Assinamos o Acordo de Paris. E daí?
O Secretário de Estado John Kerry diante de líders mundiais, sexta-feira passada. Créditos: Spencer Platt/Getty Images

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Assinamos o Acordo de Paris. E daí?

Líderes mundiais enfim assinaram um tratado histórico sobre a mudança climática. Agora só falta um detalhe: remodelar a economia global.

Líderes mundiais enfim fecharam um tratado histórico sobre a mudança climática. Agora só falta um detalhe: remodelar a economia global


"Estou na linha de frente do sofrimento das mudanças climáticas", me disse Assaad Razzouk na sede das Nações Unidas, em Nova York, sexta-feira passada.

Razzouk, o perspicaz CEO da Sindicatum, desenvolvedora de energia sustentável sediada em Cingapura, tinha acabado de rechaçar a Wall Street por enfiar a cabeça na areia em vez de peitar o impacto dispendioso das mudanças climáticas.

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O local — um saguão para coletivas de imprensa escondido nas profundezas da sede das Nações Unidas, um labirinto institucional — fazia forte contraste com a grandiosidade do outro lado do prédio, onde um monte de líderes mundiais, dignitários e celebridades proeminentes celebrava o Dia da Terra com poses virtuosas e promessas para não deixar o mundo ruir.

Eis onde estamos na corrida para mitigar os efeitos catastróficos da mudança climátrica: líderes mundiais finalmente assinaram um tratado histórico sobre a mudança climática. Agora só falta um detalhe: remodelar a economia global.

QUEM ESTÁ PAGANDO PELO CLIMA?

Na sexta-feira passada, representantes de 175 nações assinaram o Acordo de Paris, que delineia as emissões voluntárias de carbono e metas climáticas do mundo. Sem dúvidas, é um passo crucial no debate sobre o clima. Nas últimas décadas, os ativistas climáticos depositaram as esperanças em uma série de tratados precursores que parecem mais romances escritos por Robert Ludlum — o Protocolo de Kyoto, o Acordo de Copenhague, o Plano de Ação de Bali, e daí adiante. Agora, é a vez do Acordo de Paris, que chama a atenção por ser a primeira vez que a vasta maioria das nações do mundo assina um documento assumindo a necessidade de manter "a temperatura média global a menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais", com o objetivo de permanecer abaixo do 1,5ºC para não ter de lidar com consequências desastrosas no futuro.

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"Our planet cannot be saved unless we leave fossil fuels in the ground" said @LeoDiCaprio at #ParisAgreement signinghttps://t.co/50ERkZ4oZ4
— UN Climate Action (@UNFCCC) 22 de abril de 2016

"Não dá para salvar o planeta sem deixar os combustíveis fósseis no solo", disse @LeoDiCaprio na conferência do #AcordoDeParis

Fui lá conferir o debate em torno do tratado entre as Nações Unidas. O evento do acordo em si foi tão amontoado que nem me dei ao trabalho de assistir ao vivo; agora, estou chateado por ter perdido as observações de Leonardo DiCaprio. No entanto, fui convidado para um "almoço de alto nível", no qual vivenciei a experiência surreal de comer robalo a uma mesa de distância do ditador zimbabuano Robert Mugabe, que esboçou caretas horas antes, virado de costas, enquanto o prefeito de Nova York Bill de Blasio fazia piadas sobre reunir a elite do mundo. É o circo diplomático de sempre: apertos de mão, pronunciamentos grandiosos de figuras influentes para um auditório repleto de pessoas influentes, vinho em plena tarde.

Embora a imagem mais marcante do evento seja o aglomerado de 175 líderes mundiais fazendo breves observações e assinando um papel, a conversa nos corredores das Nações Unidas e em conferências menores girou menos em torno do simbolismo do evento e mais no fator central do problema climático e de sua solução: dinheiro.

