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Tecnologia

​O Criador de 'Mr. Robot' Explica Suas Raízes Hacktivistas e Cults

Sam Esmail, o criador da série hacker 'Mr. Robot', fala sobre hacktivismo e as origens do enredo.
Peter Kramer/ USA Network

E se Bruce Wayne fosse um patetão do Vale do Silício durante o dia e um hacktivista vingador pela noite? E se o Sr. Wayne não precisasse de todo aquele hardware e músculos, mas só de um computadorzinho, internet e a paixão para mudar o mundo com suas tecladas?

Este é o mote central do novo programa do USA Network, Mr. Robot, em que o engenheiro de segurança cibernética Elliot Alderson (Rami Malek) se vê recrutado para uma organização hacktivista anti-corporações chamada fsociety, liderada pelo enigmático Mr. Robot (Christian Slater).

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Escrita e dirigida por Sam Esmail, autor de Comet, a série acompanha o ciber-vigilante antissocial e viciado em morfina Elliot na sua missão de derrubar uma das maiores empresas do Vale do Silício do mundo, a E-Corp, que deveria ser protegida pela firma de segurança cibernética para qual trabalha, a Allsafe.

Esmail conversou com o Motherboard sobre as influências hacktivistas e hackers da série. Ele também explicou como líderes de cultos e o papel de Christian Slater em Um Som Diferente impactaram a narrativa do programa.

MOTHERBOARD: Quando você soube da existência de hackers com uma ética política ou econômica? Houve um hacker ou grupo em especial que chamou sua atenção?

Esmail: O Anonymous foi o primeiro grupo hacker organizado que li a respeito. Claro que ouvi falar de outras coisas antes disso, mas o Anonymous foi o primeiro grupo que me atraiu a ponto de estudar e aprender sobre.

Mas eu diria que o LulzSec chamou minha atenção de outra forma, no sentido de que parecia ser um grupo organizado e centralizado. Quando eles foram pegos pelo FBI, o ato de hackear ganhou toda uma nova dimensão criminosa. De repente parecia que o bicho pegava ao redor do mundo. Hackers podem ser muito, muito perigosos. Sério mesmo. Lembro de pensar que poderia ser um novo formato para o crime organizado, uma nova máfia.

Christian Slater interpreta Mr. Robot, Rami Malek interpreta Elliot. Crédito: David Giesbrecht/USA Network

Você pesquisou hackers e grupos hackers mais antigos? Refiro-me especificamente a nomes como Cult of the Dead Cow e Cypherpunk – este último de onde saiu Julian Assange, por exemplo. Caso não, com quem você esbarrou durante a sua pesquisa?

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Devo ter consultado na Wikipédia tudo que é grupo hacker que podia, incluindo aí o Cult of the Dead Cow e os Cypherpunks. Na verdade, se você prestar atenção nos nomes dos jogos no fliperama da fsociety, deixamos referências a muitos dos grupos. Também assisti a muitos documentários – não apenas sobre hackers, mas sobre tecnologia como um todo. Era mais importante pra eu ver, sentir e ouvir as pessoas que vivem esta cultura do que me prender somente a hackers.

Qual dos documentários assistidos por você foi mais influente?

Um dos mais inspiradores que vi se chama TPB AFK, sobre os fundadores do Pirate Bay. Não sei se podemos classificá-los como hackers no sentido convencional do termo, mas eram pessoas loucas por tecnologia tão fascinantes e com uma paixão verdadeira pelo que acreditavam. Iam contra o establishment e tinham um espírito revolucionário que queria colocar em Elliot.

Também adoro o ego intelectual desses caras. Lembro do que um dos caras disse quanto ao governo tentar encerrar suas atividades: "O que eles vão fazer? Eles já falharam em fechar o site antes. Serão muito bem-vindos em falhar novamente". Há algo incrivelmente apóstata nisso.

O hacker Jeremy Hammond, do LuLzSec, em algum momento serviu de inspiração para Mr. Robot? Ele não só era um hacktivista, como ativista de fato. Nunca trabalhou para nenhuma empresa do Vale do Silício, mesmo sendo bem capaz de contribuir com seu talento.

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Diria que o personagem Mr. Robot foi mais inspirado em líderes de cultos e seitas – David Koresh [líder do Ramo Davidiano, morto em uma ação do FBI] é um dos mais citados por mim e Christian. Os líderes hackers populares nunca caíam bem quando se tratava de Mr. Robot e sua dinâmica. Seu personagem precisava ser mais voltado para manipulação emocional versus intelectual.

Crédito: David Giesbrecht/USA Network

Como foi sua abordagem para dar a Mr. Robot e a fsociety complexidade econômica e política? No papel de alguém que lida com o assunto, noto que a mídia e os políticos tentam tratar estas figuras e grupos como terroristas.

Um ponto em comum em muitos grupos hackers é a raiva. Raiva contra o status quo, raiva contra os poderosos que consideram abusivos. Eles também têm muita confiança e podem derrubar empresas inteiras só com seu intelecto. Isso exige muita bravata e ego.

