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Tecnologia

Eletrocêuticos: O Futuro Chocante dos Tratamentos Cerebrais

É um pouco aflitivo para nós, piluloucos de carteirinha, mas há quem acredite que correntes elétricas sejam a nova promessa para terapias cerebrais.
​Crédito: Lia Kantrowitz

É tudo coisa da sua cabeça — as sensações ruins, a neblina — e os produtos químicos não resolvem. Por isso, cientistas estão tentando mudar o jogo, aperfeiçoando os circuitos do cérebro, em vez de seus processos químicos.

É um pouco aflitivo para nós, piluloucos de carteirinha, mas há quem acredite que correntes elétricas sejam a nova promessa para terapias cerebrais, do tratamento de depressão e vícios a suplementos para aprender novas habilidades com mais rapidez ou reforçar a memória.

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Enquanto empresas farmacêuticas ​arrecadam quase 90 bilhões de dólares por ano com vendas globais de remédios para a saúde mental, as pesquisas em psicofarmacologia desaceleraram, e ​agora estão rastejando. Com cerca de ​20% dos americanos tomando medicamentos prescritos para transtornos psiquiátricos, há muito espaço para crescimento.

É aí que entram os "eletrocêuticos".

"As pessoas acham que aplicar eletricidade no tratamento da depressão é muito bizarro, mas acham que engolir uma pílula ou qualquer outra coisa é completamente natural", disse Marom Bikson, professor de engenharia biomédica e fundador de uma empresa que desenvolve hardware para estimulação cerebral.

Eletrocutar o cocuruto pode parecer uma nova vertente de masoquismo, e não tecnologia médica de ponta, mas o cérebro, essencialmente, é um órgão elétrico; alterar a corrente altera os sinais. Essa sempre foi a base da psicofarmacologia, mas pílulas são vagarosas, e a produção é cara. Segundo Bikson, nossa fé em remédios é "mais cultural que científica".

Usar correntes elétricas para estimular elementos específicos do cérebro e alterar suas funções soa como uma ideia vinda diretamente do futuro, mas as pessoas vêm tomando choques terapêuticos desde que começamos a usar a eletricidade. Um paciente precoce foi o imperador romano Claudius, que pressionava enguias elétricas sobre suas têmporas para aliviar dores de cabeça.

Embora a estimulação cerebral elétrica nunca tenha caído em desuso, saiu de moda ao passo que as grandes empresas farmacêuticas afloraram. Em tempos modernos, a ideia de aplicar eletricidade no cérebro é tida como um ideal de terrror, digna de Um Estranho no Ninho, mas a estimulação cerebral evoluiu desde então. No ano 2000, Michael Nitsche e Walter Paulus, cientistas alemães, estudaram como focar a eletricidade em certas regiões do cérebro afeta as funções de lobos específicos, e assim a estimulação cerebral como a conhecemos hoje começou a se formar.

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Agora, alguns pesquisadores acreditam que a ciência do que veio a ser chamado de "eletrocêuticos", um campo em crescimento, talvez possa reinventar a medicina.

"E se os eletrocêuticos forem tão efetivos quanto medicamentos? E se tiverem um centésimo da eficiência de medicamentos?" Bikson pondera. "Significaria que eletrocêuticos podem mudar o mundo."

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Ansiosos para conferir a nova tecnologia, enfrentamos uma tarde úmida de março para conhecer Bikson em seu escritório, na Faculdade da Cidade de Nova York. A pesquisa de Bikson é focada na estimulação transcraniana por corrente contínua (tCDS), um procedimento não invasivo que envolve colococar eletrodos positivos e negativos sobre o couro cabeludo para alvejar partes específicas do cérebro e suscitar diversos efeitos neurológicos.

Diferente das listas ofegantes e desarmônicas no fim dos comerciais de Prozac, a tDCS tem apenas um efeito colateral: uma irritação amena na pele onde os eletrodos são colocados. Para provar, Bikson sugere fazer um teste.

O Eric se voluntaria, e fica um pouco apreensivo com a história toda, embora o engenheiro biomédico garanta que nada pode dar errado. Isso soa precisamente como algo que um cientista maluco diria.

Bikson ajusta uma correia forrada na testa do Eric e a conecta a uma caixa bege, coberta de indicadores e botões. Para a demo, Bikson colocou os eletrodos na cabeça do Eric para impactar a área relacionada à depressão.

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"Esta é a corrente, e a luz está piscando, o que significa que estamos indo com calma", Bikson começa a contagem até o nível da corrente alcançar o objetivo inicial de um miliampere. "Estamos estimulando."

