O Flautista no Portão do Inferno: Entrevistamos John Shirley, a Lenda Cyberpunk
Crédito: Kanaka Menehune/Flickr

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Tecnologia

O Flautista no Portão do Inferno: Entrevistamos John Shirley, a Lenda Cyberpunk

Cronista e criador de obras que nos levam além, John Shirley dá forma e vida ao crepúsculo que é o fim do Sonho Americano.

Habitante desse mundo e de outros mundos soturnos, cronista e criador de obras que nos levam além, John Shirley dá forma e vida ao crepúsculo que é o fim do Sonho Americano. Novelista aos 18 anos e aprendiz do autor de Duna, Frank Herbert, de Ursula LeGuin, e de Harlan Ellison, Shirley é o mais próximo de um Edgar Allan Poe que um autor moderno pode chegar.

Shirley também pode levar o crédito (apesar de ele ser relutante em aceitá-lo) pela descoberta de William Gibson – em uma introdução ao livro do Gibson, City Come A-Walkin', Gibson escreveu que "[Shirley] me empurrou tão cuidadosamente em direção ao mundo das histórias quanto um adolescente empurra o outro para dentro de uma piscina". Por causa dessa amizade, e com a fama recente de Gibson como o "novelista cyberpunk original", seus antigos colegas costumam – e talvez deveriam – medir suas palavras.

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Conversei com Shirley sobre a sua arte sombria; sobre seu antigo envolvimento com o movimento psicodélico e seu vício em cocaína; sobre "largar o telefone", e sobre a criação de seu último romance, Doyle After Death.

Motherboard: Como você definiria o "cyberpunk"? Por que esse suposto movimento literário fez tanto sucesso do começo dos anos 80 até a meados dos anos 90 (apesar de sabermos que Duna, do Frank Herbert, Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, do Philip K. Dick e várias obras do William S. Burroughs foram escritas muito antes…)
John Shirley: Tradicionalmente, o cyberpunk se identifica com as ruas, e com um uso especialmente urbano da tecnologia. Quando falo sobre as ruas, estou falando sobre os pobres, os malandros, os bandidos, os boêmios, os excluídos da sociedade. As pessoas falam sobre agências de vigilância usando drones – mas drones também podem ser usados por traficantes para ficar de olho na polícia. Qualquer um pode encomendar um bom drone com câmera na internet! Eu acabei de ver alguém usando um "drone civil" em um parque.

O cyberpunk também é um tom. Ele é muito urbano, muito distópico, mas também fala sobre a coragem necessária para enfrentar um mundo distópico. Também existe uma coisa meio trans-humanista no movimento – pessoas se fundindo com a tecnologia.

Philip K. Dick foi, sem dúvida, uma grande influência; assim como Cordwainer Smith, Samuel Delany, John Brunner e Ballard. Eu diria que as influências do cyberpunk também incluem autores fora do gênero, como os beatniks, William Burroughs, ou poetas mais ousados como Baudelaire e Rimbaud. Nisso também entram o rock progressivo e movimento gótico – as vertentes mais inteligentes do rock, em geral – e música eletrônica. Gibson e Sterling adoravam escutar Sisters of Mercy juntos… E se alguém quiser ler um pouco da minha prosa cyberpunk, o livro ideal seria A Song Called Youth, que é uma trilogia de romances cyberpunk, lançada em um volume único pela Prime Books. Não resisti a fazer esse jabá.

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Você conheceu o William Gibson, cujo livro, Neuromancer, é constantemente considerado o romance cyberpunk. Gostaríamos que você explicasse o seu papel no sucesso de Gibson.
Conheci Gibson em uma convenção onde nós éramos os únicos que sabiam a diferença entre Edgar Rice Burroughs e William Burroughs. Durante a discussão, notamos que nós dois costumávamos citar artistas surrealistas específicos e bandas como o Velvet Underground. Nós também conversamos um pouco sobre drogas. Mas não posso falar nada sobre o seu histórico de uso… [ Nota do Editor: Shirley nos escreveu mais tarde, dizendo que: "Gibson teve algumas experiências corriqueiras com substâncias psicotrópicas, mas nunca foi um grande fã de drogas. Hoje em dia, ele nem bebe álcool."]

