O Fim do Crescimento Desenfreado: Parte 1
​Crédito: Christopher A. Dominic/Flickr

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O Fim do Crescimento Desenfreado: Parte 1

A crise econômica é apenas um sintoma de uma crise mais dramática envolvendo a relação da humanidade com a natureza.

O ano começa, e a crise econômica global segue firme e forte. Mas enquanto especialistas discutem se 2015 será o ano da renovação ou de uma nova depressão, pesquisas sugerem que eles estão ignorando o verdadeiro problema: que a crise econômica é apenas um sintoma de uma crise mais dramática envolvendo a relação da humanidade com a natureza.

Ao invés de um sinal do fim do mundo, alguns economistas veem a atual era de crescimento lento e austeridade como parte de uma transição para uma nova forma de civilização, que pode se adaptar aos limites naturais e prosperar — ou ruir em meio à negação enquanto a natureza volta ao seu equilíbrio. O que será que 2015 nos promete: o amanhecer de uma nova era de prosperidade, ou o colapso da economia global?

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Antes do Ano Novo, alguns especialistas afirmaram, de forma otimista, que tudo indica que a economia está dando a volta por cima, enquanto outros ofereceram uma visão um pouco mais pessimista. Por outro lado, vários economistas confessaram, com uma humildade incomum, que não fazem ideia do que acontecerá nesse novo ano. Justin Wolfers, do The New York Times, deu um conselho simples: "Se preparem para o pior, esperem o melhor, e contem sempre com a surpresa".

Muitos outros, no entanto, foram bem diretos em seus avisos de que o pior ainda está por vir. Um exemplo é David Levy, que comanda o Levy Forecast, instituição criada em 1949 e que previu todas as grandes crises americanas das últimas décadas, e que acredita que esse ano será marcado por uma "crise global…pior do que a última". De acordo com o economista Harry Shutt, um consultor do Banco Mundial, da Comissão Européia e das Nações Unidas, "a chegada inevitável de um novo colapso do sistema bancário deve ser vista como iminente", e o ano de 2015 marca o início de um "enorme colapso global". Para Shutt, isso não é apenas um movimento comum do ciclo econômico, mas sim um sinal de que o velho paradigma "baseado no lucro privado se tornou obsoleto". Ele anuncia, sombriamente, um "declínio que culminará em uma nova era das trevas" enquanto os líderes mundiais continuarem a utilizar a "repressão violenta" e ferramentas econômicas ultrapassadas para superar essas crises.

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SERÁ QUE ESTAMOS VIVENDO UM MOMENTO DE MUDANÇA NO FUNCIONAMENTO DA CIVILIZAÇÃO?

Para Shutt, a crise econômica vai além da economia; a crise é um reflexo de como a ânsia capitalista pelo crescimento eterno está ultrapassando os limites da natureza. Shutt insinua que estamos no meio de uma transição inevitável: não só para outro tipo de economia, mas também para outro tipo de civilização. Será que estamos, de fato, vivendo um momento de mudança no próprio funcionamento da civilização?

O GRANDE DECLÍNIO

Alguns afirmam que mesmo que a economia vire uma loucura, as sementes da esperança já foram cultivadas. Mesmo com crises globais cada vez mais frequentes— que englobam além de um colapso econômico — uma série de revoluções sistêmicas estão convergindo de forma a facilitar uma transformação positiva na economia global: de uma economia que valoriza o acúmulo material a uma que valoriza o essencial, uma economia que atenda às necessidades e bem-estar de todos.

Essa é a conclusão de um livro publicado como parte da série de Estudos de Economia Ecológica, de Routledge; o nome do livro é The Great Transition, (A Grande Transição, em português), escrito por Mauro Bonaiuti, um economista da Universidade de Turim, na Itália. O livro de Bonaiuti aplica as ferramentas dos sistemas complexos à dinâmica da crise econômica global, cujo ápice ocorreu em 2008.

Bonaiuti afirma que essa crise é um sintoma de uma "era humana" mais antiga. Sociedades capitalistas mais avançadas estão em uma "fase de declínio de retornos". Para fazer tal afirmação, o autor estudou a movimentação econômica no período pós-Segunda Guerra, incluindo o crescimento do PIB, o retorno de energia em cada investimento (quanta energia é desprendida e qual é o lucro final), a produtividade de manufaturas, entre outros.

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Pensem nisso: além de baixos retornos, nós presenciamos, no mesmo período — e em uma escala global —aumentos exponenciais no consumo energético, na dívida pública, no crescimento populacional , na emissão de gases estufa, e na extinção de espécies animais.

Para Bonaiuti, os baixo retornos são uma consequência da "interação entre as limitações da natureza biofísica (a exaustão de recursos, o aquecimento global etc) e a crescente complexidade das estruturas sociais (a burocratização, a queda da produtividade e a decadência dos sistemas educacionais, de saúde, de produção etc).

