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Tecnologia

Interagindo com Dinossauros num Brasil Pré-histórico

Experimentei o projeto brasileiro de realidade virtual que permite ver de perto 21 espécies de dinos que moraram por aqui. Assustei.
O Uberabatitan é o maior dino brasileiro conhecido — tinha 4 a 6 metros de altura e 15 de comprimento.

A poucos minutos da Marginal Pinheiros, em São Paulo, existe um oásis urbano: um complexo de bosques, predinhos de arquitetura industrial, ciclovias e pistas de corrida chamado Cidade Universitária. O lugar é repleto de gente com livros embaixo do braço, atletas e jovens, mas também há espaço para espécies mais exóticas. Na última semana vi, mesmo, dinossauros – e sim, eu estava sóbria e posso explicar.

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Em um dos prédios do local, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), ao lado de dezenas de salinhas de aspecto burocrático em corredores de concreto brilhante, trabalham os engenheiros de software Pedro Kayatt e Keila Matsumura, sócios-fundadores da VR Monkey, uma empresa de tecnologias em realidade virtual. Dentro de um cubículo sem janelas, a dupla se dedica a criar ao lado de outros desenvolvedores uma versão paleontóloga de Deus: um módulo para Oculus Rift que se passa em um Brasil pré-histórico habitado por dinossauros.

A vista da região de Uberaba, no interior de Minas Gerais, onde se passa a demo, há alguns milhares de anos

Para quem não sabe, o Oculus Rift é um gadget de realidade virtual cuja criação e lançamento foram financiados pelo Kickstarter em US$2,4 milhões, mas a iniciativa gerou interesse de outros investidores e o projeto chegou a receber cerca de US$75 milhões em aportes. Há pouco mais de um ano, o Facebook anunciou a aquisição da Oculus VR, a empresa por trás do projeto, por US$2 bilhões.

É fácil usar os óculos: é só ligar e colocar na cabeça junto dos fones de ouvido para explorar mundos em 3D de modo imersivo. Muitos comentaristas dizem que a versão final do brinquedo (que já é vendida para desenvolvedores) deve revolucionar o entretenimento. Estima-se que, dentro de três anos, 30% das residências americanas tenham algum dispositivo de realidade virtual, como o Oculus. "Estamos trabalhando com algo que ainda não existe e realizando o sonho de muitos paleontólogos, que é interagir com um dinossauro", me disse Pedro, empolgado, em uma sala de reunião perto do pequeno escritório da VR Monkey.

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"Quero que, quando falarmos em dinossauros, as crianças se lembrem de alguma espécie brasileira, e não do T-Rex."

Dinos do Brasil, o módulo que a empresa desenvolve para dispositivos de realidade virtual, não é jogável: trata-se de uma criação educativa, uma viagem virtual por um mundo em que é possível ver e interagir com dinossauros brasileiros sobre os quais a maioria de nós sequer ouve falar na escola. A intenção de Pedro e Keila é exibir o projeto em museus e, assim, criar referências diferentes para esse universo. "Quero que, quando falarmos em dinossauros, as crianças se lembrem de alguma espécie brasileira, e não do T-Rex", diz Keila.

O primeiros fósseis em território nacional foram encontrados em 1897, na Paraíba. Até 1999, só havia três espécies de dinos brasileiros. De 2000 pra cá, foram descobertas outras 18 em mais de oito estados brasileiros, de norte a sul. No total, temos 21 bichos que não devem nada para os famosos répteis pré-históricos que conhecemos por causa de Hollywood. Dois deles, o Uberabatitan, o maior dino brasileiro, com até 6 metros de altura e 15 de comprimento, e o Abelissauro (que é o primo brasileiro do T-Rex), aparecem na demo do módulo que a empresa está desenvolvendo: um tour de cinco minutos que apresenta o potencial do projeto. O visitante (eu, no caso) começa dentro de uma caverna. Um narrador de voz bem grave então explica as dificuldades de reconstruir um mundo pré-histórico em realidade virtual: pesquisadores, cientistas, modeladores, designers, roteiristas, engenheiros de som, especialistas em realidade virtual e programadores precisam trabalhar em conjunto.

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Nosso T-Rex bad ass, cheio de spikes — o Abelissauro

Paleoartistas e paleobotânicos, aliás, são essenciais. Eu também não sabia que isso existia, mas aparentemente são eles os responsáveis por ajudar a reproduzir vegetação, cores e texturas pré-históricas, um dos grandes desafios do projeto. "E os sons?", provoca Pedro. "Como saber que som os dinossauros faziam? Cordas vocais não são preservadas em fósseis", diz ele. A solução é estimar, com base em aves e répteis que conhecemos, e estudar acústica da cabeça e do pescoço dos bichos. Para ele, sons como o do avestruz e o do crocodilo são uma boa pista.

Na caverna, impressionam as poças de água no chão e a ambientação. A voz do narrador e os sons naturais têm eco perfeito e deu pra esquecer que eu estava sentada em uma cadeira em um cubículo na Cidade Universitária. O primeiro susto é uma queda no fim da caverna, uma cachoeira que deságua em um lago bem azul. Dali, o ponto de vista segue por um verde descampado — muito parecido com os que tinha visto lá fora há uns minutos — e se aproxima da vegetação e dos bichos gigantes que estão lá tranquilões comendo umas graminhas. Um rabo passa raspando e eu abaixo a cabeça. No fim, o rugido do Abelissauro à esquerda me faz saltar da cadeira. Não fiquei enjoada em nenhum momento e devo isso à preocupação da equipe, que testou a velocidade e os parâmetros específicos da queda pra evitar sensações indesejadas.

Ilustração do simpático Uberatiban que deu origem ao modelo 3D disponível na demo

Quando a demo terminou, desejei que fosse mais longa. É pouco tempo com os bichos — aliás, a sensação que a experiência passa é essa: são bichos. Aos vê-los de perto e em primeira pessoa, a impressão que tive sobre os dinossauros de programação da Keila e do Pedro é mais ou menos a mesma de quando você reconhece bichos carismáticos em animais do zoológico que, em filmes e na TV, pareciam meio monstruosos.

A VR Monkey pretende começar a exibir a exposição interativa Dinos do Brasil no Museu Catavento Cultural em São Paulo. O projeto está em fase de captação de recursos pela Lei Rouanet — eles precisam de quase 3 milhões de reais, que prevêem gastos de produção do projeto, equipamento e hardware e marketing, por exemplo. Na exposição final, 25 pessoas usando Oculus Rift ocuparão uma sala enquanto assistem ao módulo.

Pedro e Keila não duvidam por um segundo de que serão capazes de captar a quantidade de dinheiro necessária pra transformar o Dinos do Brasil em um dos primeiros tours educativos com Oculus Rift do mundo. Depois de testar a demo, confesso que espero que eles estejam certos: o mundo merece ver dinossauros como eu vi.