Então nós logo percebemos que éramos parecidos, dois "excluídos" do mundo da ficção científica. Eu era vocalista de uma banda punk chamada Sado-Nation, e Gibson veio nos assistir. Ele tirou uma foto minha no palco que foi publicada na Heavy Metal (a revista de HQs que também tinha uma seção de críticos de arte). Ele passou a noite no sofá da nossa casa enorme, fedorenta e terrivelmente suja, nossa comunidade punk rock em Portland, e disse que quase congelou durante a madrugada.

Shirley quando novo, fotografado por Marc Laidlaw. Imagem cortesia de John Shirley

Ele escreveu um pouco sobre mim na introdução do meu romance City Come A-Walkin', e em outros lugares também. Eu me considerava o Lou Reed do cyberpunk, e o Gibson, o David Bowie. Ah, as fantasias da juventude…

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Algum tempo depois nós começamos a trabalhar em ideias de filmes, e algumas delas foram lidas, mas não filmadas – bem, uma adaptação da história "The New Rose Hotel" foi produzida, mas nós decidimos não colocar nossos nomes nos créditos. Nesse link vocês podem ler um relato de como meu livro Black Glass nasceu de um script meu e do Gibson (Mais tarde ele me deu todos os direitos legais do livro – simplesmente me deu tudo).

Eu e Gibson perambulamos pela East Village algumas vezes nos anos 80, observando e sentindos os cheiros da região. A Alphabet Town, como era conhecida, ficava a um quarteirão de distância de onde eu morava. Havia muitas pessoas em filas nas portas dos prédios, esperando para bater em portas com pequenos buracos, onde eles compravam heroína em saquinhos marcados com símbolos de diferentes "marcas". Nós observávamos esse tipo de coisa. Lembro de ouvir por aí que as pessoas que trabalhavam nesses centros de distribuição de heroína recebiam benefícios como férias e plano de saúde!

Gibson gostava muito de Leonard Cohen naquela época, e dá pra ver um pouco das letras do Cohen na prosa do Gibson. Ele também curtia John LeCarre, John D. MacDonald e Thomas Pynchon; assim como a alta ficção científica, como Ballard e Delany. A gente escutava bandas como The Birthday Party e Sisters of Mercy.

Ele havia publicado algumas coisas na UnEarth Magazine, antes de a gente se conhecer. Mas eu ajudei muito na fama do Gibson, porque enviei o manuscrito de uma de suas primeiras histórias cyberpunk boas para a revista OMNI, dizendo "Leia isso!", e eles a publicaram.

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A publicação na OMNI foi o primeiro passo. O segundo foi o Neuromancer. E quem publicou Neuromancer? Terry Carr comprou os direitos para publicá-lo pela Ace Special… e quem falou sobre o Gibson para ele? Eu. Eu recomendei que ele comprasse os direitos de algum livro dele. É isso!

Gibson também me ajudou muito – ele me colocou como colaborador em sua primeira coletânea de contos, dedicou Neuromancer para mim e para Bruce Sterling e me arranjou um agente em Hollywood.

Aos 26 anos você já tinha alguns livros publicados (Transmaniacon; Dracula In Love), e City Come A-Walkin' foi lançado quando você tinha 27 anos. Esse é um bom número para essa idade, quando a maioria dos escritores estão entrando no ramo e "encontrando seu caminho". Você chegou a "estudar a arte da escrita", ou será que Deus - ou qualquer outra entidade – simplesmente te abençoou?
Eu escrevi meu primeiro romance aos 18 anos; o livro, Dracula in Love, foi publicado como meu segundo romance. Escrevi Transmaniacon aos 20 e poucos anos. Demorei um pouco para publicá-lo.

