Meu primeiro vibrador DIY
Este é meu anel vibratório feito em impressora 3D. Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Meu primeiro vibrador DIY

Você vai precisar de: impressora 3D, um motor e tesoura sem ponta.

Tenho certeza que não estou sozinha quando digo que o prazer feminino foi um dos processos mais espinhosos da minha vida. Até os 16 anos, tudo que sabia sobre sexo se resumia à reprodução. Meus pais só me explicaram como nascem os bebês e, na escola, as aulas de educação sexual eram bastante vagas. Lembro de sequer ter visto a foto de uma vagina real – eram as ilustrações mais assépticas possíveis. O clitóris não existia nessas discussões. O pouco que sabia sobre masturbação se resumia a ato vergonhoso, e o que entendia por vibradores eram réplicas de pênis cheios de veias exibidos em sex shops sujas.

Publicidade

Passada a adolescência, percebi que muitas estavam nesse mar de ignorância sobre o próprio corpo e prazer. Minhas amigas e mulheres próximas achavam que o prazer era algo que vinha da penetração e, com muita sorte, isso as levaria ao clímax. Muitas brasileiras, aliás, ainda possuem essa ideia. Mesmo que muitas de nós não gozemos só com isso, a discurso é repetido por aí. Um estudo do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (Prosex) dá números a essa desinformação: metade das mulheres brasileiras não atingem o orgasmo nas relações sexuais, 40% delas não se masturbam e 20% nunca tentaram.

Foi com isso em mente que, no último sábado, me credenciei para um evento educativo: o workshop de Sex Hacking no Festival de Cultura Maker da Red Bull, em São Paulo. Numa ampla sala arejada e bem iluminada, mulheres – e apenas um homem –aguardavam animadas pela aula que prometia ensinar a fazer um vibrador do zero. A idealizadora do evento era a artista multidisciplinar Rita Wu, de 29 anos, uma mulher elegante que nos aguardava em silêncio atrás de seus óculos de aro grosso, com uma camiseta estampada de pequenos pintos e ânus.

Onde a mágica acontece. Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

Rita é uma das pessoas mais interessantes que hoje discutem sexualidade e tecnologia. Ela já desenvolveu projetos relacionados a temas como moda, arquitetura, design, urbanismo e também relações pessoais. Para esta oficina, o objetivo era fazer com que outras mulheres entendessem melhor a própria sexualidade. Ela mesmo, descendentes de chineses e criada em um ambiente familiar rígido, diz ter sido difícil discutir sexo durante boa parte da vida. "As minhas referências femininas eram bem complicadas", diz. "Mas também vi que muitas mulheres desconheciam a potência do próprio corpo delas."

Publicidade

A artista me contou que seus estudos sobre sexo se deram por meio de um misto de frustração amorosa e paixão por biologia molecular. "Começou com relacionamentos", disse. "Queria entender como certos relacionamentos que tinham tudo para dar certo costumavam dar errado, entender a mediação de relacionamentos pela tecnologia, talvez por conta de uma desilusão amorosa que tive. Disso partiu para a sexualidade quando me interessei por biologia molecular. Aí que vi que precisava entender a sexualidade para entender a vida."

Após a breve apresentação, Rita falou sobre como essa aula poderia ser uma introdução para nós aprendermos a "hackear" nosso próprio corpo. Seria entender como ele funciona e colocá-lo na sua máxima potência. Parece conceito saído de um filme de ficção científica, mas é uma realidade mais simples do que imaginamos. No caso do prazer feminino, diz respeito a criar um objeto para proporcionar prazer para si mesma e se descobrir.

Rita Wu e Lúcia. Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

Naquele dia, Rita e Lúcia – a designer de produtos que auxiliava Rita no workshop - escolheram apresentar um anel vibratório que seria montado por todas as presentes por meio de uma impressora 3D. "A ideia do anel é também conseguir personalizá-lo e usar para outras modalidades", explica Lúcia sobre a escolha do vibrador. "Também se torna uma coisa interessante que é poder usar em público um objeto que te dá prazer sem ninguém saber o que é ou invadir sua privacidade."

Publicidade

(Vale dizer que a ideia de subverter um objeto para o prazer feminino é bem difundida. Um dos vibradores mais vendidos para as mulheres é um massageador chamado Hitachi. Ele é perfeito para encaixar em cima ou próximo do clitóris para estimulação. O corpo comprido do objeto e a ponta grossa maleável pode até lembrar vagamente um pênis, mas consegue passar despercebido se você deixar encostado em um canto da sua casa. É uma espécie de Salad Mixxer da vida real.)

"É uma coisa que ninguém fala. A mulher não observa a própria vagina. Me pergunto por que a vagina é uma coisa que é restrita só para os médicos olharem em consultórios?"