"Para os países da linha de frente das mudanças climáticas, parece que a COP 21 e a COP 22 são coisa de uma Wall Street de minissérie da HBO", disse Razzouk, dando a entender que as duas maiores conferências sobre mudanças climáticas não abalaram muito a comunidade de investidores. "Há uma tremenda lacuna de investimento entre os objetivos aspiracionais de um número recorde de países e os fundos de investimento aplicados na construção de infraestrutura para energia limpa ao redor do mundo."

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Razzouk conversa com a imprensa. Créditos: Pacific Press/Getty

As observações de Razzouk representam um contingente empresarial enfático, que busca mais investimentos em infraestrutura sustentável para os mercados dinâmicos, de rápidas transformações, antes que esses mercados se atolem em negócios com muito carbono, conforme a dança habitual do crescimento corporativo. Embora a visão coletiva dessas empresas costume ser o fio condutor de discussões pragmáticas sobre o clima, e embora sigam batendo o martelo no óbvio — "já que vamos crescer, de qualquer forma, então devemos crescer com sustentabilidade" —, desta vez fizeram isso em uma coletiva de imprensa intimista, no meio de um dos maiores marcos do ano em discussões climáticas.

Por mais que entrar em acordo quanto aos perigos do aquecimento global seja uma mensagem potente para o mundo, está claro que fazer algo de fato a respeito do aquecimento requer uma reformulação completa da cartilha mundial de negócios. Mais vago ainda é como e quando isso vai acontecer. Em suma, o Acordo de Paris jamais funcionará se os setores empresariais e financeiros não pularem no barco.

INÉRCIA CLIMÁTICA

"É uma vitória por uma série de motivos, uma vitória para todos nós", disse Ban em uma de suas declarações para os convidados do almoço. "Agora, precisamos passar das aspirações climáticas para implementação e ação. É por isso que estamos aqui hoje."

Naturalmente, portanto, as autoridades públicas focaram em vender o Acordo de Paris como uma oportuinidade. Mais tarde, de pé em frente a dezenas de figuras poderosas eminentes com uma saladinha no prato, na Sala de Jantar das Nações Unidas, o antigo vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore se pronunciou e prometeu, em tom jocoso, ser breve para que todos nós pudessemos curtir logo o prato principal. Em seguida, ele admitiu, como o Secretário Geral das Nações Unidas Ban Ki-moon e o presidente francês Françoise Hollande também admitiram, que os governos precisam se mexer mais para apoiar e financiar uma mudança rumo a uma economia neutra em carbono. Pouco depois, Mugabe, no alto de seus 92 anos de idade, promoveu um brinde em sua mesa.

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O presidente do Zimbábue Robert Mugabe (no centro) assiste ao discurso do prefeito de Nova York Bill de Blasio. Créditos: Derek Mead

O Acordo de Paris só será posto em prática se pelo menos 55 nações, representando 55 por cento das emissões globais de carbono, ratificarem o tratado; 15 nações-ilhas pequeninas já o fizeram, ao passo que os Estados Unidos e China, que totalizam aproximadamente 38 por cento das emissões globais de carbono, prometeram fazê-lo ainda neste ano. (Embora o presidente Obama possa ratificar o acordo com um decreto, os republicanos do congresso americano já resmungaram que vão combater o tratado. Caso um candidato republicano vença as eleições presidenciais americanas no final deste ano, o envolvimento dos Estados Unidos no Acordo de Paris pode ser revertido. Já a China prometeu manter o acordo, pelo menos foi o que disse a agência de notícias Xinhua, administrada pelo governo do país.)

O próximo passo é esperar todas essa nações ratificarem mesmo o acordo, o que requer politicagem local e muitos debates, enquanto as nações decidem quais serão suas contribuições para a redução de carbono. E mesmo assim, para transformar o Acordo de Paris em ações significativas, não basta só desmamar as maiores economias do mundo de infraestruturas e investimentos ancorados em combustíveis fósseis. Também é preciso impedir as economias em desenvolvimento de fazerem o mesmo.