Ele ajusta uma correia forrada na testa do Eric e a conecta a uma caixa bege, coberta de indicadores e botões

Ele aumenta a corrente para "a típica dosagem alta de tDCS", que, a gritantes dois miliamperes, nem é tão alta assim. Para dar uma noção: são necessários 500 miliamperes para acender uma lâmpada de 60 watts. A terapia eletroconvulsiva (ECT) é mil vezes mais intensa que a tDCS, e inunda o cérebro todo com correntes, em vez de focar nas partes que impactam certos humores e habilidades cognitivas.

Os eletrodos dão uma leve sensação de calor, pinicante, durante os primeiros minutos, mas o Eric comenta que não sente muita diferença em termos de estado emocional. Bikson diz que isso é que se espera das primeiras sessões. De início, os efeitos são limitados, mas ao longo do tempo, o impacto se acumula e o efeito dura mais.

"Hoje, já existem tecnologias disponíveis que, com desconforto limitado, ou nenhum desconforto, podem oferecer intensidades muito mais altas do que as pessoas estão usando. E não há motivos teóricos — sequer reais — para pensarmos que isso é perigoso", diz Bikson. "Estamos no nível de aspirina para bebês agora. [Os pesquisadores] caminham muito devagar com esse negócio."

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Então, por que não acelerar os experimentos? Os pesquisadores precisam tomar cuidado, em especial, com as novidades da tDCS — para evitar, talvez, os horrores que já coincidiram com a ECT.

"As pessoas ficam em cima do muro em partes porque os efeitos são pequenos, [mas] claro que são pequenos. A dose não aumenta há 15 anos", diz Bikson.

Bikson diz que isso pode ser um percalço para um verdadeiro avanço — e para o tipo de impacto em pacientes que engajariam a comunidade médica.

Um tipo específico de estimulação cerebral — são vários tipos diferentes — já está sendo usado para tratar o mal de Parkinson através de um dispositivo implantado cirurgicamente, que funciona como um marca-passo. A mesma tecnologia tem sido usada para ajudar a tratar transtornos neurológicos como epilepsia e até mesmo as sequelas de derrames. Um outro tipo de estímulo, que usa lasers, tem se mostrado promissor ao ajudar ratos a largar cocaína.

Pesquisadores acreditam que a tDCS pode ter aplicações mais abrangentes, além das considerações atuais, por conta de sua precisão de localização e intensidade, e da capacidade de estimular uma série de zonas mentais de uma só vez. De acordo com Bikson, no futuro, os médicos serão capazes de misturar "coquetéis" perfeitos de estimulação para tratamentos individuais de diversos problemas psicológicos. Com todas as variáveis desconhecidas de interações entre remédios, a chance de personalizar tratamentos é algo que medicamentos simplesmente não oferecem.

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Dado esse potencial enorme, presume-se que grandes farmacêuticas estariam interessadas — ou talvez um pouco intimidadas —, mas poucas parecem abaladas.

Uma farmacêutica colossal que entrou na briga eletrocêutica foi a GlaxoSmithKline.

"Acreditamos que medicamentos bioeletrônicos permitem abordar doenças que, até então, não têm tratamento. E os transtornos mais conhecidos podem ser tratados com maior precisão e menos efeitos colaterais do que com remédios moleculares convencionais", a multinacional declarou em seu site.

Em 2013, a GlaxoSmithKline anunciou sua entrada no mundo dos eletrocêuticos com um fundo de capital de risco de 50 milhões de dólares. Mas esse montante não é nada comparado aos 5 bilhões que ela confere a pesquisa e desenvolvimento todo ano — a empresa não indica que mudará de lado no debate "eletricidade versus química" tão cedo.

A Pfizer, a Novartis e outras farmacêuticas gigantes não têm sido transparentes quanto a seu posicionamento. Elas se mostraram pouco propensas a anunciar seus investmentos em eletrocêuticos, e os incentivos foram, em grande parte, para pesquisadores autônomos que trabalham com tratamentos de estimulação cerebral que requerem cirurgia.

"Para mim, é uma oportunidade perdida", diz Bikson. Especialmente porque o custo para desenvolver um novo eletrocêutico é uma fração minúscula do custo para desenvolver um novo medicamento.

Dr. Mark S. George, do Laboratório de Estimulação Cerebral da Universidade da Carolina do Sul, tem expectativas mais altas quanto ao potencial de eletrocêuticos.