O anel vibratório desenvolvido por Rita e Lúcia tem dupla função: no caso, um adorno e um vibrador. Ambas usaram dois brinquedos sexuais como inspiração para o protótipo: o anel peniano e uma espécie de anel de silicone que você coloca na ponta com dedos com estrias que acariciam seu clitóris.

A expectativa de manusear um motor elétrico me intimidou um pouco, já que não conheço quase nada de eletrônica. Mas acabou sendo mais simples do que imaginava. Tratava-se de um pequeno motor de corrente direta bem parecido com aqueles usados em celulares para vibrarem. Ele funciona com duas baterias pequenas chamadas de LR41 e uma chapa metálica para conduzir energia e fazer o motor girar. Super simples.

Quase lá. Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

A estrutura do anel foi toda produzida em uma impressora 3D que funcionava a todo vapor em uma grande sala no térreo do Red Bull Station. Embora um dos donos da empresa que imprimia os protótipos me jurasse que a impressão 3D é uma realidade mais próxima do que a gente imagina (e é mesmo se considerarmos que a máquina mais cara dali custava o mesmo do que um iPhone 7), senti que estava vendo ao vivo e a cores um capítulo do livro Consumidos do David Cronenberg, em que uma das personagens usa uma impressora 3D ultrassofisticada para criar pedaços de corpos. Infelizmente, algumas partes do anel não dão para qualquer pessoa fazer em casa.

Publicidade

Superando a limitação das impressoras 3D, todo o processo de impressão é bem descomplicado. O protótipo do anel, feito num software parecido com o Autocad, é colocado em um cartão de memória na impressora que preparou o anel em duas peças separadas: o suporte e a caixinha para a bateria e o motorzinho que seria o "topo" do anel para encostar no clitóris. O material escolhido é um bioplástico chamado PLA, um ácido polilático biodegradável feito de restos de comida.

Infelizmente, a impressora 3D não consegue imprimir peças muito sofisticadas de tamanho reduzido. Era possível ver que, durante a impressão – chamada de slicing porque vai depositando o PLA aquecido em fatias em uma placa de vidro –, qualquer intervenção externa como vento forte pode deformar o modelo. Alguns anéis então ficaram meio esquisitos após a impressão.

Foco. Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

Rita disse que, por mais que a impressão 3D pareça fácil, ela não é perfeita. Às vezes é preciso usar lixas de unha ou de parede para aperfeiçoar a peça e também recorrer à sonda aquecida para modelar algumas partes. "Na fase de testes é comum você imprimir uma peça várias vezes até chegar numa receita correta", explicou Rita.

Após recebermos o anel, fizemos algumas alterações com a sonda e cola quente para prender as baterias e o motor na caixinha de bateria. Foi um pouco cansativo porque, meu Deus, como essas pecinhas são miúdas. Toda hora dava uma errada no processo e me dava um impulso de de jogar tudo pro ar. Mas, com a ajuda de Rita e Lúcia, finalmente consegui fazer o anel funcionar.

Publicidade

A vibração era forte até, e a superfície mais lisinha do anel era bem agradável em contato com a pele do meu braço. O problema é que não conseguimos colocar um botão na peça, então passei três minutos olhando para o anel vibrar loucamente na mesa até a bateria acabar em definitivo. Não consegui testá-lo da forma desejada, mas, comparando a vibração dele com alguns vibradores que possuo em casa, posso dizer que não deixou a desejar.

Crédito: Larissa Zaidan/ VICE

A ideia de poder ter futuramente uma impressora 3D em casa me animou muito mais do que o anel vibratório, confesso. Não pretendo comprá-lo tão cedo, claro, porque o material de impressão ainda é caro, mas vendo Rita contando que costuma fabricar diversos utensílios de cozinha que se encaixam nas suas necessidades fiquei com bastante vontade de ter uma assim em casa.

"A importância do sex hacking e a cultura maker está muito ligado ao desejo de fazer coisas por contra própria e se sentir realizado com esse feito", explica Rita.

Ela explicou que buscar o prazer feminino não é só a quebra de tabus, mas também é uma questão de saúde. "Existem muitas mulheres que acabam tendo inflamação por conta do acúmulo de líquidos e muitas nem sabem o porquê", referindo-se à prática do squirting, tratado ainda como lenda por muita gente. " É uma coisa que ninguém fala. A mulher não observa a própria vagina. Me pergunto por que a vagina é uma coisa que é restrita só para os médicos olharem em consultórios? "

Por fim, o workshop me pareceu uma experiência interessante para nos incentivar a conhecer nosso corpo. Já tinha lido uma matéria gringa da VICE em que a repórter conseguiu até se dar bem fazendo vários apetrechos sexuais improvisados. Também existe o maravilhoso zine Go Fuck Yourself que também ensina você fazer vários objetos que ajudam na masturbação feminina. Daqui para frente, pelo visto, a tecnologia nos auxiliará a tornar esses aparelhos mais sofisticados. E sem precisar da ajuda de ninguém.