A corrida dos cientistas para entender e combater a microcefalia
Um neurologista mede a cabeça de Luiza Arruda, nascida em outubro com microcefalia, no hospital Mestre Vitalino em Caruaru, Pernambuco. Crédito: Associated Press/Felipe Dana

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Tecnologia

A corrida dos cientistas para entender e combater a microcefalia

Epidemiologistas precisam provar que o vírus zika causa a anomalia e concluir quais são os riscos exatos. Enquanto isso, as grávidas seguem em pânico.

Microcefalia é uma doença que não tem como passar despercebida. Bebês com essa condição nascem com cabeças menores do que recém-nascidos normais e possuem grande risco de morte. Natural então que, quando o número de nascimentos com microcefalia no Brasil aumentou quase 20 vezes — de uma média de aproximadamente 150 por ano a quase 3 mil casos em 2015 —, é claro que o sistema de saúde do país se alarmou.

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Em plena crise, autoridades de saúde notaram outra ocorrência: cinco meses antes dos primeiros relatos do aumento de casos de microcefalia, um novo vírus chegou ao país. A pouco conhecida febre zika, uma infecção em grande parte inócua e transmitida por um mosquito, foi apontada por pesquisadores brasileiros como causa do salto no número de bebês microcefálicos. Médicos então aconselharam as famílias a não engravidar. O governo local declarou estado de emergência. E muitas gestantes estão em pânico, claro.

"O que mais me amedrontou sobre o zika foi sentir que as pessoas mudaram o discurso no meio do caminho", disse Luciana Obniski, roteirista e tradutora paulistana, grávida há 27 semanas. "No começo, falavam que era pior no primeiro trimestre, então era indicado não engravidar, o que também gerou um pânico que não era real. Mas quando você lê isso e já está grávida, é a última coisa que você quer ouvir. Não adianta falar isso."

Um surto repentino de uma anomalia de nascimento, debilitante e por vezes fatal é motivo claro de preocupação, mas a história não para por aí. Os epidemiologistas ainda precisam provar que o vírus da zika está causando o aumento da microcefalia e, em caso afirmativo, precisam concluir quais são os riscos exatos. E em um país como o Brasil, onde os cuidados de saúde reprodutiva já são escassos, um pânico entre gestantes é um perigo em potencial. É um forte exemplo de como é difícil prever e controlar uma epidemia e, também, de como a falta de informações de saúde podem levar a consequências extremas.

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"Não há motivo para pânico", disse o médico Dr. Marcos Espinal, diretor do departamento de doenças transmissíveis da Organização Panamericana de Saúde, a divisão do continente americano da Organização Mundial de Saúde. "Até novas evidências surgirem, é muito perigoso tirar conclusões como 'tente não engravidar' e coisas assim."

Além da óbvia correlação cronólogica — que não deve ser ignorada —, não há muitas evidências que mostrem que a zika, que costuma ocasionar sintomas leves, esteja causando a onda de microcefalia. Algumas mães que deram à luz bebês microcefálicos relataram sintomas semelhantes aos da febre zika no início da gravidez, e o vírus foi detectado no líquido amniótico de alguns dos bebês.

Solange Ferreira dá banho no filho José Wesley em um balde, na casa da família em Poco Fundo, Pernambuco. Créditos: Associated Press/Felipe Dana

"Alguns dados limitados indicam que as mulheres que deram à luz crianças microcefálicas estavam infectadas com o vírus da zika na época, mas ainda é uma questão de causa e efeito", disse Michael Osterholm, epidemiologista e diretor do centro de pesquisa e políticas para doenças contagiosas da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

Mesmo se estabelecermos uma relação causal com certeza (pesquisadores estão trabalhando nisso nesse exato momento), o fator de risco ainda não ficará claro. Quantas mulheres que deram à luz bebês saudáveis no Brasil, no ano passado, também contrairam o vírus da zika, por exemplo? Até agora, 40 recém-nascidos microcefálicos morreram, e a expectativa de vida de crianças com a anomalia é reduzida, bem como a probabilidade de desenvolverem as funcões cognitivas por completo, embora isso seja possível.

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Portanto, até entendermos melhor o caso, muitos pesquisadores enfatizam a necessidade do controle de vetores: iniciativas apoiadas pelo governo para refrear a propagação do vírus. Isso pode ser realizado por meio de medidas simples, como despejar reservatórios de água parada (o ninho de amor dos mosquistos) e intensificar a conscientização pública para que as pessoas usem repelente e roupas de manga comprida. Não se deixar picar é a melhor maneira de evitar a infecção da zika e reduzir o risco de efeitos colaterais negativos, caso existam mesmo.

Mas alguns médicos brasileiros estão estimulando ações mais severas, como o adiamento da formação de uma família.