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"Todas as doenças cerebrais, e todo o comportamento humano, estão no escopo de tratamentos com alguma forma de estimulação cerebral", ele disse num email. "Visualizo um futuro em que essas ferramentas praticamente eliminam todas as doenças cerebrais, incluindo derrame, danos traumáticos, Alzheimer e dor."

Algumas pessoas resolveram saquear lojas da FastShop para modelar estimuladores caseiros e eletrocutar a si mesmas

Ele admite ser um sonhador, mas as possibilidades parecem mesmo infinitas. Além das aplicações psicológicas da estimulação cerebral que Bikson e George estudam, há um campo que busca fazer com que os usuários tenham uma memória melhor, adaptem-se mais rápido e aprendam com mais facilidade. O campo se chama "neuro-aparfeiçoamento", e é uma pesquisa que corporações não veem a hora de explorar e lançar no mercado mainstream.

Recentemente, Bikson concluiu um estudo para uma empresa chamada Thync, uma das companhias mais proeminentes do campo. A Thync angariou mais de 13 milhões de dólares para desenvolver um aparelho que, segundo a empresa alega, oferecerá aos consumidores "novas possibilidades para se sentirem melhor e mais produtivos".

A empresa do Vale do Silício está tentando deixar o produto o mais simples possível, para ser utilizado em aplicativos de smartphones junto a uma engenhoca para prender à cabeça, que permitirá com que qualquer pessoa aplique no cérebro o que chamam de "Vibrações", que virão em dois sabores: "Calma" e "Energia".

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Já que ainda há poucos aparelhos do tipo no mercado — e é difícil capturar enguias elétricas —, algumas pessoas resolveram saquear lojas da FastShop para modelar estimuladores caseiros e eletrocutar a si mesmas, visando a versões mais espertas de si. Pesquisadores como o Dr. Anand Pandurangi, diretor da Clínica de Estimulação Cerebral do Centro Médico da Universidade Virginia Commonwealth, dizem que os efeitos e desdobramentos dos novos tratamentos são vastos e difíceis de quantificar.

Para os adeptos do faça-você-mesmo, ele diz, "[o seu estimulante cerebral caseiro] pode aliviar a depressão, mas até aí, uma pílula de placebo também alivia".

Mas ele concorda que as possibilidades são amplas, em partes por conta das diversas formas de estímulo cerebral. Além de lançar correntes crânio adentro, os pesquisadores estão de olho em ímãs, e como eles podem facilitar o fluxo de correntes elétricas no cérebro, e estão se aprofundando em optogenética, uma forma de alterar células cerebrais específicas para fazer com que se conectem a espectros de luz e, assim, percorram o crânio e o cérebro.

No entanto, o crânio pode ser uma barreira resistente à penetração do cérebro.

Pandurangi está estudando uma maneira para contornar isso, testando a estimulação cerebral direta (DBS). Psiquiatra por formação, ele monitora marca-passos que foram cirurgicamente implantados no meio do cérebro para mandar impulsos elétricos direto para o tecido do órgão, em vez do crânio. O fluxo direto de eletricidade colide com um dos maiores problemas da tDCS: como aplicar o estímulo sem escaldar a pele?

Enquanto a tDCS está acorrentada ao modo de segurança infantil, a DBS apresenta seus próprios riscos, relacionados principalmente às complicações de infecções ou sangramentos causados pela cirurgia que implanta o marca-passo. Apesar de ter recebido aval da FDA para o tratamento de Parkinson e distonia, a DBS ainda está na fase de testes iniciais em transtornos psicológicos como TOC e depressão.

Pandurangi está trabalhando nisso. Ele estima que apenas 500 pessoas, aproximadamente, já receberam DBS para depressão. E conta que o tratamento já ajudou alguns de seus pacientes mais catatônicos a retomar sinais de vida.

"[Uma paciente] tomou remédios durante 20 anos e não melhorou", diz ele. Ela recebeu DBS por um tempo, e agora não está curada, mas consegue administrar melhor a depressão, embora precise fazer terapia junto. "Se você perguntar, ela dirá que a DBS é um bom substituto para pílulas."

Esses vislumbres de esperança são a motivação dos pesquisadores que tentam dobrar — e aumentar ainda mais — os estudos dos eletrocêuticos, embora isso implique enfrentar medos enraizados e as normas impostas por uma das indústrias mais poderosas do planeta.

Este artigo faz parte dos ​Corpos do Futuro​, uma colaboração entre o Motherboard e a LadyBits. Siga a LadyBits no Twitter e no Facebook.

Tradução: Stephanie Fernandes