Assim, chegamos à conclusão de que a crise econômica não se resume à dívida, ou a desregulamentação, tampouco à volatilidade do mercado. A crise é, em sua essência, uma resposta ao desrespeito da economia global aos limites da biosfera. Ironicamente, Bonauiti afirma que, depois de um certo ponto da acumulação de bens mesurada pelo PIB, o bem-estar e a felicidade gerais não apenas pararam de crescer, mas sim começaram a diminuir conforme a depressão e outras doenças ganham espaço — um fenômeno que os economistas não conseguem explicar.

Tudo isso começa a fazer sentido, porém, quando nós vemos essa crise não apenas como econômica, mas sim "bio-econômica"; em outras palavras, aceitar que o crescente consumo material está desestabilizando a biosfera. A falência ambiental explica "a incapacidade do sistema capitalista em continuar a produzir bem-estar social e encarar a questão ecológica com eficácia". É por isso que o capitalismo contemporâneo não tem ferramentas para lidar com a crise de forma signifactiva.

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COLAPSO? OU RENOVAÇÃO! (OU OS DOIS…?)

A civilização está passando por uma mudança enorme, e o capitalismo predatório se esmigalha sob o peso de sua própria insustentabilidade. Esse processo se desenrola e revela uma série de possíveis formas de sociedade. Cada uma destas traz a oportunidade de "uma grande transição rumo à novas formas de instituição", que poderiam incluir formas de "governos auto-suficientes e democráticos em comunidades e seus territórios.=".

Apesar das grandes disrupções que virão no embalo dessa mudança, muitas das quais serão exploradas com grande seriedade aqui no Motherboard (como o número sem-precendentes de revoltas globais, por exemplo), o economista italiano é cautelosamente otimista sobre os possíveis resultados dessa crise.

"Quando as estruturas mudarem, como podemos observar nos sistemas complexos, teremos outras formas de organizações econômicas e sociais mais adequadas à essa nova situação", escreve Bonaiuti. "Em um contexto de crise global, em especial, ou mesmo em um crescimento estagnado, a cooperação entre as organizações econômicas descentralizadas irá trazer uma boa chance de sucesso. Essas organizações podem guiar o sistema em direção à sustentabilidade ecológica, a uma maior equidade social e, com o envolvimento de cidadões e territórios, até mesmo aperfeiçoar o sistema democrático."

Bonauiti usa o termo "decrescimento" para descrever esse cenário — mas o decrescimento não implica na ausência de crescimento, ou em um crescimento negativo. O termo abarca uma nova ciência da "economia pós-crescimento", na qual a acumulação material deixa de ser o principal significante de uma boa saúde econômica.

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O CRESCIMENTO DESENFREADO EM UM PLANETA FINITO É BIOLOGICAMENTE INVIÁVEL

Essa perspectiva reconhece que o crescimento desenfreado em um planeta finito é biologicamente inviável, literalmente uma violação de uma das leis mais básicas da física: a conservação da energia, e, de certa forma, a entropia.

Se Bonauiti estiver correto, até as ferramentas econômicas mais convencionais estariam se tornando cada vez mais impotentes, e nós devemos esperar mais e mais sinais dessa mudança estrutural. Essa mudança trará novas formas de organizações econômicas e sociais muito mais proveitosas do que o velho paradigma industrial no qual tanto confiamos.

E é exatamente isso que está acontecendo.

Na segunda parte dessa matéria, eu reuni cinco grandes "revoluções" que já estão ferindo o velho paradigma e criando um novo caminho para abordagens alternativas: a revolução da informação, a revolução energética, a revolução alimentícia, a revolução financeira e a revolução ética.

As grandes mudanças incutidas nessas revoluções estão se revelando de formas díspares, hesitantes, e muitas vezes incoerentes — mas apesar disso, não há come negar esse movimento, e os próximos anos mostrarão que será cada vez mais difícil controlá-lo.

Todas essas revoluções envolvem uma crescente dispersão de poder para as pessoas e comunidades, e uma fuga das tradicionais hierarquias de controle. Conforme essas revoluções se aceleram e começam a interagir, as oportunidades de transição começam a florescer.

Isso não quer dizer que tudo isso irá acontecer de forma simples e descomplicada. Bonauiti identifica quatro possíveis cenários futuros, e um deles envolve o "colapso" — um termo que não precisa ser explicado. Aqueles que se beneficiam do velho paradigma irão relutar. O futuro de nossa espécie depende, quase que literalmente, da forma imprevisível com que as pessoas aceitarão essas mudanças — seja com resistência, descrença, apatia, engajamento, adaptação ou ação.

Então, bem vindos a 2015: um ano em que nossas escolhas poderão determinar o futuro do nosso planeta.

Tradução: Ananda Pieratti