Os instrumentos do futuro parecerão sabres de luz e detectores de metal
Demos uma sacada no laboratório de dispositivos musicais hackeáveis de Londres, na Inglaterra. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

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Os instrumentos do futuro parecerão sabres de luz e detectores de metal

Demos uma sacada no laboratório de dispositivos musicais hackeáveis de Londres, na Inglaterra.

Uma caixa de madeira que soa como harpa, mas é tocada ao ser movida pelo ar. Um bastão que parece saído de uma trilha sonora de filme dos anos 80. Um sabre de luz que se assemelha a algo tocado por um gato.

Após uma visita ao Augmented Instruments Laboratory no Centro Universitário Queen Mary de Música Digital em Londres, na Inglaterra, posso afirmar que todos esses aparelhos são mais divertidos do que treinar escalas num piano.

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Eles são apenas alguns dos mais novos dispositivos que transcendem a noção de como deve ser um instrumento musical. Embora sejam diversos, todos possuem o mesmo processador de áudio de alta performance em seu coração, o Bela, que começou a ser enviado para o mundo todo após uma tremenda campanha no Kickstarter que levantou cerca de 65.000 dólares.

O Bela. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

O Bela é fruto da experimentação do laboratório com instrumentos "hackeáveis". Trata-se de uma plataforma de processamento de áudio capaz de transformar códigos em sons. "O Bela tem mais a ver com dar às pessoas a chance de criarem seus próprios instrumentos", explicou Giulio Moro, um dos pesquisadores envolvidos.

Um dos orgulhos de Moro é a latência mínima do processador (o atraso entre tocar e ouvir um som); outra vantagem, diz, é sua mobilidade extrema: tem tamanho de um jogo de baralho e não possui a necessidade de se plugar a um computador para produzir sons.

Claro que o Bela já deu origem a uma série de instrumentos bizarrões de laboratório. O melhor exemplo talvez seja o inevitável sabre de luz, construído a partir de tubo de papelão e configurado para gerar sons de gatinhos com o mexer do tubo. Além do Bela, o objeto tem um falante e dois tipos de sensores que reagem aos movimentos do usuário: um acelerômetro, que converte a aceleração em som, e um disco piezoelétrico, que transforma a pressão em som.

Um sabre de luz é legal, mas um saco pra levar pra cima e pra baixo. Sendo assim, o doutorando Chris Heinrichs também criou um instrumento menor cujo som também foi programado na linguagem Pure Data e é basicamente um bastão que você sacode no ar chamada, veja bem, de Vangelisiser. O nome vem de outro marco da cultura de ficção científica geek: Blade Runner e a trilha composta por Vangelis. Obviamente o som produzido é sinistrão. O aparelho em si lembra um detector de metais.

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Chris Heinrichs balançando o Vangelisiser. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

Outra das crias de Heinrichs é a Air Harp, um aparelho integrado com um sensor, a placa Bela, dois falantes e bateria. Trata-se de uma caixa de madeira talhada com alguns buracos na tampa. Heinrichs explicou que o acelerômetro funciona como "bola virtual no meio que vai pra frente e pra trás" quando você move a caixa pelo ar. O som é uma síntese de nove cordas de harpas, com volume de espectro total, tom e demais elementos musicais.

Heinrichs, um violinista que também usa o Bela para efeitos foley (efeitos sonoros cotidianos) em animação, vê a Air Harp como um instrumento simples de se usar e que não sacrifica no aspecto musical. "Muitos de nós aqui no laboratório somos fãs de simplicidade e limites em instrumentos… E este é um exemplo de instrumento limitado e com alto grau de expressividade", disse.

A essa altura você já deve estar entendendo: o Bela é o cérebro do instrumento. É possível escolher qualquer som para ser codificado e montar os diversos elementos de hardware de formas muito absurdas e, caso haja necessidade de maior amplificação, é só ligar numa caixa maior.

Chris Heinrichs e a Air Harp. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

O colega de laboratório de Heinrich e co-criador do sabre de luz musica, Robbie Jack, usou azulejos de banheiro para criar seu próprio instrumento percussivo.

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De certas formas, o Bela é um avanço lógico na experimentação realizada pelo Augmented Instruments Laboratory.

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O chefe do laboratório, o compositor, violeiro e engenheiro elétrico Andrew McPherson, tem mexido com esse negócio de instrumentos aprimorados desde 2008, quando desenvolveu um piano com eletromagnetos flutuando sobre as cordas. Este Magnetic Resonator Piano possibilita tudo que é tipo de efeito, incluindo bends e afins, que não tem como serem feitos em um piano comum.

Com um piano acústico comum, vai-se a nota assim que você toca uma tecla. Com o Magnetic Resonator Piano, alterar pressão, posição e demais elementos permite que você continue moldando o som mesmo após pressionar a tecla. Como dito pelo próprio McPherson: "Há todo um mundo entre as notas – e de algumas maneiras este mundo entre as notas é mais interessante".

O Magnetic Resonator Piano. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

Houve ainda evolução natural do Magnetic Resonator Piano, cujo mecanismo gerador de som é essencialmente acústico: o TouchKeys, desenvolvido em 2010, uma espécie de teclado com sensores sobre as teclas. Uma placa com sensor está afixada a cada tecla e ligada a um software capaz de converter os movimentos em som por meio do protocolo Open Sound Control.

