A Vez dos Amadores no Telescópio Hubble
​Crédito: NASA, ESA, the Hubble Heritage Team (STScI/AURA)

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Tecnologia

A Vez dos Amadores no Telescópio Hubble

Nos anos 90, o ​Space Telescope Science Institute aceitou propostas de astrônomos amadores para algumas horas de telescópio.

Existe um tipo de aflição comum entre os astrônomos amadores chamada de inveja da abertura: o desejo de mais tempo em telescópio cada vez maiores. Aos que sofrem com isso, usar o telescópio Hubble parece a fantasia derradeira.

O Hubble completou 25 anos em 2015. Ele foi lançado em 24 de abril de 1990, após um atraso causado pelo desastre da Challenger. E, no início de sua missão, 12 amadores viveram esse sonho, pois tiveram a oportunidade de usar o telescópio de ​1,5 milhões de dólares para pesquisas próprias.

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Riccardo Giacconi foi o primeiro diretor do ​Space Telescope Science Institute (STScI), responsável pelas operações do Hubble. Antes do lançamento, ​ele anunciou que dedicaria uma parcela pequena de um tempo estipulado do telescópio para o uso de amadores. A intenção do programa, como escreveu Ray Villard, porta-voz do STScI, por e-mail, era "um agradecimento à comunidade de astrônomos amadores por seu fomento à astronomia profissional".

"Muitas pessoas acham que eu fui até o espaço para utilizar [o Hubble]", riu George Lewycky.

Embora o tempo designado para o uso de amadores fosse de algumas poucas horas por ano, isso irritou muitos astrônomos profissionais, que também competiam pelo tempo no novíssimo telescópio e que dependiam disso para suas pesquisas. "Há tanto a ser feito pelos profissionais para permitir que qualquer amador receba nem que seja menos de um por cento do total de tempo do telescópio Hubble", ​conforme citação de um cientista no livro The Hubble Wars, de Eric Chaisson (astrônomo do STScI que dirigia o programa de amadores do HST).

Mesmo assim, o programa seguiu em frente – e,​ de acordo com um artigo da revista Sky and Telescope de 1997, aproximadamente 200 propostas foram recebidas para o primeiro ciclo de amadores em 1992.

Jim Secosky era um professor de ensino médio ao norte do estado de Nova York na época. Ele cresceu durante a corrida espacial dos anos 1950 e 1960 e trabalhou em empregos temporários quando jovem para juntar dinheiro e comprar seu primeiro telescópio. "Eu queria tanto usar aquele telescópio grande", Secosky lembra. Ele submeteu sete propostas preliminares para uma porção do tempo estipulado de Giacconi.

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Três de suas ideias passaram na primeira rodada de eliminações, e ele convenceu seus professores a conceder um semestre "sabático" para pesquisar e escrever três propostas mais detalhadas. O tempo a mais valeu a pena; seu plano de estudar um mistério não resolvido em Io, uma das luas de Júpiter, foi escolhido e Secosky se tornou o primeiro astrônomo amador a usar o Hubble.

Foto tirada em 25 de abril de 1990, dia do lançamento do Hubble. Crédito: NASA.

O objetivo da observação de Secosky era provar, ou não, um fenômeno observado periodicamente por astrônomos de telescópios terrestres que estudam a vulcânica Io. Em diversas ocasiões, a lua aparece mais brilhante quando emerge de um eclipse atrás de Júpiter, mas ninguém soube o por quê. Com as imagens do Hubble, desobstruído pela atmosfera terrestre, Secosky demonstrou que o brilho variável de Io não passava de uma ilusão – descoberta que ele publicou no periódico de prestígio Icarus.

No entanto, usar o Hubble não é tão glamoroso quanto muitos pensam. Os astrônomos não ficam olhando a esmo com o rosto preso no óculo, como fazem nos telescópios normais. Pois ele está, afinal de contas, voando a uma velocidade de 28.000 km/h ao redor da Terra.

Na realidade, Secosky explicou, sua observação aconteceu em uma madrugada perto das 2h30. Ele ficou sentado em um porão da STScI na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, rodeado de monitores de televisão e computadores, e aguardou a aparição de suas imagens.

"Muitas pessoas acham que eu fui até o espaço para utilizá-lo", riu George Lewycky, outro amador do Hubble,  ​que estudou a atmosfera de Titan, a lua gigante de Saturno, durante o segundo ciclo de amadores em 1993. Lewycky, um programador de New Jersey, usou o espectrógrafo do Hubble para investigar a presença de formaldeído – que, se combinado com cianeto de hidrogênio, pode formar um dos elementos constituintes do DNA.