Eu costumo internalizar coisas bem escritas. É como meu cérebro funciona, com esse tipo de absorção, então eu me ensinei lendo bastante, lendo todo tipo de coisa. Depois fui para workshops de escritores, o Workshop Clarion para Escritores, onde escritores como Ursula LeGuin, Robert Silverberg, Harlan Ellison, Frank Herbert, Avram Davidson e Terry Carr davam aulas por seis semanas, um autor por semana. Fui "workshopado" impiedosamente por autores da minha geração e pelos grandes profissionais. Gus Hasford, que escreveu Full Metal Jacket, era um dos estudantes, na época, e Vonda McIntyre também.

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Eu era muito novo – e certo dia tomei um ácido, corri como um lunático pelo campus da Universidade de Washington e pulei de cima de uma árvore em cima do Harlan Ellison… Eu não costumava ficar chapado lá; eu era estranho naturalmente. Sempre fui.

De qualquer forma, Damon Knight e Kate Wilhelm também me ajudaram bastante no Workshop Damon Milford. Eu aprendi com o tempo, errando várias vezes e escrevendo coisas que ninguém deveria escrever. Eu me dediquei a experiências literárias ilusórias e delirantes. Daí veio meu livro High, que foi lançado recentemente como um ebook.

EU NÃO COSTUMO ESCREVER SOBRE EXPERIÊNCIAS COM DROGAS. EU COSTUMO ESCREVER SOBRE A VIDA: COMO ELA É HOJE, OU COMO SERÁ NO FUTURO.

O rock também foi uma grande influência. Por muito tempo o meu trabalho como escritor era uma forma de sustentar as minhas bandas em Portland (Sado-Nation) e Nova York (Obsession). Eu era o letrista e vocalista das duas bandas, e ainda mexo um pouco com isso. Ainda escrevo letras para o Blue Oyster Cult. A música era, de alguma forma, parte de todo o movimento.

E quanto aos conselhos… É difícil dar conselhos agora, na minha opinião, pois o mercado está muito diferente. Quando eu comecei a escrever, haviam muitas editoras de paperbacks, e muitos editores dispostos a ler manuscritos. Hoje em dia é difícil convencer alguém a ler um manuscrito. Alguns dos escritores da velha-guarda estão guardando, com muito desespero, romances muito bons no fundo de suas gavetas. Nem eles, com seus ótimos históricos profissionais, conseguem aprovar seus manuscritos. Às vezes alguns autores dão sorte com a autopublicação, mas na maioria das vezes não dá certo. Eu nunca tentei.

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É um pouco mais fácil publicar contos, então esse é um bom ponto de partida… Talvez tentar entrar no ramo das graphic novels, com a ajuda de um bom artista? E a partir daí, pular para os roteiros de filmes? É possível ir para convenções e falar com agentes e editores. Se eles gostarem das suas ideias, talvez você tenha uma chance. Tente pensar em algo que seja chamativo, mas que ainda não tenha sido feito. Leia muito. Seja razoavelmente letrado, tenha um bom conhecimento de gramática, escreva frases precisas e genuínas. Se você não gosta de ler, não tente escrever.

Quais autores te inspiraram, te fizeram ir para frente, no início? E como você se interessou por mundos paralelos/alternativos/futurísticos (temas, em sua maioria, bem sombrios)? Quem te inspirou e gerou aquela sensação de "sim, é isso que eu quero fazer"?
Muitas pessoas me influenciaram, mas acho que tudo começou com o Harlan Ellison. Gente como o Robert Sheckley e o R.A. Lafferty, também. Ellison tinha uma energia latente que me incentivou. Ele tinha uma autoridade elétrica em sua escrita, e isso me empolgava. O escritor faminto dentro de mim entendia aquilo.

Eu me identificava com seu ponto de vista: sombrio e com uma atitude sutilmente satírica. Sua vontade de criar sua própria versão da literatura fantástica me interessava. Ele escreveu obras de ficção científica, como o conto I Have No Mouth, and I Must Scream; mas na verdade, ele era uma alegoria (não-intencional!) gnóstica. Muitas de suas obras fantasiosas estão mais para um realismo fantástico urbano. Eu gostava do fato de ele criar seu próprio gênero, e é isso que eu tenho feito desde então.

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Kurt Vonnegut também me empolgava; sempre gostei de sua capacidade de fazer afirmações simbólicas claras e da sua força narrativa. Ele não ligava para gêneros. Ele escrevia o que dava certo.

