelmente seria para que as pessoas tivessem acesso à água para beber.

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Enquanto estava lá de pé, tonto por conta da desidratação e dos vapores do petróleo, ao lado da última fossa de lodo tóxico do dia, quando Moncayo me disse que tudo havia visto era só uma gota no oceano. "Quando falamos de 30.000 pessoas afetadas, estamos nos referindo somente àqueles próximos ao local da perfuração", disse. "Quando levamos em conta as pessoas afetadas de forma indireta, nos referimos à população total do Brasil. É pra onde toda essa água vai."

Trata-se de um problema quase inconcebivelmente vasto. Mas as pessoas que encontrei morando aqui ainda não desistiram desta terra. Gropper, por exemplo, consegue ver o cultivo de cogumelos dominando toda Sucumbíos e indo além, dando à Amazônia e seu povo uma infinidade de benefícios. Talvez uma micelotopia não seja tanta loucura, no final das contas.

"Justiça não é algo que o governo tem pronta para dar ou que a Chevron tenha em sua conta bancária", disse Anderson. "É algo que a comunidade constrói."

Koenig concorda. "O que é incrível sobre estes esforços que vemos agora é que eles estão transformando pessoas que sempre foram vítimas em uma força e uma solução."

Os fungos, no que lhes toca, não irão à lugar algum. Eles continuarão a crescer, à olhos vistos ou não, colocando seus micélios famintos no solo fétido. Os decompositores terrestres seguirão aqui, muito tempo depois de as pessoas terem decido ou não esquecer o solo envenenado. Talvez, com a sua ajuda, não tenhamos que fazer isso.

Tradução: Thiago "Índio" Silva