Os hipopótomos são seres estranhos. Para começar, eles são herbívoros enormes que passam a maior parte de suas vidas na água mas se alimentam na terra — um comportamento raro, compartilhado apenas por castores e capivaras. Sua morfologia também é curiosa, principalmente a de seus dentes: eles tem molares largos e altos que se desgastam no formato de um cravo-da-índia, coisa que não ocorre com nenhum outro mamífero.
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As características peculiares dos hipopótamos dificultam a vida dos pesquisadores que tentam mapear a história evolutiva dessa espécie. Agora, dentes fossilizados há 30 milhões de anos recém-descobertos trazem luz a origem misteriosa dos hipopótamos. Os fósseis, encontrados no Monte Lokone, parte do Vale do Rift localizado no Quênia, fortalecem a crença dos cientistas de que os hipopótamos e as baleias têm um ancestral em comum.Descrita em um artigo publicado na Nature Communciations no dia 24, a descoberta sugere que os ancestrais do hipopótamos migraram para a África por volta de 35 milhões de anos atrás, o que torna o hipopótamo um dos poucos mamíferos presentes na África há tanto tempo.
Os cientistas desconfiam há algum tempo que as raízes evolutivas dos hipopótamos estão há muito tempo enterradas na África. Mas o problema, de acordo com Fabrice Lihoreau, um paleontólogo da Universidade Montpellier, na França, é que os pesquisadores nunca haviam encontrado fósseis dos supostos ancestrais dos hipopótamos em suas pesquisas na África."Por isso, a gente suspeitava estar lidando com algo conhecido como linhagem fantasma", disse Lihoreau, que liderou a descoberta do fóssil, "a ideia de que um grupo de mamíferos que originaram os hipopótamos deve ter existido, apesar de nunca ter sido descoberto."Os cientistas ligaram os fósseis a uma nova espécie, nomeada por eles como Epirigenys lokonesis (uma brincadeira com palavras que significam "origem dos hipopótamos"). A espécie pertence a uma extinta família chamada antracoterídeo, que os cientistas acreditam abrigar um ancestral comum das baleias, hipopótamos, porcos, vacas e cabras. Os antracoterídeos viviam na África e na Eurásia, e pareciam uma mistura de um porco com um hipopótamo pequeno.
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Os fósseis de dentes e mandíbulas encontrados pela equipe de Lihoreau correspondem perfeitamente às bizarrices dentárias dos hipopótamos modernos. "A nova espécie é exatamente o que esperávamos encontrar, na hora certa, no lugar certo e com a morfologia certa", disse Lihoreau, cuja equipe incluia pesquisadores da Etiópia e do Quênia.Como os pesquisadores só encontraram fósseis dentários, resta a eles apenas conjecturar sobre os outros detalhes da aparência do Epirigenys lokonesis. "Podemos afirmar que essa espécie era uma herbívoro com o peso entre 70-100 kg e do tamanho de uma ovelha grande", disse Lihoreau. Ele acredita que o Epirigenys se parecia com um hipopótamo pequeno e magrinho, e que a espécie era semi-aquática — ou, quem sabe, completamente aquática."Essa pesquisa ajuda a preencher uma lacuna na pesquisa fóssil", disse Christine Janis, uma paleontóloga da Universidade Brown. "Existem fortes argumentos que apoiam a ideia dessa divergência primitiva entre as baleias e os hipopótamos."A descoberta desses fósseis ajuda os cientistas a compreender o que aconteceu depois da separação entre as baleias e os hipopótamos, uma história que eles ainda estão tentando desvendar. "Nós temos muitos registros de fósseis de baleias", disse Janis, "então a parte das baleias não é um mistério. Mas o lado dos hipopótamos é."Os cientistas sabem que os cetáceos, ordem que inclui as baleias, os golfinho e os botos, surgiu no Sudeste da Ásia há cerca de 50 milhões de anos. Mas até o momento, o fóssil de hipopótamo mais antigo encontrado na África datava de apenas 20 milhões de anos atrás.
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A equipe de lihoreau acredita que a espécie poder ter nadado da Ásia até a África há 30 milhões de anos atrás. "A África era uma ilha — uma ilha enorme— na época", diz ele. Isso coloca os hipopótamos em um pequeno grupo de mamíferos que inclui os elefantes e bichinhos peludos chamados híraxes: todos possuem um histórico evolutivo profundamente ligado à África. Muitos animais que consideramos oriundos da África, como os leões, os antílopes e as girafas, na realidade migraram para o continente mais recentemente — há aproximados 18 milhões de anos, segundo Lihoreau.É muito satisfatório que essa pesquisa não apenas ligue os antracoterídeos aos hipopótamos modernos, mas também determine a data e lugar específicos da existência dos antracoterídeos na África, diz Jonathan Geisler, um paleontólogo do Instituto de Tecnologia de Nova Iorque. No entanto, Geisler avisa que é importante ter em mente que a anatomia dentária dos hipopótamos e dos antracoterídeos é muito complexa."Esse é um grupo de cientistas cuidadosos e meticulosos", disse Geisler. "Eles fizeram um bom trabalho na análise evolutiva desses dentes. Mas como sua estrutura é complexa, existe uma possibilidade de que a situação seja um pouco mais complicada do que eles imaginam. É essencial encontrar mais fósseis dos primeiros hipopótamos e dos antracoterídeos, não apenas dentes e mandíbulas, para realmente testar essa hipótese."Lihoreau e seus colegas esperam continuar sua busca por um esqueleto mais completo de um Epirigenys. Ele acredita que essa espécie é a chave necessária para desvendar a história evolutiva das baleias. "A história evolutiva dos hipopótamos é um desafio porque temos que supor uma grande fase evolutiva que não está em nenhum registro fóssil", ele disse. "O Epirigenys é o fóssil que precisamos para reconstruir toda essa história."Tradução: Ananda Pieratti