Você foi aluno do Frank Herbert, cujo livro Duna é, até hoje, o livro mais doidão que eu já li. Suas obras me fizeram perceber de cara que ele era um dos mestres. Ele estava claramente ocupando um espaço que não era apenas de "um escritor", mas um espaço dentro de uma psicologia própria, que não pertence à Terra. Existem alguns rumores na internet de que ele era um entusiasta dos cogumelos alucinógenos. Isso é verdade? Você pode esclarecer esse assunto?
Lembro que Frank Herbert costumava dizer que cogumelos traziam inspiração. Muito da inovação de Duna veio dessas experiências, sim. Frank Herbert foi um dos meus professores no Workshop Clarion para Escritores. Eu não atribuiria muito de sua obra à suas experiências com drogas, já que ele sempre foi um escritor de ficção científica muito talentoso e um mestre da extrapolação. No entanto, a ideia de presciência presente em Duna pode ter vindo dos psicodélicos.

Você já disse que não usa drogas atualmente; por "atualmente" entende-se que você já as usou algum dia. Estou interessado em como (ou se) as drogas psicodélicas foram importantes para a coalescência de ideias que inspiraram suas primeiras obras cyberpunk/neo-futuristas. Como romancista, escritor de contos e louco por psicotrópicos, gostaria de saber: como o LSD e os cogumelos ativaram sua criatividade e te inspiraram a escrever?
Eu já escrevia antes de experimentar essas drogas – já havia publicado algumas coisas em revistas underground na adolescência – mas elas me afetaram, com certeza. Essas substâncias estimulam as ideias e os insights, e ocasionalmente, algumas dessas ideias apareceram em minhas obras. Eu tentei reproduzir essa vibe ou "energia" psicodélica várias vezes.

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Eu me lembro de uma sensação muito específica de comunicação corporal elétrica, e também uma sensibilidade tátil, enquanto fazia sexo doidão com minha namorada, e isso foi algo que inseri em minhas cenas de sexo. E como eu era jovem, eu internalizei muito dessa experiência.

Eu não uso mais drogas. Eu até fumaria maconha, mas ela não faz eu me sentir muito bem. Ah, talvez eu coma alguns cogumelos no futuro, e eu penso em tomar DMT uma única vez. Mas eu já senti o que essas experiências nos fazem sentir – não preciso ficar chapado para sempre.

Meu livro City Come A-Walkin' é em parte uma obra sobre minha ideia de cidades como organismos com mentes próprias, cada uma com sua própria mente inconsciente e coletiva, e eu desconfio que essa ideia surgiu quando tomei mescalina em um show de rock e vi essa conectividade orgânica, a física da comunhão pelo rock… e mais tarde eu transferi essa ideia para os movimentos de carros e pessoas em uma cidade.

Algum tempo depois eu descrevi as sensações do meu personagem Rickenharp, da trilogia A Song Called Youth, após ele tomar uma droga imaginária, uma mistura de psicotrópico/cocaína chamado Blue Mesc. Uma visão que eu tive enquanto doidão, da consciência expandida do universo, também está presente em livros como o The Other End.

Mas eu não costumo escrever sobre experiências com drogas. Eu costumo escrever sobre a vida; como ela é hoje, ou como será no futuro. Eu tento observar tudo pelos olhos de uma consciência superior. Parte disso veio das drogas, mas muito do que penso, agora, vem da meditação.

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Drogas viciantes e os horrores do vício são temas recorrentes em meus livros – eu fui viciado em cocaína por um tempo. Esses temas estão presentes em Black Butterflies e no romance Wetbones. Em A Song Called Youth, temos a cena do "Seis Tipos de Escuridão", na qual um cara injeta a essência psíquica/psicológica de seu melhor amigo. Ele literalmente usa seu melhor amigo!

Já satirizei a metanfetamina e seus doidões em meus livros Demons e Everything Is Broken. Eu me considero anti-metanfentamina; ao menos que o uso dessa substância seja receitado para o tratamento de narcolepsia.