O sentimento dos líderes e espectadores da cerimônia do tratado, e dos eventos contíguos, era de anseio, pois ficou claro que, enquanto não for colocado em prática, o Acordo de Paris será um documento simbólico. E mesmo se for ratificado, tudo que o tratado demanda é que as nações vinculadas estipulem metas próprias de carbono, o que soa como a boa e velha política climática, totalmente alheia. Enquanto isso, as economias em desenvolvimento correm para fechar a lacuna de riqueza que as separam das nações mais ricas — corrida que ameaça estimular as mudanças climáticas, a não ser que recebam apoio para fazer o que as nações desenvolvidas não precisaram fazer: crescer com a emissão de carbono em mente.

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O ALTO CUSTO DO CARBONO

Embora a produção de petróleo nos Estados Unidos deva descrescer com o uso de carvão, e a China esteja se esforçando para reduizir a dependência do carvão, manter-se "bem abaixo" de um aumento de 2ºC até 2100 não implica apenas reduzir drasticamente as esmissões de carbono dos grandes produtores atuais, como implica também prevenir que economias em desenvolvimento se tornem produtores massivos.

"Precisamos ter em mente que há uma baita injustiça em jogo, no caso das mudanças climáticas, que afeta principalmente os países e comunidades menos responsáveis pelas emissões", disse Mary Robinson, uma das vozes mais fortes do mundo em prol da justiça climática.

Segundo os líderes presentes na sexta-feira, desacelerar as mudanças climáticas demanda as duas coisas que, tradicionalmente, representam as maiores barreiras para os mercados: estabelecer um preço uniforme de carbono — de preferência, 100 dólares por tonelada métrica, segundo a diretora executiva do Pacto Global das Nações Unidas Lise Kingo — e destravar investimentos públicos e privados significativos em desenvolvimento de infraestrutura ao redor do mundo.

O Acordo de Paris é "um sinal claro, para os mercados, de que precisamos de 100 por cento de participação das empresas e comunidades de investidores", disse Kingo em uma coletiva de imprensa.

"Estamos prestes a alçar uma grande riqueza climática, mas os proponentes dessa riqueza climática são, invariavelmente, pequenos e desfavorecidos."

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Muitas nações em desenvolvimento não apenas enfrentam os efeitos sobrecarregados dos efeitos deletérios — segurança alimentar, desastres naturais, transformações metereológicas bruscas — das mudanças climáticas, como trabalham para crescer sem poder contar com o apoio significativo de investidores de nações mais ricas, enquanto também sofrem pressões para evitar uma infraestrutura barata com base em combustíveis fósseis, alicerce das nações líderes. (O fato do mundo financeiro ignorar os riscos monetários das mudanças climáticas não é novidade; ano passado, o Banco Mundial advertiu que a "bolha do carbono" atravancaria a economia mundial.)

"Alguns dos países aqui presentes estão construindo, juntos, 2.440 usinas termoelétricas a carvão. Setenta e cinco por cento dessas usinas estão na Índia, China, Indonésia e Filipinas", Razzouk disse. (Enquanto isso, dois terços da energia dos Estados Unidos ainda derivam de combústiveis fósseis.) "De novo, são justamente os países que provavelmente serão os mais atingidos e sofrerão primeiro com as mudanças climáticas. Esse tipo de comportamento, que praticamente motiva todo e qualquer aspecto do sistema estabelecido de energia, precisa mudar."

QUEM ESTÁ SALVANDO QUEM?

Contudo, mesmo se o Acordo de Paris passar pelo processo de ratificação intacto, ninguém garante que servirá de diretriz para as corporações e bancos dos Estados Unidos e da Europa, que já subestimaram os riscos das mudanças climáticas e a oportunidade de desenvolvimento sustentável ao redor do mundo, segundo diversos palestrantes de sexta-feira.

