​O grande negócio que é montar sistemas de vigilância para plantações de maconha
Nos EUA, o controle da cannabis é mais rigoroso do que o de tabaco e álcool. Crédito: Daniel Oberhaus

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​O grande negócio que é montar sistemas de vigilância para plantações de maconha

Nos EUA, o controle da cannabis é mais rigoroso do que o de tabaco e álcool.

Ao entrar em uma plantação de maconha licenciada no Colorado, nos EUA, a primeira coisa que se nota são os códigos de barras.

Cada planta possui uma etiqueta colorida — azul para plantas recreativas e amarelo para as medicinais — enrolada em seu caule ou enterrada em seu vaso, com código de barras e um chip RFID.

Sobre as plantas, câmeras de segurança vigiam silenciosamente cada centímetro da plantação, 24 horas por dia, sete dias por semana. Os funcionários usam crachás que permitem que um programa de computador rastreie todos seus movimentos. Talvez você encontre um inspetor da Divisão de Controle da Marijuana, que de tempos em tempos visita o local, sempre de surpresa, para verificar se a quantidade de flores produzidas na plantação está de acordo com os dados arquivados no sistema estadual.

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Bem-vindo, visitantes, ao estado de vigilância da maconha, uma indústria multimilionária responsável por transformar o mercado paralelo favorito da América em uma das commodities mais regulamentadas do mundo comercial atual.

A justificativa por trás desse sistema de vigilância é bem simples. Como a maconha ainda é considerada ilegal pelo governo federal, cabe aos estados onde a planta é legalizada provar que a legalização não beneficia o mercado ilegal. Para evitar problemas com o DEA (sigla para "Órgão para o Controle das Drogas"), cada estado precisa estar sempre ciente da localização e distribuição de sua maconha, provando assim que suas operações funcionam dentro de um "circuito fechado" ou, em outras palavras, que a maconha não está sendo vendida em outros estados.

"Creio que escolhemos uma abordagem semelhante à utilizada pela indústria farmacêutica e do álcool, já que criamos o software de fiscalização da cannabis com o objetivo de cumprir a lei", disse David Dinenberg, presidente da Kind Financial, ao Motherboard. "Nosso software impossibilita o desvio de produtos — sempre que alguém entra nele, seja usando impressão digital ou senha, fica registrado. Nunca deletamos dados. Ficam guardados pra sempre."

Formalmente, o sistema de fiscalização da cannabis descrito por Dinenberg é conhecida como rastreamento semente-até-venda, que, como seu nome indica, é responsável por rastrear uma planta de maconha desde seu cultivo até sua venda em uma loja licenciada. Esses sistemas medem o peso dos produtos derivados da maconha de forma extremamente precisa, registrando cada movimento da planta — da estufa à sala de floração, da flor à destilação.

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Em 2011, o Colorado tornou-se o primeiro estado a aprovar a lei que decretou a obrigatoriedade do sistema de fiscalização da cannabis. Ela entraria em vigor dois anos depois, com o lançamento do sistema de Acompanhamento, Controle, Conformidade e Rastreamento da Marijuana (METRC, na sigla original). O METRC, um sistema de gestão de conformidade criado pela empresa de softwares Franwell, permite que a Divisão de Controle da Marijuana monitore milhares de pés de maconha ao longo de todo a cadeia de produção. Embora o METRC tenha sido criado para atender as necessidades legais do estado do Colorado, ele é hoje utilizado por quatro governos estaduais (Colorado, Alasca, Maryland e Oregon) no controle da venda recreativa e medicinal da maconha.

O METRC oferece programas de monitoramento voltados para o governo, ao contrário das duas outras maiores produtoras de softwares semente-até-venda, a MJ Freeway e a BioTrackTHC, cujos produtos são voltados tanto para o setor privado quanto o público. A MJ Freeway foi fundada em 2010 com o objetivo de monitorar a produção de cannabis, enquanto a BioTrack, fundada em 2007, atendeu o mercado de monitoramento de serviços farmacêuticos até 2010, quando seus serviços se voltaram para o monitoramento da maconha. Hoje, a BioTrack domina o mercado de semente-até-venda, com cinco contratos estaduais (em Washington, Novo México, Illinois, Nova York e no Havaí).