E sobre as drogas que já usei – na minha época eu tomei ácido, comi cogumelos, fumei haxixe e ópio (uma vez), e achei essas experiência construtivas, em sua maioria. Acredito que as drogas podem ser utilizadas de forma inteligente. Mas eu não acredito em usar drogas em excesso. Acho que o MDMA puro pode ser utilizado de forma terapêutica, mas acho arriscado utilizá-lo de forma. Na verdade, essas drogas quase nunca são o que o traficante diz que são.

O site Pop Matters publicou uma citação sua que dizia que "…permitimos que pessoas burras como portas tenham filhos. É o mesmo que dar uma arma carregada para uma criança. Vivemos em um mundo sombrio, e os escritores devem representar isso. Para caminhar pela escuridão, você tem que encará-la antes…"

Eu concordo com esse ponto de vista. Você também falou publicamente – mais notavelmente em uma apresentação do TED, em 2011, na Bélgica sobre como acredita que o aquecimento global é um dos maiores perigos à humanidade atualmente.

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Vou te provocar um pouco e perguntar se "nós" (a humanidade) somos burros demais para controlar nossa taxa de natalidade, tontos demais para entender que estamos poluindo nós mesmos e aos nossos vizinhos; que nós somos, na verdade, um parasita ridículo sugando a Terra, e que o planeta irá nos eliminar eventualmente – e com muita razão – e voltar ao seu estado natural em dois ou três mil anos, destruindo todos sinais da nossa existência. O que você pensa sobre isso?
Eu recomendo a leitura do meu texto sobre os próximos 50 anos. Acredito que a mudança climática, que no caso, está ocorrendo por causa da humanidade, é só uma das facetas do problema ambiental. A sobre-pesca, a toxificação dos mares, o uso de pesticidas e herbicidas, remédios de tarja preta na água, o fracking, a poluição do ar, a comida tóxica, a destruição dos habitats naturais, o desaparecimento das abelhas – está tudo convergindo. E nós sofreremos as consequências por centenas e centenas de anos.

Eu acredito que a humanidade irá sobreviver – não como em Mad Max 2, ou como os Morlocks de The Time Machine – mas eu acho que vamos vivenciar consequências sociais terríveis. Teremos fomes sem precedente, e um maior risco de guerras – eu prevejo uma Terceira Guerra Mundial na segunda metade desse século, mas não acho que será uma guerra nuclear – acredito que iremos sofrer tanto que seremos forçados a mudar, se quisermos nos adaptar.

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A população da Terra pode decair de 9 bilhões para, digamos, 4 bilhões muito rapidamente. Bilhões podem morrer. Mas acho que a humanidade irá sobreviver, e até mesmo prosperar, eventualmente. Para cada humano ganancioso existe pelo menos uma pessoa que quer fazer a diferença, que quer ajudar, que quer mudar as coisa para melhor e que está disposto a cooperar.

Não pude deixar de notar que a resposta do público do TED à suas afirmações prescientes e irrefutáveis foi basicamente o silêncio. Falando como parte do público do TED, achei essa reação impressionante e muito significativa. Ficou claro que eles não queriam ouvir sua mensagem, o que reitera minha própria opinião cínica: que pelo menos 90% dos humanos fazem parte de um parasitismo pernicioso e que são estúpidos demais para entender que estamos cagando cocô tóxico em nossa própria casa.

O que – além de martelar essa ideia na cabeça dos idiotas – poderíamos fazer para mudar a realidade em que vivemos?
Algumas pessoas na platéia me disseram que acharam a palestra inspiradora. Mas ela foi mais assustadora do que eles esperavam. Em algumas centenas de anos nós teremos um governo global – isso não significa que não teremos países, mas sim que teremos uma versão mais poderosa das Nações Unidas; isso vai ser, na maior parte, uma coisa boa.

Acho que, assim como no meu livro New Taboos, esse sistema irá trazer novas leis básicas: leis ambientais, trabalhistas e de direitos humanos, que serão impostas universalmente, criando um mundo melhor. Durante esse processo, perderemos muitos animais em extinções em massa, e muitos habitats naturais – boa parte de nossas paisagens virarão terrenos inférteis… Talvez tenhamos que "terraformar" o planeta Terra.

