Os estudantes de ciência que publicam e revisam artigos da Wikipédia
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Tecnologia

Os estudantes de ciência que publicam e revisam artigos da Wikipédia

A ideia é simples e brilhante: os universitários desenvolvem o pensamento crítico enquanto a enciclopédia ganha uma injeção de conhecimento acadêmico.

É obrigação civil de cientistas e educadores aperfeiçoar os artigos da Wikipedia? Essa é uma questão interessante quando consideramos a importância da enciclopédia digital para a educação: o site recebe mais de 8.000 visitas a cada segundo, e seus artigos são, quase sempre, o primeiro resultado de nossas pesquisas no Google.

Esse debate inspirou a criação de um programa no qual estudantes universitários, supervisionados por seus professores, criam e editam artigos da Wikipedia. A ideia é simples e brilhante: os universitários desenvolvem suas habilidades de comunicação e pensamento crítico, e a enciclopédia colaborativa ganha uma injeção de conhecimento acadêmico. Nesse ano, o tema dado foi ciência — mais especificamente, mulheres na ciência.

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A organização não-lucrativa Wiki Education Foundation (não ligada à Fundação Wikimedia) lidera o programa há três anos. Cerca de 200 universidades – americanas, na grande maioria – já adotaram a prática; entre elas estão a UC Berkeley, Harvard, a Universidade Duke, a Universidade George Washington e a Universidade de Nova Iorque. Eryk Salvaggio, diretor de comunicação da Wiki Education, me contou que os estudantes dessas universidades editaram por volta de 35.000 artigos e angariaram um total de 78 milhões de visualizações.

O projeto "Um Ano de Ciência" tem como objetivo aperfeiçoar as informações científicas da Wikipedia, o que inclui lidar com o fato de que as mulheres são muito mal representadas no site. A enciclopédia tem nítida ausência de cientistas do sexo feminino – e não apenas devido ao machismo histórico do meio científico. Ativistas descobriram que milhares de cientistas mulheres famosas não tinham páginas na Wikipedia enquanto muitos cientistas desconhecidos estavam presentes no site.

Esse dado revela um curioso efeito colateral do processo colaborativo. Como as informações do site não pertencem a nenhuma autoridade maior, os artigos da Wikipedia, além de refletir os interesses de seus colaboradores, revelam uma discriminação sistêmica. Como a maioria dos editores da Wikipedia e de homens brancos de países desenvolvidos (entre 8% a 14% dos editores são mulheres), há uma grande falta de pontos de vista alternativos, o que afeta e muito a forma como as novas gerações aprendem sobre o mundo.

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A Wiki Education tenta corrigir esse desequilíbrio. No último semestre, estudantes escreveram por volta de 500 artigos sobre tópicos relacionados a estudos de gênero.

O programa também debate a questão da credibilidade da Wikipedia, e como a ferramenta afeta nossa forma de estudar ciência — o que, sinceramente, me deixa muito assustada. Estudos sobre a precisão dos artigos da Wikipedia tiveram resultados inconclusivos, mas revelaram que as informações encontradas no site são mais confiáveis do que o esperado; no entanto, muitos artigos possuem grandes lacunas e outros são recheados de dados completamente incorretos.

É aí que surge o ethos do projeto Wiki Education: em vez de lamentar o fato da Wikipédia se deteriorar, seus membros se esforçam para tornar a enciclopédia cada vez melhor. "Se a enciclopédia não disponibiliza as informações que você considera necessárias, ou se você acha que essas informações não estão corretas, vá lá e conserte", disse Salvaggio.

Para tanto, a academia teria que reconhecer a Wikipedia como uma fonte válida. Teria que admitir que ela veio para ficar e, por conseguinte, teria que mover esforços para torná-la cada vez melhor. "Não podemos ignorar o fato de que, para bem ou para o mal, esse é o canto da internet que as pessoas visitam para conseguir informações detalhadas sobre diversos temas", disse Greg Boustead, diretor de educação da Fundação Simons, que, junto do Google, está financiando o projeto Wiki Education.

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"Ignorar a maior fonte civil de informações científicas, onde muitos vão para aprender, é de uma irresponsabilidade imensa"

A Wiki Education tenta convencer os cientistas e os educadores a entrarem para o time da Wikipedia. Os cientistas, disse Boustead, continuam escrevendo ensaios e apresentando suas pesquisas em conferências, ignorando deliberadamente essa poderosa ferramenta de comunicação com o público. "Ignorar a maior fonte civil de informações científicas, onde muitos vão para aprender, é de uma irresponsabilidade imensa", afirma Boustead.

Isso levanta uma importante questão sobre imparcialidade, outro tema controverso para a Wikipedia: existe alguma diferença entre especialistas, educadores e membros de grandes corporações quando o assunto é a criação de conteúdo em uma enciclopédia colaborativa?

A comunidade de colaboradores da Wikipedia leva a imparcialidade a sério — especialmente após a revelação de que centenas de empresas e marcas usavam a plataforma para se autopromover. Artigos com informações enviesadas costumam ser suspensos e, de acordo com as regras do site, cientistas não podem escrever sobre suas próprias pesquisas sem antes alegar conflito de interesse para a administração da Wikipedia.

A Wiki Education não é o único grupo que utiliza seu conhecimento para ajudar o site. Hoje existem dezenas dos chamados "WikiProjects," incluindo um voltado unicamente para mulheres na ciência. Esses grupos ajudam a identificar falhas de conteúdo que possam ser sanadas pelos universitários— muitas vezes temas técnicos ou esotéricos demais para leigos ou assuntos pelos quais os voluntários não se interessam.

O grupo irá participar do circuito de eventos acadêmicos deste ano, incluindo uma parada na Casa Branca, onde eles apresentarão o projeto para a comunidade científica.

Muitos professores universitários desconfiam do projeto, claro, mas todos concordam que ele força os estudantes a pensar criticamente sobre as informações que consumem. O que é uma fonte confiável? Qual é o viés por trás desse conteúdo? Ele pode ser considerado correto e imparcial?

"Os estudantes acabam pensando sobre como eles lêem aquilo que encontram na internet", disse Salvaggio. "Isso é algo que todos nós deveríamos aprender."

Tradução: Ananda Pieratti