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Até o momento, apenas nove contratos estaduais foram firmados, o que significa que outros 19 estados ainda não contrataram nenhum sistema de fiscalização semente-até-venda. Cada um desses estados terá que implementar algum tipo de sistema de rastreamento antes de começar a vender maconha legalmente. Isso motivou a entrada de várias empresas no mercado, incluindo a Kind Financial, que se uniu à Microsoft em junho para criar um sistema semente-até-venda voltado para produtores e revendedores de maconha.

"A Microsoft já atende o setor público", disse Dinenberg. "A ideia era continuar atendendo o governo, mas eles não tiveram a capacidade de elaborar um sistema de rastreamento de cannabis. Por sorte, nós fomos escolhidos para desenvolver esse produto."

Crédito: Daniel Oberhaus

A entrada da Microsoft no já competitivo mercado de softwares de fiscalização da cannabis é um atestado da rentabilidade desse mercado. Os contratos de cinco anos entre o METRC e os estados de Colorado e Oregon chegaram a US$1.2 mihões e US$1.7 milhões, respectivamente. Além disso, a venda das etiquetas RFID, que custam 50 centavos a unidade, adicionaram mais alguns milhões de receita a esses contratos.

A BioTrack, por sua vez, disputou o contrato do estado de Washington com outros 22 concorrentes (incluindo a Xerox). O contrato valia US$750.000, com mais US$250.000 anuais para manutenção do sistema. Mas para empresas como a BioTrack e a MJ Freeway, que também atendem o setor privado, a verdadeira fonte de lucro são os contratos anuais com revendedores e produtores de maconha, que pagam taxas entre US$200 e US$500 para utilizar seus softwares.

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A Kind Financial espera que sua parceria com a Microsoft revolucione a indústria de vigilância da maconha, reunindo uma variedade de serviços essenciais em um só produto. Além de ter acesso à Azure, serviço de nuvem da Microsoft, e a um software de ponto de venda que atende revendedores de maconha, a Kind também desenvolveu seus próprios quiosques para varejistas de marijuana.

Esses quiosques permitem que os pontos de revenda de cannabis recebam pagamentos sem ter que lidar com dinheiro vivo— ao invés disso, o dinheiro depositado no quiosque é coletado por uma empresa terceirizada e levada até um banco. Devido às questões jurídicas que cercam a indústria da maconha, os bancos tendem a evitar esse mercado; mas a presença de uma terceira parte mediando esse processo garante que os dois lados do acordo sejam cumpridos.

"Essa indústria é marcada por um grande estigma", disse Dinenberg. "A única forma de sermos levados a sério é agindo como outras indústrias, e o único caminho para isso é através da fiscalização e da tecnologia."

Apesar da ênfase dos desenvolvedores de softwares no aspecto jurídico de seus sistemas, muitos acreditam que a regulamentação excessiva prejudica os pequenos produtores de cannabis, em especial pais e cuidadores que plantam pequenas quantidades de maconha para uso medicinal.

Crédito: Daniel Oberhaus

Como a indústria da maconha é extremamente regulamentada, segundo o governo, a única fonte de "escoamento" para o mercado negro seria o cultivo amador. Foi sob essa justificativa que a Suprema Corte Americana permitiu, em 2005, que o governo federal processasse produtores amadores mesmo em estados onde o cultivo da cannabis é legalizado.

O problema é que nem todo pequeno produtor é um traficante, o que significa que muitos deles podem acabar sendo punidos caso o direito de plantar maconha para cultivo próprio seja revogado ou simplesmente excluído do processo de legalização da droga.

No fim, a parte mais curiosa do estado de vigilância da maconha é que ele é muito mais rigoroso do que os mecanismos de controle de produtos mais perigosos como o tabaco e o álcool. Mas de acordo com Dinenberg, essa regulamentação não irá mudar tão cedo, ainda que a maconha seja legalizada em nível federal.

"Acredito que a indústria da maconha ou irá continuar como está ou ficará cada vez mais controlada [caso a maconha seja legalizada em todo o país]", disse Dinenberg. "Não acho que agir em conformidade com a lei seja um problema. Não é sensato esperar que a maconha seja simplesmente comprada, vendida e cultivada. Essa indústria continuará sendo altamente regulamentada pelos próximos anos."

Tradução: Ananda Pieratti