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@JMitcherCNN: Cabo, em primeiro lugar, gostaria de agradecê-lo por esta entrevista. A esta altura, a América inteira já deve ter visto as imagens do seu incrível headshot, da semana passada. Você poderia nos contar a história com suas próprias palavras?

@CplPetersUSMC: Claro, Jim. Como você já sabe, as coisas saíram de controle depois dessa minha execução. Estou beirando os 12 mil seguidores agora. Na época, meu número de seguidores não passava de… talvez duas dúzias? Bom, apenas duas pessoas estavam comigo quando tudo aconteceu — @PatriotRiot2000 e @FrendliGhost. Foi a noite do ataque a Peshawar, lembra? Então, metade da nação estava seguindo os garotos da Força Aérea. Ninguém queria perder um salto como aquele. Agradeço a todos os fãs que estiveram comigo desde o início, mas quero dar crédito a quem merece. Éramos apenas eu, Riot e Ghost naquela noite.

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@JMitcherCNN: Interessante. Então, você não tinha quórum para seguir em frente?

@ CplPetersUSMC: Não, senhor. Não numa primeira instância. Mas, naquela noite, eu não estava preocupado com quórum. Era só uma patrulha rotineira, não esperávamos problemas. Eu estava apenas batendo papo com o Ghost e o Riot. Os dois sempre me ajudaram com navegação, relatórios e coisas do tipo. E sempre estiveram ao meu lado quando precisei conversar com alguém, sabe? Às vezes, isso é o mais importante. No meio de uma zona de guerra, é bom ouvir a voz de um garoto suburbano de Detroit nos fones de ouvido.

@JMitcherCNN: Quantos soldados estavam participando da patrulha?

@CplPetersUSMC: Era um esquadrão de seis homens, e os caras responsáveis pela tática nos separaram para cobrir mais terreno. O Ghost e o Riot acharam que era burrice, mas perderam na votação da sala de guerra. Quando os números de audiência são baixos, ideias ruins passam com mais facilidade. É por isso que o quórum é importante. Admito, chegamos a resmungar. Me disseram que havia vários estrategistas online que nunca haviam acompanhado um soldado de fato. Passavam o tempo todo em zoom out, observando o feed de satélites e nos movendo como peças de xadrez. Não acho que isso é errado, mas pode ser perigoso. Ninguém que já acompanhou mesmo a patrulha de um soldado tomaria uma decisão dessas.

@JMitcherCNN: Então, você estava sozinho num beco. Sem reforço.

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@CplPetersUSMC: Isso. Aí o Riot notou um carrão preto estacionado no beco. Estava escuro pra dedéu lá. As luzes da rua estavam apagadas, então nem notei o carro. Já o Riot é um legítimo gadgeteiro. Ele fica de olho no meu feed infravermelho e no meu feed térmico, cada um numa janela. Não deixa passar nada. E ele é de Detroit, então manja de carros. Enfim, era um Lincoln. Quase todos os carros aqui são modelos soviéticos dos anos 70, lataria. Baita ironia, não? É fácil encontrar os caras da lista de Mais Procurados porque dirigem carros americanos.

@JMitcherCNN: Então, você sabia que alguém importante estava por ali.

@CplPetersUSMC: Nós suspeitamos. O Ghost começou a observar os mapas de calor via satélite, abriu as plantas dos pisos e conferiu a localização das janelas. Eu sabia que não dava para invadir o prédio sozinho, mas o Ghost e o Riot não confiavam nos caras da sala de guerra, então preferiram esperar antes de chamar a cavalaria. Aqueles sabichões de tática provavelmente mandariam o esquadrão entrar a abrir fogo só pela diversão. Então, o Ghost me conduziu até um prédio comercial, bombardeado, do outro lado da rua. Subi cinco andares, até ficar no mesmo nível do prédio oposto. Uma luz estava acesa e consegui enxergar o apartamento onde estavam os suspeitos. Havia seis ou setes caras barbudos com AKs penduradas no ombro. Parecia que estavam discutindo e, por um tempo, imaginei que atirariam um no outro e me poupariam do trabalho, mas então chegou outro cara. Dava para ver na cara dele que era uma espécie de mandachuva — o dono do carro. Não o reconheci. Não quero soar racista, mas esses caras barbudos são todos iguais. Riot, por outro lado, logo abriu um software de reconhecimento facial e o identificou na hora como Jaques al-Adil.

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@JMitcherCNN: O Valete de Paus.

@CplPetersUSMC: Exatamente. O cara era uma carta marcada. Um dos top dez terroristas mais procurados do mundo, e lá estava eu, numa janela do outro lado da rua, posicionado para o headshot perfeito.

@JMitcherCNN: Mas…

@CplPetersUSMC: Mas, como já mencionei, eu não tinha quórum, então não podia atirar. Em termos legais. Então, o Ghost e o Riot entraram nas redes sociais e tentaram espalhar a notícia. Qualquer americano patriota teria votado a favor de um tiro como aquele, mas não tínhamos pessoas o suficiente na sala. Todos os amigos do Ghost e do Riot estavam assistindo ao ataque em Peshawar, e não estavam checando mensagens. Então, sabe o que eles fizeram? O Ghost acordou os pais, e o Riot foi atrás de sua irmãzinha e do namorado dela. O problema é que os pais do Riot são verdadeiros tradicionalistas, nunca seguiram um soldado na vida. O Riot sempre relcama deles, sobre como não fazem jus às responsabilidades de cidadãos. São das antigas, sabe? Não ligam para a democracia direta.