Ao passo em que o Magnetic Resonator Piano e o TouchKeys se baseiam em uma interface familiar – o teclado – alguns dos projetos do laboratório não precisam ter ligação com qualquer instrumento clássico. Tomemos como exemplo a Arduinitar, espécie de guitarra elétrica criada com um Arduino que vem sendo apresentada em eventos desde 2012, tocada por meio de botões e sensores posicionados mais ou menos como as cordas de uma guitarra comum.

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Na teoria, os componentes poderiam ser montados de outra forma: como um violino ou, digamos, mata-moscas. O visual é, por assim dizer, uma espécie de relíquia ligada ao que queremos ou esperamos ver de um instrumento musical, mas não tem sido um fator de limitação na criação de instrumentos com o Bela. Desta vez, o laboratório inovou não só com a interface, mas também com a tecnologia.

Interior da Air Harp, com o Bela. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

O doutorando Liam Donovan foi o responsável pelo ambiente de desenvolvimento integrado do Bela, que roda em um navegador; sua interface amigável permite que o usuário comece a criar sem softwares adicionais. Ele também trabalha para reduzir (e baratear) ainda mais o Bela.

De acordo com Donovan, o Bela é um passo adiante do Arduino. "Dá pra ir além porque pode-se rodar o programa do chip mesmo, acessando-o pelo navegador, dando ainda mais controle", comentou. A obsolescência, de hardware ou software, é um problema de muitos instrumentos novos, mas com o Bela, desenvolvedores e designers não precisam se preocupar em perder funcionalidades ao atualizar o sistema operacional ou notebook, já que o código pode ficar armazenado diretamente no dispositivo.

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O colega de laboratório Moro ainda destaca outra vantagem do Bela: "O fato de ser dedicado permite fazer coisas que não conseguiria [em um computador], que não é dedicado àquilo", disse. Ele comparou a CPU do Bela a um iPhone 3GS. "Não é poderoso como um iPhone 6", comentou. "Mas com um iPhone 6 você não faz nada próximo do que fazemos porque o sistema operacional está ocupado com outras coisas. Ele cuida dos gráficos, da tela, internet e todos os aplicativos ao fundo. E esse aqui cuida só do áudio."

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Parte dos aparelhos no laboratório. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

Está claro que ferramentas como o Bela estão facilitando a criação de instrumentos musicais, mas uma questão que paira no ar é a sua adoção: será que eles irão além do YouTube e do circuito acadêmico?

O tecnólogo musical Mat Dalgleish apontou em sua tese de doutorado sobre o design de instrumentos musicais digitais que "apenas uma pequena parcela destes instrumentos são bem-sucedidos e duradouros". "No geral, eles tendem a combinar algum grau de acessibilidade inicial com possibilidades profundas o suficiente para manter o músico interessado no longo prazo."

O Augmented Instruments Laboratory está lidando com esses aspectos de acessibilidade e interesse de diversas formas. Ele tem desenvolvido variadas formas de acesso e o tamanho e custo dos projetos caíram, enquanto sua versatilidade cresceu.

Andrew McPherson toca uma nota no TouchKeys. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

No caso do Bela, tanto o hardware quanto o software são de código de aberto, mesmo que muitos prefiram comprar o hardware pré-fabricado. Seu público-alvo é mais o fabricante de instrumento que o músico, e o McPherson o chama de "uma plataforma compartilhada que as pessoas querem mesmo contribuir, além da gente".

Já a construção de uma comunidade experimentando o Bela, como aconteceu com projetos envolvendo Arduino, o buraco é mais embaixo. O objetivo do laboratório é criar uma massa crítica de pessoas usando a tecnologia e então torcer para que uma comunidade sustentável nasça a partir disso.

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Peter Lång, compositor que trabalhou no aplicativo Biophilia da Björk e outros projetos ligados à música, sugeriu que essas ferramentas podem ser úteis para aprender; os dados gerados por instrumentos digitais permite que estudantes e professores analisem a prática' além disso, o conhecimento de teoria musical – terror de muitos aprendendo a tocar algo – pode ser menos necessário com a chegada de ferramentas digitais. Ele destaca ainda que compositores clássicos nem sempre abraçaram a inovação tecnológica.

"A maioria das instituições tradicionais encaram as plataformas digitais como distribuição e não como uma ferramenta criativa em si", disse.

Robbie Jack toca seu instrumento com azulejos. Crédito: Liz Seabrook/Motherboard

Lång também é o diretor artístico da Scen3, rede colaborativa na Escandinávia que reúne programadores, designers e músicos. Ele acredita que tradicionalistas da música clássica precisam ser mais abertos não só a novas tecnologias, mas também a novas parecerias como as incentivadas pelo Augmented Instruments Laboratory. "Já passou a época do gênio solitário no sótão que vai lá e cria uma obra-prima e a revela ao público", disse.

Astrid Bin, doutoranda que trabalhou na interface e design do Bela, está otimista ao comentar que instrumentos musicais digitais existem há cerca de 30 anos e tanto a música popular quanto a clássica estão cheias de instrumentos que pareceram bizarros quando surgiram.

"Sempre surgiram instrumentos fora do comum na música pop, agora mais que nunca – mas Brian Wilson já tocava um teremim nos anos 60 e estava no topo das paradas", afirmou. "Nós meio que tomamos instrumentos acústicos como algo certo, você sabe que um violino é um violino, claro; nós meio que temos essa noção de que a coisa nasceu assim, mas são anos e anos de design interativo e, ao observar a história dos instrumentos, teve muita loucura".

McPherson concorda: "Claro que 90% disso aqui não vai pra frente, mas o desenvolvimento é assim em qualquer área. Creio que muita gente vai querer ver mais".

Tradução: Thiago "Índio" Silva