O Cara que Destruiu o Dogecoin
​Crédito: JW Ogden/Flickr

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Tecnologia

O Cara que Destruiu o Dogecoin

“Pensem positivo e continuem fazendo coisas bacanas. Sejam exemplos. Não importa o que acontecer, nunca esqueçam das coisas que faziam o Dogecoin valer a pena pra você.”

O Dogecoin nunca deveria ter sido levado a sério.

A criptomoeda baseada no meme do doge começou na zoeira pura e simples. Ela atraía mais pessoas despreocupadas e de bem com a vida mais interessadas em fazer uma piada do que ficar ricos do dia pra noite, que preferiam doar suas moedas para causas bobocas e sérias, ao invés de coletar imensidões de tesouro digital.

Mas seu ponto mais forte também era sua maior fraqueza. Sua estonteante ascensão fez do Dogecoin um alvo. Seu forte senso de comunidade a fez vulnerável.

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Para um predador, era simplesmente irresistível.

Agora, pouco mais de um ano depois da criptomoeda alternativa ter bombado no mercado, um homem acusado de roubar 4 milhões de dólares em moeda digital após tomar a plataforma de câmbio digital MintPal possivelmente foi preso no Reino Unido, de acordo com vários relatos. Mas como muito do que já aconteceu na bizarra saga do Dogecoin, é difícil chegar à verdade de fato.

O Dogecoin nasceu de uma piada de Jackson Palmer, um gerente de produtos da Adobe. Tirando sarro da abundância de altcoins (criptomoedas que não o Bitcoin) que surgiam após a popularidade do Bitcoin, Palmer tuítou, gracejando, em novembro de 2013 que estava investido em uma nova moeda ficcional chamada Dogecoin.

"Certeza de que será a próxima coisa a estourar", brincou.

Então, só pela zoeira (e a com alguma ajuda de Billy Markus, desenvolvedor de software na IBM), Palmer transformou o conceito em uma moeda de verdade, com a identidade marcada pelo gentil rosto de um shiba inu e muita, mas muita Comic Sans. Com a ajuda do Reddit, a "moeda-piada" explodiu. Após poucos meses, o mercado valia 60 milhões de dólares, de acordo com o Sydney Morning Herald. Mas ao longo do próximo ano, milhares de dólares em dogecoins (e milhões de dólares em outras criptomoedas) seriam perdidos, seus usuários culpando um homem chamado Alex Green.

"No começo, tudo era simplesmente animalesco e hilário", disse Bem Doernberg, assistente de pesquisa da Universidade de Harvard que era há tempos membro da diretoria da Dogecoin Foundation – grupo de voluntários que organizava esforços de caridade em torno da comunidade Dogecoin.

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"As pessoas que tinham entrado no barco eram uns piadistas, onde as outras criptomoedas tinham chamado a atenção só de gente que queria ficar rica", disse.

Diferente do Bitcoin, que atualmente custa cerca de 277 dólares por uma única coin, o Dogecoin tem um preço mais camarada: 100 dogecoins custam 2 centavos de dólar. Isto faz com que seja mais fácil passar a moeda adiante – usuários dão gorjetas para colegas Redditors (o Reddit é basicamente onde boa parte da comunidade em torno do Dogecoin vive) por conta de comentários engraçados, por compartilharem notícias importantes, ou apenas porque sim. E eles conseguem levantar recursos para boas causas com facilidade, porque mesmo quem não tem muita grana no bolso consegue comprar algumas dogecoins para doar.

E a comunidade Dogecoin se envolvia com muita caridade. Eles coinseguiram o dinheiro para mandar a equipe de trenó da Jamaica para as Olímpiadas de Inverno. Eles doaram 25 mil dólares para uma instituição de caridade britânica que trabalha com cães-guia. A mesma comunidade coletou 30 mil dólares para ajudar pessoas no Quênia a terem acesso à agua potável.

"Essas foram algumas das coisas mais legais que fizemos", disse Doernberg.

Com o crescimento do mercado, veio a facilidade de emergência de novos negócios. Um dos grandes players logo no inicio foi a Moolah, plataforma de câmbio de criptmoedas administrada por um indivíduo chamado Alex Green, que participativa do Reddit com o nome de usuário Moolah.

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Green ganhou popularidade ao distribuir dogecoin deliberadamente. Posts e relatos de usuários do próprio Reddit comprovavam que ele entrava em surtos de gorjetas, jogando centenas (e por vezes milhares) de dólares em dogecoin nas mãos de estranhos sem motivo aparente. Ele fazia doações generosas à campanhas de caridade da comunidade: $2.450 em dogecoin para uma instituição ligada ao câncer e $2,927 em apoio à comunidade para que conseguissem um carro da NASCAR com a figura do Dogecoin. E deu certo; em maio, o Dogecarro estava lá queimando borracha em Talladega.