Creio que a combinação de raiva e ego pode render dramas explosivos. Tinha que dar um jeito de tornar isso atraente e não irritante, o que é bem delicado. Ninguém quer ouvir um monte de narcisistas gritando. Mas descobri que, ao manter tudo o mais humano possível, a raiva não necessariamente surgia como emoção negativa. Na realidade, é uma emoção muito necessária para que se traga justiça. Com essa interpretação foi possível fazer com que as ações moralmente questionáveis fossem toleráveis, humanas e convincente.

Como você conseguiu fazer isso no papel de contador de histórias?

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Eu sabia que tinha de ser tão destemido e egoísta quanto os personagens. Tínhamos que abraçar seu mundo dogmático por completo. Citamos nomes, nos politizamos – nosso enredo trata de economia, porra!

Em geral as séries tendem a se esconder por trás de marcas falsas, assumindo posições neutras, escolhendo caminhos mais simples com medo de complicar demais ou polarizar o público. E talvez tenhamos polarizado o nosso, não sei. Mas eu voltaria à resposta anterior, de que sempre tentamos encontrar o elemento humano nas escolhas de nossos personagens. A série não tinha como ser só sobre o enredo, e sim sobre pessoas.

Muitos fãs da série chegam até mim admitindo que não fazem ideia de que caralho está acontecendo, mas adoram mesmo assim. Acho que isso é prova de quão reais parecem os personagens, o que em grande parte se deve ao nosso elenco. Mas, para mim, nunca houve um debate para fazer o programa de outra maneira – era um risco necessário para contar a história do modo correto.

Crédito: Christopher Saunders/USA Network

E qual sua opinião sobre rotularem alguns hacktivistas como "terroristas"?

O termo "terrorismo" é usado à exaustão quando há uma ameaça que as pessoas não entendem muito bem. Não é algo incomum, já que é uma maneira excelente de simplificar os medos do indivíduo e reduzir a ansiedade. Mas o rótulo é tão útil quanto chamá-los de "os malvadões".

Na minha opinião, colocar Christian Slater como Mr. Robot foi brilhante. Ele consegue dar várias nuances a um papel; e, é claro, penso aqui em seu zelo em Um Som Diferente como apresentador misterioso de uma rádio pirata. O que conversaram ao definir seu papel?

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Dei a ele muitas referências de seu próprio trabalho em Atração Mortal e Um Som Diferente – ambos personagens que adorava. Em nossa série, Mr. Robot tem motivações que são constantemente escondidas do público. Esta é sempre uma proposta arriscada para um ator, porque é difícil que o público se ligue a um personagem que não entende bem. Isso exige algum charme, na maioria das vezes – ou, na minha opinião, exige um Christian Slater.

Lembro de pensar se as pessoas brochariam de ver Christian Slater ali no metrô falando com Elliott. Então lembro de pensar também "é isso que quero". Ele tem certo charme, não só por ser uma estrela, mas tem toda essa energia. O cara não consegue não ser magnético. Acho que a regra geral que aplicamos é escrever grandes coisas sabendo que Chris estará ali. Esse equilíbrio nos manteve neste espaço do qual você perguntou: Mr. Robot enquanto ser humano e símbolo ideológico.

Quanto a Eliiot, por que você decidiu criá-lo antissocial e viciado em morfina? Esta última característica entendo porque todos temos nossos vícios. Mas a personalidade antissocial parece bater com a forma como a mídia e os políticos retratam os hackers. Você teve alguma preocupação com isso?

Sempre imaginei Elliott como tremendamente antissocial já que isso representa minha realidade e pessoas com quem cresci nesta cultura. A ironia de um personagem que não consegue criar ligações com pessoas no mundo real ao passo em que sabe os detalhes mais íntimos daqueles ao seu redor era algo que achei interessante de se explorar. Mas as características desse personagem (incluindo o vício em morfina) vieram de um desejo de refletir minhas experiências e nada mais. O fato de que isso poderia se encaixar ou não a um estereótipo era algo que não deixei me afetar de uma forma ou de outra. Penso que se você cria um personagem autêntico, sempre irá além dos clichês, mesmo que aquela seja uma noção geral.

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Crédito: Peter Kramer/Syfy

Qual sua opinião sobre hacktivistas?

O ativismo, em geral, é quase necessário quando você quer trazer justiça ou mudança à sociedade. A dificuldade adicionada que o hacktivismo pode adicionar à conta é que pode exigir atividades ilegais, que pode transformar isso tudo em um complicado debate ético.

Porém, guerras como a Revolução Americana nunca teriam acontecido se não fosse a decisão específica de romper com leis consideradas injustas. E, convenhamos, por vezes esse é o único caminho para se chegar à justiça. Até mesmo as ações de Snowden – quer você concorde com ele ou não – levou à revelações impressionantes e relevantes sobre os programas de vigilância de nosso governo que talvez não tivessem ocorrido se ele não tivesse quebrado a lei.

Logo, historicamente, essas medidas complicadas e extremas estão no cerne de qualquer mudança dramática na ordem política e econômica. Esta é minha resposta longa para dizer que o hacktivismo é complicado em termos éticos, mas por vezes necessário para que a justiça prevaleça. Se pode levar a uma grande mudança na sociedade? Já o fez, e certamente continuará fazendo porque tudo que ele exige no final das contas é um computador, wifi e uma pessoa motivada a fazer diferença no mundo.

Tradução: Thiago "Índio" Silva