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.@algore: Damage has been done, more damage will occur. But we have opportunity to avoid catastrophic #climatechange pic.twitter.com/3CMEcd5ZeZ
— UN Climate Action (@UNFCCC) 22 de abril de 2016

.@algore: Os estragos já foram feitos, e haverá mais estragos pela frente. Mas ainda temos a oportunidade de evitar uma #mudançaclimática catastrófica 14h54 - 22 Abr 2016

"Estamos prestes a alçar uma grande riqueza climática, mas os proponentes dessa riqueza climática são, invariavelmente, pequenos e desfavorecidos", disse Razzouk. "Quem é pequeno e desfavorecido precisa de inovações técnicas e um custo de capital que permita competitividade. Espero que esses tratados, isto é, o Acordo de Paris e o trabalho promovido pelo pacto global das Nações Unidas, cristalizem a ideia, especialmente para a Wall Street, de que, no fim do dia, os 150 trilhões de dólares em capital que precisam ser aplicados nos lugares certos ainda estão nos lugares errados."

Largar o carbono significa mudanças homéricas na maneira como o mundo faz negócios, mas não significa, necessariamente, que as pessoas não poderão mais enriquecer às custas da economia de carbono. Tanto Razzouk quanto Anne Stausboll, CEO da CALPers, grande fundo de pensão californiano, que exerceu forte influência sobre o movimento de desinvestimento em carbono e aplicação em questões climáticas, disseram que o desenvolvimento de infraestruturas sustentáveis custará pelo menos um trilhão de dólares por ano nos próximos anos.

Laurent Fabius, ex-primeiro ministro da França e presidente da COP 21 de 2015, que serviu de inspiração para o nome do Acordo de Paris, fez muito sucesso com a imprensa francesa antes do presidente Hollande dar uma coletiva. Créditos: Derek Mead

Será que atrair uma resposta significativa à mudança climática basta? Essa é a pergunta que o Tratado de Paris devidamente levantou, mas não é capaz de responder. Há bastante fôlego em torno do acordo, isso ficou claro. Heather Coleman, que conduz as políticas climáticas da Oxfam nos Estados Unidos, contou que "países desenvolvidos confiaram 140 bilhões de dólares" ao desenvolvimento de infraestruturas sustentáveis, e Stausboll disse que, "nesta semana, mais de 100 empresas americanas assinaram uma declaração de apoio ao tratado, prometendo ações rápidas". E, de novo, as principais economias mundiais vêm promovendo uma mudança vagarosa-mas-estável, com mais ênfase em sustentabiliade, respondendo melhor aos riscos financeiros massivos que as mudanças climáticas representam.

Todavia, o destino do clima — e convenhamos, do estado do mundo, se formos parar com a brincadeira um minuto — depende da ratificação do Acordo de Paris por parte de nações que, tradicionalmente, driblam as preocupações climáticas em prol de um crescimento rápido. E mesmo assim, o tratado ainda há de servir como porta de entrada para a implementação de mudanças econômicas locais e globais. É fácil se deixar levar pela pompa da diplomacia quando estamos em um elevador apinhado, entre dezenas de milhares de dólares de ternos, que compõem o séquito de um dignitário. Mas, de repente, lembramos que a tarefa exige uma restruturação completa da cartilha econômica tal como a conhecemos hoje.

"Estamos embarcando em uma nova era de metas de desenvolvimento", disse Emmanuel M. de Guzman, secretário e vice-presidente da Comissão de Mudanças Climáticas das Filipinas. "É um desafio enorme para todo mundo, para todos os grupos de stakeholders. Em áreas rurais, comunidades rurais, se você for ver, ainda usam lenha para cozinhar. As pessoas ficam expostas à poluição em ambientes fechados, ao carbono danoso que causa câncer. Há muito trabalho pela frente. Sem ações da sociedade civil, sem o apoio da sociedade civil em âmbito local, fica muito difícil realizar o que estamos tentando."

Tradução: Stephanie Fernandes