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Imagens do Hubble de Io, lua de Júpiter, passando por cima do planeta. Crédito: John Spencer (Observatório Lowell)/NASA.

Até hoje, Lewycky continua o processo meticuloso de eliminar dados solares extrínsecos de suas observações para isolar as leituras de Titan. "Foi mais do que eu esperava, e muito mais do que eu recebi", ele riu. "Eu não sabia o que tinha conseguido até receber os dados".

Benjamin Weiss foi o amador mais jovem já selecionado – um estudante universitário de 19 anos na Amherst College quando usou o Hubble para observar asteroides durante o mesmo ciclo de Lewycky. Primeiro, ele ouviu falar do programa de amadores no acampamento de verão do colégio. Eles estavam estudando asteroides, então, com alguns amigos, ele "amadureceu a ideia de descobrir luas ao redor de asteroides".

"Havia predições de sua existência, mas ninguém havia observado nada", Weiss explicou. "E existe um motivo importante para querer saber disso – não somente porque é legal, o que é óbvio – mas porque você não consegue especificar a massa de um corpo sem rastrear algo que orbita ao redor dele".

"O primeiro telescópio que usei na vida foi o Hubble", afirmou Benjamin Weiss.

Naquela época, Weiss não se considerava um astrônomo amador. Mesmo agora, mais de 20 anos depois, ele mostra incredulidade por sua proposta ter sido aceita. "O primeiro telescópio que usei na vida foi o Hubble", ele disse, "o que mostra o quão legais são esses caras por levar ideias legais para as pessoas que não tem nada a ver com isso!".

Infelizmente, Weiss e seus amigos não encontraram luas nos cinco asteroides observados por eles – nem em nenhum dos cinco outros asteroides pesquisados pelo Hubble no mesmo ano. Porém, em agosto de 1993, a espaçonave Galileo descobriu uma pequena lua orbitando outro asteroide. "Por um lado, isso nos decepcionou, mas por outro, também foi superempolgante", Weiss se lembra. "E nos deixou pensando, 'Ei, pelo menos estávamos fazendo alguma coisa'".

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Embora o grupo estivesse apto a  ​publicar um artigo com base em suas observações, Weiss admitiu que elas exigiram uma assistência significativa da equipe da STScI. "O instituto destinou uma pessoa em tempo integral para nos auxiliar com aquelas técnicas de processamento de imagem bastante complicadas", ele disse. "Para cada aspecto do processo, precisamos de ajuda considerável, então demos a eles todo o crédito por destinar aquela mão de obra".

Esse apoio extra exigido pelos amadores foi um dos motivos pelo qual o programa foi, finalmente, cancelado. Diante de cortes no orçamento gigantes, as demandas do programa de amadores se mostraram excessivas para o STScI.

"Basicamente, a preocupação com o programa era que somente alguns poucos astrônomos amadores tivessem a oportunidade de usar o Hubble para programas que fossem, na melhor das hipóteses, de valor científico questionável e mais do que uma atividade de relações públicas", escreveu Villard.

O astronauta Steven L. Smith e John M. Grunsfeld são fotografados em uma atividade extraveicular (EVA) durante a missão de serviço STS-103 do Hubble em dezembro de 1999. Crédito: NASA/JSC.

Também não ajudou o fato de que, nos ciclos seguintes, houve uma escassez significativa de propostas. Lewycky conta que levou sete meses para pesquisar e escrever sua proposta, trabalhando em tempo integral, e Secosky trabalhou em sua proposta durante oito horas por dia naquele semestre em que se dedicou a isso. Como é de se esperar, muitos amadores não dispõem desse tempo para se dedicar a propostas que não têm garantia nenhuma de serem aceitas.

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Apesar da insistência dos amadores que usaram o Hubble, o programa foi cancelado em 1994 pelo sucessor de Giacconi e as últimas 12 propostas de amadores aconteceram em 1997.

"O que [Giacconi] fez foi tão fora do convencional e tão sem necessidade",  ​disse Weiss, agora professor de ciências planetárias no MIT. "Tenho certeza de que ele não ganhou muita fama entre todos os astrônomos profissionais que morriam de vontade de ter um tempinho no Hubble. Ele simplesmente não precisava ter feito aquilo".

Mas ele fez. E apesar de o programa de amadores do Hubble não ter resultado em nenhuma descoberta científica grandiosa, ele criou um bom número de embaixadores que continuam elogiando os benefícios do telescópio até hoje.

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Tradução: Amanda Guizzo Zampieri