​A ação humana está fazendo com que animais evoluam artificialmente
O efeito negativo dos humanos no meio ambiente não se resume à extinção de espécies. Estamos criando novas espécies de modo artificial por meio de atividades como implantação de espécies invasivas, domesticação e caça. Crédito: EPA/Friso Gentsch

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​A ação humana está fazendo com que animais evoluam artificialmente

O efeito negativo dos humanos no meio ambiente não se resume à extinção de espécies.

Nos últimos anos, espécies tem desaparecido da Terra com rapidez comparável a eventos de extinção global – e não restam dúvidas de que a culpa é da ação humana.

Biólogos calculam que dezenas de espécies inteiras desaparecem diariamente, um índice quase que 1.000 vezes maior do que se calcula ter ocorrido em eras anteriores ao Homo sapiens. Para os cientistas, nosso impacto no ecossistema terrestre é tamanho que até ganhamos nossa própria era: o Antropoceno.

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E os efeitos negativos da ação humana não se resumem à extinção. Em vez de sucumbirem às pressões de nossas atividades, algumas espécies tem evoluído rapidamente. Esta adaptação relativamente nova – e catastrófica, chamada de "especiação mediada por humanos" – foi observada com detalhes em estudo publicado nesta semana no periódico Proceedings of the Royal Society B.

Aqui cabe uma explicação: quando planta, animal ou bactéria passa pelo processo de "especiação" – formação de novas espécies biológicas na qual uma ou mais populações de uma espécie se tornam geneticamente diferentes –, sua linhagem evolucionária se divide em dois ou mais conjuntos genéticos únicos. Em algumas ocasiões, tais discrepâncias são difíceis de serem detectadas. Como já apontado pela Scientific American, as orcas (Orcinus orca), que há tempos os biólogos acreditavam ser um tipo único de baleia, na verdade tem se dividido há centenas de milhares de anos em diferentes espécies com suas próprias características e tradições.

Como a evolução é um processo complicado de se quantificar, ainda mais em curtos períodos de tempo, biólogos da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, decidiram investigar se recentes adaptações de espécies poderiam ter sido induzidas por estressores antropogênicos. O que eles descobriram foi uma retumbante prova da especiação causada por humanos devido a ações em habitats como implantação de espécies invasivas, domesticação, caça e hibridização (caso dos "pizzlies", híbridos de urso pardo e polar).

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Um dos mais óbvios condutores deste fenômeno, dizem os cientistas, é a destruição de ecossistemas por meio de mudança climática, extração de recursos naturais e a introdução de espécies invasivas daninhas.

Seguindo por esse caminho, o estudo revelou que 38 espécies – como o Anolis sagrei presente no Havaí e Taiwan, e os sapos-cururu (Rhinella marina) na Austrália – mostraram sinais de evolução acelerada após sua introdução à ambientes estranhos. Quase 70% das espécies de plantas invasivas na Austrália, muitas delas inadequadas para o clima árido da região como a macelinha (Facelis retusa), tiveram mudanças em pelo menos uma característica morfológica ou estrutural ao longo de 150 anos.

Mas mais interessante mesmo foi quando um patógeno sul-americano mortal chamado "vírus do mixoma" foi transplantado para a Austrália nos anos 50 para controlar a população de coelhos selvagens e, em um ano, os mesmos coelhos começaram a evoluir junto ao vírus e desenvolveram resistência ao mesmo. De acordo com os autores do estudo, mudanças evolucionárias como esta não são incomuns, mas muitas vezes passam despercebidas entre espécies que não são consideradas "relevantes economicamente".

A domesticação é outra possível causa da especiação. Ao longo dos últimos 11.000 anos, os humanos "domaram" 474 espécies animais e 269 plantas, incluindo, claro, o cão doméstico (Canis lupus familiaris). Um efeito colateral desta prática é que agora os seres humanos também interagem com espécies tidas como "pragas", caso da ervas daninhas, o que enfraqueceu as pressões seletivas que anteriormente as mantinha sob controle.

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Número de extinções registradas de espécies de animais e plantas; número de espécies invasivas estabelecidas registradas; número de espécies domesticadas. Cinza claro, desde 1500 A.C.; cinza-escuro, durante o Holoceno. Tabela: Proceedings of the Royal Society B/J. W. Bull et al.

"Também vemos exemplos de domesticação resultando em novas espécies. De acordo com um estudo recente, pelo menos seis dos 40 mais importantes cultivos na agricultura são considerados completamente novos", disse o principal autor do estudo, Joseph Bull, pós-doutor do Centro de Macroecologia, Evolução e Clima da Universidade de Copenhague.

Até mesmo os humanos são vítimas de sua manipulação ecológica. Agora, a resistência bacteriana à antibióticos receitados com frequência é uma das maiores ameaças à saúde pública, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. O micróbio responsável pela gonorreia e o Staphylococcus aureus (SARM) são apenas algumas das "superbactérias" dos dias atuais que desenvolveram uma resistência a maior parte dos medicamentos. Os tratamentos empregados agora exigem o uso de uma série de diversos antibióticos para compensar a probabilidade de que um ou mais remédios podem simplesmente não funcionar.

Ao passo em que a adição de novas espécies possa parecer empolgante ou benéfica em tempos de extinção em massa, Bull e seus colegas encorajam a comunidade científica a considerar o valor líquido da mudança antropogênica e não só suas contribuições artificiais. Espécies selvagens não podem simplesmente ser substituídas por novas, dizem. As consequências biológicas que taiss organismos oferecem a estes complexos e muitas vezes frágeis ecossistemas são imprevisíveis.

"A ideia de se ganhar novas espécies 'artificialmente' por meio da atividade humana dificilmente promoverá a noção de que isso poderia compensar as perdas de espécies 'naturais'", comentou Bull.

"De fato, muitos podem achar a ideia de um mundo artificialmente biodiverso tão assustador quanto um mundo artificialmente empobrecido."

Tradução: Thiago "Índio" Silva