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Em seu último livro, Doyle After Death, você escreve sobre um cara que acaba de morrer e virar comida de vermes, e que não entende muito bem a nova dimensão em que se encontra. Ele é guiado por Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Vida após a morte e realidades alternativas – sua temática é bem consistente (risos). Como esse livro nasceu, o que é novo nele – como recursos literários e de consciência – e como ele se compara a obras passadas?
Doyle After Death é um romance, é ficção, então eu posso simplesmente aceitar que nessa fantasia a vida após a morte existe, e posso brincar com essa ideia. Foi o que eu fiz. Mas eu não estou dizendo que a vida após a morte não exista. Eu não sei, já que nunca morri (e se morri e reencarnei, também não consigo me lembrar).

Acontece que o criador do Sherlock Holmes, Sir Arthur Conan Doyle, era um espiritualista, uma pessoa que se interessa pela atividade mediúnica – o contato com espíritos de outro mundo. Os espiritualistas seguem uma religião e uma filosofia que mistura esse contato com um pouco de teosofia.

QUANDO VOCÊ CHEGA NO ALÉM TÚMULO, HÁ SEMPRE UM NÍVEL 'SUPERIOR'… NA MINHA OBRA, PELO MENOS. É SEMPRE POSSÍVEL SE ELEVAR A UM NÍVEL SUPERIOR.

Doyle era uma contradição. Ele criou Sherlock Holmes, o homem racional por excelência, mas ainda assim acreditava que muitos desses médiums eram reais. Ele era um médico, quase um cientista, e ainda assim acreditava em fadas. Ele era um bom homem, muito corajoso e que sempre tentava ajudar os outros, sempre utilizando suas habilidades de dedução para ajudar pessoas acusadas erroneamente.

Enquanto Doyle foi um inglês vitoriano que morreu no início do século XX, o narrador de Doyle After Death é um detetive medíocre de Las Vegas que morre ao misturar remédios com bebida em sua casa decadente. Ele acorda em um lugar chamado Garden Rest, que fica do outro lado do vasto além-mundo. É lá que ele conhece Arthur Conan Doyle e vira seu "Watson" no além-vida. Eles não solucionam mistérios em nosso mundo. O livro se passa inteiramente no outro mundo, o que me fez pensar sobre como esse lugar poderia ser.

Pra mim, foi como criar um mundo de um livro de ficção científica. Como esse mundo dos mortos seria, ou, pelo menos, como seria um mundo no qual eu pudesse acreditar? Não falo sobre céu ou inferno – a luz e a escuridão existem no mesmo lugar. Na verdade, nada é muito etéreo nesse lugar, que chamei de Afterworld. Esse mundo possui sua própria física, sua própria ecologia, sua própria biologia. As coisas são diferentes, mas… Eu não quero estragar a surpresa. E sim, lá existem crimes. Doyle e Nick Fogg solucionam esses crimes.

Eu pesquisei muito sobre Doyle para tentar torná-lo autêntico, e me esforcei muito para criar a lógica interna desse mundo. Aliás, lá também existem drogas. Quer dizer, lá existe uma coisa chamada Frip, que é uma versão pós-morte da maconha, mas um pouco diferente. Ela cresce que nem mato por lá.

Existem muitas coisas estranhas no deserto espiritual do mundo dos mortos. Mas só para esclarecer, quando você chega no além túmulo, há sempre um nível "superior"… na minha obra, pelo menos. É sempre possível se elevar a um nível superior.

É claro que o livro contém algumas especulações metafísicas. Algumas dessas elocubrações refletem minha própria crença espiritual sobre a existência de um caminho de elevação espiritual e de auto-conhecimento. No final, como em todas minhas obras, dou o meu melhor na narrativa de Doyle After Death. Porém, essa narrativa envolve um história muito estranha…

Todd Brendan Fahey é o autor de Wisdom's Maw: The Acid Novel e Dogshit Park & other atrocities.

Tradução: Ananda Pieratti