Então quando Green pediu para que seus colegas shibes (o título que os entusiastas do Dogecoin atribuíram a si mesmos) investissem em sua crescente plataforma na última primavera, todos foram muito solícitos na hora de passarem adiante seus dogecoins. Com três rodadas de financiamento, Green oferecia aos investidores uma chance de comprarem um "pedacinho" do Moolah. Ele contratava usuários da comunidade para trabalharem remotamente, cuidando do atendimento ou desenvolvimento do site. Quando Doernberg e outros chamaram atenção para a credibilidade e motivação de Green, avisando aos demais shibes para terem cuidado, foram banidos do site.

"O esquema de vendas do Moolah envolvia dividendos Doge projetados ao longo de anos. Eles também afirmavam que a empresa crescia rapidamente e que sua a equipe de desenvolvedores trabalhava em um protótipo de caixa eletrônico Doge", revelou-me um dos investidores do Moolah, que pediu para ser identificado com seu nome de usuário do Reddit, Rubbyrubbytumtum. "Como a comunidade em torno do Dogecoin baseava-se tanto em generosidade, fomos como gado rumo ao abatedouro."

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Em julho, com supostas centenas de milhares de dólares de investimentos no Moolah, Green entrou em contato com terceiros – Michael Chu e um usuário que se identifica apenas como Ferdous – para que se juntassem a e ele e sua funcionária Chelsea Hopkins na compra do MintPal, um belo e popular site de câmbio para moedas digitais.

"Eu e Michael daríamos a grana necessária para a compra do MintPal e o Moolah seria responsável por criar um backend mais seguro para o MintPal e também seria responsável pela administração do site", disse Ferdous, sobre o acordo firmado originalmente.

Green então passou a trabalhar em uma atualização para solucionar algumas questões de segurança do MintPal; a plataforma havia sofrido uma invasão pouco antes dos novos donos terem adquirido a plataforma. Mas ele furava prazos e adiava a data de lançamento. Ao final da atualização, o site seguia cheio de problemas, disse Ferdous.

"Era péssimo, cheio de bugs, com uma interface inferior, e até mesmo faltavam muitas das contas de usuários", afirmou Ferdous, que atualmente busca processar Green. "Isso era um fracasso claro em proporções épicas."

No prazo de uma semana, Green tirou o MintPal do ar, citando uma "falha crítica". No mesmo dia, ele subitamente anunciou que o Moolah estava entrando em processo de falência, afirmando que a empresa havia gasto seus investimentos e não era rentável.

Logo depois, os usuários passaram a ter problemas em sacar suas coins tanto do MintPal quanto Moolah.

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"Tentei recuperar minha senha, resetá-la, e os admins do Moolah simplesmente me deram um perdido quando pedi ajuda com esse problema", afirmou Siddhart Ramshankar, que tinha 400 dólares em dogecoin armazenados no Moolah. Ramshankar disse também nunca ter tido qualquer interesse em criptomoedas antes do Dogecoin, mas a comunidade divertida havia lhe chamado a atenção.

"Continuei tentando contato com o suporte desde o fim de setembro até uma tentativa derradeira em dezembro, pedindo por ajuda para resetar minha senha e poder acessar minha conta", disse. "Depois do quarto contato feito em tantas semanas, imaginei que aquilo não daria em nada, e considerei aquilo como uma lição de 400 dólares a ser aprendida."

Outros usuários me contaram histórias parecidas. Apesar de ninguém parece ter perdido uma quantidade de dinheiro absurda, todos mostraram-se desapontados que a comunidade em que tanto confiavam de repente havia se tornado algo desonesto.

"Não incomoda tanto ter perdido dinheiro com o projeto – o lance da comunidade Doge não é exatamente ganhar dinheiro – e sim que tiraram vantagem de tanta gente boa", disse Rubbyrubbytumtum, que nunca viu a cor do seu dinheiro investido no Moolah. "Infelizmente, toda essa dor-de-cabeça destruiu meu entusiasmo pelas criptomoedas. Tive minhas experiências, me dei mal, e agora passarei para empreendimentos menos espalhafatosos."

Enquanto Moolah e MintPal quebravam simultaneamente, a comunidade Dogecoin explodia em rumores de que Alex Green não era quem dizia ser. Palmer (o criador do Dogecoin)n e Doernberg foram abordados por diversas fontes que identificavam Green como Ryan Kennedy, também conhecido como Ryan Gentle, e o acusavam de uma longa lista de golpes.

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Alguém havia criado um artigo complete na Encyclopaedia Dramatica – uma wiki aberta, satírica, com ênfase em dramas de internet – listando todas as acusações feitas contra ele, de vender esquemas de hospedagem web fraudulentos até espiar camarins femininos em uma convenção de anime. Doernbeg e Palmer colheram as informações e compartilhar com a comunidade Dogecoin. Seus integrantes reagiram, em alguns momentos com choque, e em outros, com negação. As tensões estavam em alta no antes despreocupado subreddit.

No dia seguinte, Green deixou o cargo de chefão do Moolah, sem deixar claro quem assumiria a empresa depois. Três dias depois, ele confirmou estar usando um pseudônimo e que seu verdadeiro nome era Ryan Kennedy.