"A orientação em primeiro lugar é, para quem puder evitar engravidar, evitar, porque realmente estamos em um momento de ascenção da epidemia", disse Dr. Nelson Nisenbaum, médico e internista de São Bernardo do Campo, em São Paulo. "A gente ainda não tem os números exatos, não temos ainda ferramentas disseminadas pelo Brasil para monitorar a epidemia com precisão, então a primeira questão é essa: se tiver com a ideia de engravidar, melhor adiar de três a seis meses."

Nisenbaum disse que as mulheres que já estão grávidas devem verificar se estão em uma área de alto risco de contágio de dengue. Se estiverem, devem tomar cuidado extra para evitar picadas do mosquito porque o tipo de mosquito que transmite a dengue (Aedes aegypt) também transmite a zika. O problema é que esse conselho não foi divulgado antes do surto de microcefalia. Muitas mulheres grávidas estão aprendendo só agora sobre os riscos e, claro, estão muito preocupadas.

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A grávida Luciana Obniski reclama da falta de informação. "Se não tem como saber onde tem contágio, dificulta também para as mulheres que estão em área de risco. Eu não estou em área de risco, mas se você mora em uma área de risco, você tem que ter uma preocupação a mais. Imagino que tem mulheres que moram lá e que não sabem também e não têm como se prevenir."

Dejailson Arruda carrega a filha Luiza no colo, na casa da família em Santa Cruz do Capibaribe, Pernambuco. Créditos: Associated Press/Felipe Dana

Essa lacuna de conhecimento existe porque, até a microcefalia explodir, ninguém estava preocupado com o zika. O vírus não foi rastreado direito e informações sobre prevenção não foram disseminadas ao público já que ele estava associado apenas a uma febre levinha.

"A Zika é uma doença tênue", disse Espinal ao telefone. "Pode causar irritação na pele, dores musculares — sintomas que qualquer vírus poderia apresentar. Então, algumas pessoas sequer se consultam. Tomam analgésicos e pronto."

Na época em que os primeiros casos de febre zika foram confirmados, Arthur Chioro, então Ministro da Saúde, disse a repórteres que "o vírus da zika não nos preocupa", acrescentando que o governo estava mais preocupado com a dengue, outra infecção viral que estava se espalhando no período. "A dengue mata", justificou.

A zika também não havia se espalhado muito. Até o ano passado, o vírus estava confinado à África tropical, ao Sudeste Asiático e às ilhas do Pacífico. E visto que era uma infecção inócua (os sintomas são leves, infecções graves são raras e não há registro de morte), os pesquisadores não realizaram muitas pesquisas nem prestaram muita atenção nela nas últimas décadas, segundo o Dr. Alain Kohl, virólogo da Universidade de Glasgow, na Escócia, que estuda a zika.

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"Ninguém se importava muito com ela", contou Kohl. "Era mais uma curiosidade do que qualquer outra coisa."

Kohl disse que, antes da correlação com os surtos no Brasil, angariar fundos para estudar a zika era uma tarefa difícil. Agora diversas instituições lançaram novas pesquisas sobre o vírus, incluindo a equipe de Kohl, de Glasgow. Todas estão correndo contra o tempo.

Há muitas coisas que os pesquisadores querem entender – além de determinar se o vírus pode mesmo levar a culpa pela onda de nascimentos microcefálicos. Dado que o zika ainda não foi amplamente estudado, não há bons testes de diagnóstico. Kohl disse que é tão similar a outros vírus, como a dengue, que é difícil distingui-los.

Outra questão é que flavivírus como a zika jamais foram ligados a esse tipo de deformidade congênita. Mas Osterholm disse que pode haver explicações para isso: a variedade da zika no Brasil pode ser diferente daquelas que circulam em outras áreas. Ou talvez a correlação com a microcefalia tenha passado despercebida porque o rastreamento da doença foi falho. Isso serve para ilustrar como é difícil prever, rastrear e estudar epidemias. Até uma ligação causal ser encontrada entre a zika e a microcefalia, pesquisadores pedem às autoridades que foquem em táticas de prevenção, pois o pânico generalizado tende apenas a exacerbar o problema.

O fato é que, se os pesquisadores tivessem mais recursos para rastrear vírus aparentemente benignos, se o Brasil tivesse se preocupado mais com a chegada do vírus, se soubéssemos um pouquinho mais sobre ele, talvez poderíamos ter poupado algumas vidas. Mas agora que o Brasil está no olho do furacão, a boa notícia é que a solução é relativamente simples, segundo Nisenbaum.

"Tecnicamente, não existe desafio. Temos que eliminar criadouros de mosquitos", disse ele. "É isso que temos que fazer: combater os mosquitos. Não há outra saída."

Tradução: Stephanie Fernandes