@JMitcherCNN: Eles já tinham se registrado para votar?

@CplPetersUSMC: Não! Aí é que tá. Acho que foram pré-examinados por meio da carteira de motorista, ou algo assim, mas certamente não estavam inscritos para este teatro. Dava para ouvir o Riot guiando o procedimento de registro, tentando convencê-los da importância disto, enquanto eles tentavam acalmá-lo. Digitaram o email errado e tiveram que recomeçar, coisa típica de gente velha. Agora, é para rir.

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@JMitcherCNN: Imagino que não tenha sido tão engraçado na hora.

@CplPetersUSMC: Não, não foi. Mas, olha, a situação do Ghost foi pior ainda. A irmã dele é hippie. Pacifista, sabe? Não quer nada com guerra. Escutei o Ghost discursar para ela, tentando convencê-la a fazer a coisa certa pela liberdade e pela democracia, só daquela vez. Enquanto isso, fiquei à espera, com o rifle carregado e a cabeça de Jaques al-Adil na mira. Tenho que admitir, Jim, fiquei muito tentado a puxar o gatilho e enfrentar as consequências. Mas pensei comigo, se eu atirar agora, ficarei no mesmo patamar que ele. Estou aqui como representante do meu país. Se eu atirar sem quórum ou consenso de cidadãos, conforme exigem as Regras de Combate, então não estarei mais defendendo liberdade nem democracia, serei apenas mais um terrorista.

@JMitcherCNN: Que palavras fortes, Cabo.

@CplPetersUSMC: Bom, se eu não acreditasse nelas, nunca teria me alistado.

@JMitcherCNN: O que aconteceu em seguida?

@CplPetersUSMC: Escutei tiros vindo do outro lado da rua. Mais tarde, fiquei sabendo que eram apenas o Samuels e o Gonzales se exibindo para crianças, mas o Ghost e o Riot estavam ocupados demais para me manter a par de tudo, então os tiros me assustaram. E assustaram al-Adil e os demais capangas ao redor da mesa também. Eles apagaram as luzes e se agacharam. Um minuto depois, vi a porta do prédio se abrir e quatro figuras correrem para o Lincoln. Uma delas era al-Adil. Ele sentou no banco de trás. Minha HUD mostrava que o Ghost e o Riot ainda estavam online, e assim que o carro começou a manobrar, três mais seguidores deram as caras. Eu tinha quórum. Agora, só faltava votarem a favor do combate. O carro já estava virando a esquina quando computei os votos. Cinco votos a favor, uma unanimidade. O Riot tinha convencido o cunhado a logar e votar. Eu já não enxergava mais o al-Adil àquela altura, só conseguia ver o carro, mas tinha visto ele entrar no banco de trás, à direita, então mirei onde imaginei que a cabeça dele estaria.

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@JMitcherCNN: O resto é história.

@CplPetersUSMC: O resto é história. Mas o caso nunca teria viralizado tanto se o Samuels não estivesse ali na esquina, ao lado. Foi ele que testemunhou o gore todo. É o feed do ponto de vista dele que está em alta. Passou dos 10 milhões de views já, se não me engano.

@JMitcherCNN: Mas ver o seu ponto de vista deixa o tiro ainda mais impressionante. Recomendo a todos assistir ao tiro do ponto de vista do Cabo Peters. Se fosse um segundo depois…

@CplPetersUSMC: O Ghost e o Riot também deixaram seus feeds abertos para o público. Vale conferir. Não teria sido possível sem eles.

@JMitcherCNN: Como você acha que seu trabalho vai mudar agora que você tem milhares de fãs?

@CplPetersUSMC: Bom, não terei mais problemas com quórum… RISOS. Por um lado, é incrível receber o apoio de tantos cidadãos patriotas. Mas será mais difícil ter chats particulares com os meus seguidores. Farei o que puder para manter a conexão pessoal. Já criei um canal privado para o Ghost e o Riot, para que possam me contatar diretamente, não importa quanto falatório houver na minha conta. Agora, como isso mudará o trabalho? É esperar para ver.

@JMitcherCNN: Só mais uma pergunta, Cabo, e então libero você. O último conselho de guerra do Sargento Pearson gerou uma campanha a favor de uma reforma, para eliminarem o quórum de todo. Você gostaria de ter uma margem maior para manobras? Mais liberdade para agir por conta própria?

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@CplPetersUSMC: É uma ótima pergunta, Jim. Vários veteranos da unidade reclamam bastante da democracia direta, mas gosto das coisas como estão. Se eu tivesse errado o tiro, talvez pensasse diferente, mas me parece que acordar os pais para votarem e debater filosofia com a irmã antes de autorizar o tiro de um soldado — é assim que tem que ser. Isso é democracia.

@JMitcherCNN: Belo discurso, Cabo. E obrigado pelo seu serviço.

Esta remessa é parte da seção ​Terraform​, nosso lar online para ficção futurística.

Arte por Gustavo Torres.

Tradução: Stephanie Fernandes