Fósseis de um Possível Ancestral do Hipopótamo Foram Encontrados na África
Gravura e fotografia ilustrando a transição evolucionária do molar superior de um antracoterídeo (à esquerda), de um Epirigenys (no meio) e de um hipopótamo primitivo (à direita). Os círculos representam as cúspides (a extremidade da superfície do dente); as linhas pretas, as fissuras, e as marcas laranjas, o padrão do esmalte dos dentes. Crédito: Fabrice Lihoreau/LPRP

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Fósseis de um Possível Ancestral do Hipopótamo Foram Encontrados na África

Dentes fossilizados há 30 milhões de anos recém-descobertos trazem luz a origem misteriosa dos hipopótamos.

Os hipopótomos são seres estranhos. Para começar, eles são herbívoros enormes que passam a maior parte de suas vidas na água mas se alimentam na terra — um comportamento raro, compartilhado apenas por castores e capivaras. Sua morfologia também é curiosa, principalmente a de seus dentes: eles tem molares largos e altos que se desgastam no formato de um cravo-da-índia, coisa que não ocorre com nenhum outro mamífero.

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As características peculiares dos hipopótamos dificultam a vida dos pesquisadores que tentam mapear a história evolutiva dessa espécie. Agora, dentes fossilizados há 30 milhões de anos recém-descobertos trazem luz a origem misteriosa dos hipopótamos. Os fósseis, encontrados no Monte Lokone, parte do Vale do Rift localizado no Quênia, fortalecem a crença dos cientistas de que os hipopótamos e as baleias têm um ancestral em comum.

Descrita em um artigo publicado na Nature Communciations no dia 24, a descoberta sugere que os ancestrais do hipopótamos migraram para a África por volta de 35 milhões de anos atrás, o que torna o hipopótamo um dos poucos mamíferos presentes na África há tanto tempo.

Um dos fósseis, o molar superior de um Epirigenys lokonensis, antes do processo de preparação (escala =1 cm). Crédito: Fabrice Lihoreau/LPRP

Os cientistas desconfiam há algum tempo que as raízes evolutivas dos hipopótamos estão há muito tempo enterradas na África. Mas o problema, de acordo com Fabrice Lihoreau, um paleontólogo da Universidade Montpellier, na França, é que os pesquisadores nunca haviam encontrado fósseis dos supostos ancestrais dos hipopótamos em suas pesquisas na África.

"Por isso, a gente suspeitava estar lidando com algo conhecido como linhagem fantasma", disse Lihoreau, que liderou a descoberta do fóssil, "a ideia de que um grupo de mamíferos que originaram os hipopótamos deve ter existido, apesar de nunca ter sido descoberto."

Os cientistas ligaram os fósseis a uma nova espécie, nomeada por eles como Epirigenys lokonesis (uma brincadeira com palavras que significam "origem dos hipopótamos"). A espécie pertence a uma extinta família chamada antracoterídeo, que os cientistas acreditam abrigar um ancestral comum das baleias, hipopótamos, porcos, vacas e cabras. Os antracoterídeos viviam na África e na Eurásia, e pareciam uma mistura de um porco com um hipopótamo pequeno.

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Os fósseis de dentes e mandíbulas encontrados pela equipe de Lihoreau correspondem perfeitamente às bizarrices dentárias dos hipopótamos modernos. "A nova espécie é exatamente o que esperávamos encontrar, na hora certa, no lugar certo e com a morfologia certa", disse Lihoreau, cuja equipe incluia pesquisadores da Etiópia e do Quênia.

Como os pesquisadores só encontraram fósseis dentários, resta a eles apenas conjecturar sobre os outros detalhes da aparência do Epirigenys lokonesis. "Podemos afirmar que essa espécie era uma herbívoro com o peso entre 70-100 kg e do tamanho de uma ovelha grande", disse Lihoreau. Ele acredita que o Epirigenys se parecia com um hipopótamo pequeno e magrinho, e que a espécie era semi-aquática — ou, quem sabe, completamente aquática.

"Essa pesquisa ajuda a preencher uma lacuna na pesquisa fóssil", disse Christine Janis, uma paleontóloga da Universidade Brown. "Existem fortes argumentos que apoiam a ideia dessa divergência primitiva entre as baleias e os hipopótamos."

A descoberta desses fósseis ajuda os cientistas a compreender o que aconteceu depois da separação entre as baleias e os hipopótamos, uma história que eles ainda estão tentando desvendar. "Nós temos muitos registros de fósseis de baleias", disse Janis, "então a parte das baleias não é um mistério. Mas o lado dos hipopótamos é."

Os cientistas sabem que os cetáceos, ordem que inclui as baleias, os golfinho e os botos, surgiu no Sudeste da Ásia há cerca de 50 milhões de anos. Mas até o momento, o fóssil de hipopótamo mais antigo encontrado na África datava de apenas 20 milhões de anos atrás.

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Uma versão simplificada das relações filogenéticas entre os hipopótamos, os antracoterídeos, os cetáceos e a nova espécie descoberta no Quênia, o Epirigenys. Crédito: Fabrice Lihoreau/LPRP

A equipe de lihoreau acredita que a espécie poder ter nadado da Ásia até a África há 30 milhões de anos atrás. "A África era uma ilha — uma ilha enorme— na época", diz ele. Isso coloca os hipopótamos em um pequeno grupo de mamíferos que inclui os elefantes e bichinhos peludos chamados híraxes: todos possuem um histórico evolutivo profundamente ligado à África. Muitos animais que consideramos oriundos da África, como os leões, os antílopes e as girafas, na realidade migraram para o continente mais recentemente — há aproximados 18 milhões de anos, segundo Lihoreau.

É muito satisfatório que essa pesquisa não apenas ligue os antracoterídeos aos hipopótamos modernos, mas também determine a data e lugar específicos da existência dos antracoterídeos na África, diz Jonathan Geisler, um paleontólogo do Instituto de Tecnologia de Nova Iorque. No entanto, Geisler avisa que é importante ter em mente que a anatomia dentária dos hipopótamos e dos antracoterídeos é muito complexa.

"Esse é um grupo de cientistas cuidadosos e meticulosos", disse Geisler. "Eles fizeram um bom trabalho na análise evolutiva desses dentes. Mas como sua estrutura é complexa, existe uma possibilidade de que a situação seja um pouco mais complicada do que eles imaginam. É essencial encontrar mais fósseis dos primeiros hipopótamos e dos antracoterídeos, não apenas dentes e mandíbulas, para realmente testar essa hipótese."

Lihoreau e seus colegas esperam continuar sua busca por um esqueleto mais completo de um Epirigenys. Ele acredita que essa espécie é a chave necessária para desvendar a história evolutiva das baleias. "A história evolutiva dos hipopótamos é um desafio porque temos que supor uma grande fase evolutiva que não está em nenhum registro fóssil", ele disse. "O Epirigenys é o fóssil que precisamos para reconstruir toda essa história."

Tradução: Ananda Pieratti