"Não comentarei a maior parte das alegações ao meu redor, apenas direi que algumas das mais recentes estão ficando cada vez mais ridículas, e nego a maioria delas. Meu nome foi mudado legalmente de Ryan Kennedy para Alex Green, em uma tentativa de recomeçar minha vida e ter um pouco de paz", escreveu. (As contas públicas de Kennedy agora encontram-se inativas ou desabilitadas. Contatei-o, mas minhas mensagens voltaram).

Em seu último post, Kennedy/Green escreveu que bugs levaram suas plataformas a "sangrarem dinheiro" e que ele estava tentando consertar tudo.

"E sim, sei que pedir desculpas não é o bastante. Sei que fiz uma cagada de nível catastrófico. Deveriam ter havido procedimentos melhores", escreveu Kennedy.

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Então ele desapareceu, cessando qualquer contato com investidores, clientes e sócios. Ferdous estima que entre 2 e 4 milhões de dólares em coins tenham sumido junto com ele.

"O endereço MintPal.com ainda está sob controle de Ryan. Estou com um processo tramitando na justiça para retomar o MintPal", disse Ferdous. "Consegui recuperar os backups das carteiras dos usuários e uma cópia do banco de dados anteriores à migração dos servidores do site. A maioria das carteiras, incluindo aí BTC e outras grandes bitcoins, já haviam sido esvaziadas quando obtive acesso. Algumas das altcoins seguiam intocadas, então comecei um processo de retirada destas ao entrar em contato com os clientes via email."

Poucas pessoas tem recursos para tentar localizer Kennedy, com exceção da equipe do Syscoin, outra altcoin. No seu auge, o Moolah tinha 750 bitcoins (cerca de 200 mil dólares) que pertenciam a Syscoin. Quando a merda caiu no ventilador, o pessoal da Syscoin foi atrás de advogados, contratando a Selachii LLP, de Londres, para processar o Moolah por conta do dinheiro perdido. A equipe da Syscoin até mesmo conseguiu uma liminar contra a Moolah do Tribunal Superior.

No final de fevereiro, a Syscoin deu informações atualizadas sobre o caso, afirmando que Kennedy havia sido preso.

"Podemos revelar que Ryan Kennedy e Chelsea Hopkins foram presos por autoridades britânicas", declarou a empresa.

Porém, como o processo ainda segue, a empresa afirmou não poder dar mais detalhes. Ferdous disse-me que a prisão ocorreu em uma data próxima ao Natal, mas também não entrou em detalhes.

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Tuítes e outras postagens na rede sugerem que Kennedy foi preso em Bristol, então entrei em contato com a polícia de Avon e Somerset. Perguntei se poderiam confirmar a prisão de Ryan Kennedy e Chelsean Hopkins, e quais as acusações sofridas por estes.

"Tudo que podemos falar no momento é que: 'Prendemos um homem e uma mulher – na casa dos 20 anos de idade – na região sudoeste da Inglaterra por suspeita de fraude e lavagem de dinheiro'", disse-me o assessor de imprensa Wayne Baker, via email. "Não daremos mais detalhes neste momento."

É comum para a polícia Britânica não citar nomes de presos até que as acusações tenham sido feitas, e Baker confirmou que nada havia sido feito oficialmente nesse sentido ainda. Porém, ele não pode afirmar se as duas pessoas eram Ryan Kennedy e Chelsea Hopkins.

Nos últimos meses, a comunidade Dogecoin tem tentado se reerguer. Muitos abandonaram a moeda de vez, outros agora tem mais cuidado e são menos generosos com suas coins. Todos ficaram correndo atrás dos próprios rabos tentando descobrir quem ou o que deveriam culpar. A estrutura da comunidade como um todo se viu naturalmente vulnerável: baseada em confiança em gentileza, hospedada em uma plataforma anônima.

"O Bitcoin tem toda essa paranoia justificada com estranhos na internet, mas Doge, o meme, é essa coisa otimista, esperançosa. Acabou que isso é muito atraente para predadores", disse-me Doernberg.

Ainda assim, o Dogecoin segue firme como uma das dez maiores moedas do mercado (na data da publicação deste artigo, ocupava o sexto lugar com maior valor). Existem pressões em torno de todo o setor da criptmoeda, e ainda assim o Dogecoin segue entre as melhores.

Esta semana, um usuário repostou uma carta do cofundador do Dogecoin, Billy Markus, do começo do ano passado, quando a moeda estava no auge da popularidade.

"O Dogecoin foi criado para ser uma criptomoeda divertida, uma que encoraje as pessoas a darem gorjetas e a aprenderem e ensinarem esta tecnologia. Ela também, como toda criptmoeda, pode ter uma natureza enlouquecedoramente volúvel. A novidade não durará para sempre, mas se você quer que a comunidade dure, é aí que a sua participação entra", escreveu Markus.

"Pensem positivo e continuem fazendo coisas bacanas. Sejam exemplos. Não importa o que acontecer, nunca esqueçam das coisas que faziam o Dogecoin valer a pena pra você."

O post logo foi parar no topo do subreddit.

Tradução: Thiago "Índio" Silva