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Tecnologia

​Ensinando Robôs a Curtir Poesia

Pesquisadores querem tornar as máquinas mais humanas.

Entre 1967 e 1968, o escritor argentino Jorge Luis Borges proferiu uma série de palestras em Harvard sobre a natureza da linguagem humana. Em uma dessas conversas, o poeta, ensaísta e romancista dedicou bom tempo à importância da metáfora. Borges teorizou que, embora a expressão poética não possua limites, há vários padrões nas construções metafóricas — seu exemplo favorito era a óbvia relação entre "estrelas" e "olhos". Caberia a nós descobrir quais, como e por quê.

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A teoria do escritor inspirou a criação do Poetry for Robots (Poesia para Robôs, em tradução livre), um projeto lançado semana passada por meio de uma parceria entre Neologic, Webvisions e The Center for Science and the Imagination (Centro para Ciência e Imaginação) na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. O projeto busca testar a teoria de Borges: quer saber se é possível ensinar a poética humana aos irmãos robôs.

Se agrupamos nossas metáforas como o argentino pensou, também seremos capazes de manipular metadados com poesia, permitindo, ao menos na teoria, que os resultados das pesquisas do Google para "olhos" nos mostre imagens de estrelas e não somente de pupilas.

"Em um banco de dados de imagem, você acaba pesquisando em metadados muito pobres", afirmou Corey Pressman, sócio na Neologic, uma agência digital que auxilia seus clientes a construir websites, aplicativos e outras experiências digitais. "Não está de acordo sobre como pensamos o mundo. Pensamos no mundo de forma metafórica, poética."

O experimento do Poetry for Robots tem muitas etapas. A primeira é a inserção de dados, lançada na semana passada. Nessa fase, a equipe espera receber contribuições poéticas on-line para um conjunto de 120 imagens com o intuito de usá-las como metadados a seu banco de dados de imagem. Os usuários são solicitados a inserir poemas de até 150 caracteres em resposta a uma figura em particular — um mar sem fim, uma menina segurando uma vela de faísca, um pote de doces.

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A equipe aceitará respostas até o fim de setembro. O plano é exibir seus resultados na Webvisions Chicago, em setembro. Segundo o grupo, a expectativa é contribuir na mudança de paradigma da aprendizagem automática, que, dizem, hoje é fria, científica e literal. O objetivo é transformá-la em algo lúdico, poético e humano.

De acordo com Pressman, o projeto Poetry for Robots é muito mais do que uma simples novidade. Para ele, tem o potencial de revolucionar a maneira como interagimos com as máquinas. Hoje, para buscar bancos de dados de imagens, os humanos devem "pensar como máquinas" — se você quer uma imagem de estrelas deve buscar por "estrelas". Embora seja eficaz, essa abordagem não capta experiências abstratas. Palavras como "tristeza" ou "beleza", por exemplo, são difíceis de quantificar nos metadados de imagens.

"Quero experimentar com robôs que pensam como a gente do que o contrário", afirmou Pressman. "Os robôs são uma ferramenta, então é melhor que eles pensem como a gente. Nos últimos tempos, é possível ter resultados de busca mais ricos e realistas."

A segunda aplicação do projeto Poetry for Robots depende muito do sucesso dos metadados. Se tudo sair conforme o esperado, a habilidade dos robôs em pesquisar igual aos humanos pode levar à habilidade de escrever poesia também.

Os computadores já demonstraram de forma bem-sucedida que são capazes de se envolver em processos criativos. Máquinas tiveram seus poemas aceitos em revistas literárias e um computador mostrou que é capaz de escrever poemas que se apagam sozinhos na areia.

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Pressman, que é poeta, é o primeiro a admitir que tem algo inquietante na criação de arte por robôs. Ele menciona o aplicativo gerador de música Bloom, de Brian Eno e Peter Chilver, como um exemplo particularmente instrutivo da beleza que pode ser encontrada na arte gerada por máquinas.

"A música gerativa não parece fria para mim — eu a compreendo", afirmou Pressman. "Ao mesmo tempo, parte da beleza de se sentir tocado por um poema de Pattiann Rogers, por exemplo, é que você sabe que uma pessoa o escreveu. Você sente a forma como ela vê o mundo e se sente menos sozinho. As pessoas talvez se sintam um pouco menos confortáveis com o Poetry for Robots porque a poesia tem muito a ver com sentir empatia por outros."

O Projeto Poetry for Robots tem capacidade de melhorar esse campo criativo de aprendizado automático. Permite que os computadores compreendam melhor a essência da linguagem metafórica, que, se Borges estiver correto, é uma grande parte do que nos torna humanos. Enquanto muitos lamentam a visível mecanização da humanidade, o Poetry for Robots aspira reverter essa tendência humanizando as máquinas.

"Em 1989, Norman Cousins escreveu um texto afirmando que computadores estão chegando e que não devemos permitir que eles nos desumanizem", diz Pressman. "Ele recomenda que cada vez que houver um técnico trabalhando em algo, um poeta também deve ser contratado para trabalhar junto", afirmou Pressman.

"Conforme os robôs se proliferam em nossas vidas, precisamos ter cientistas computacionais no ambiente para mantê-los humanizados, bem como pessoas envolvidas em artes e humanidades. Acho que essa é a beleza do que está acontecendo por aqui."

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri