Eis os Sapatos de Salto do Futuro
Crédito: Kinetic Traces.

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Tecnologia

Eis os Sapatos de Salto do Futuro

Sem dor.

Dolly Singh é uma ex-recrutadora na SpaceX, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Ela passa muitas horas caminhando pela fábrica de foguetes com seu calçado escolhido: o salto alto.

E dói.

"As mulheres foram educadas ou compram o discurso de que a dor é igual à beleza, ou que a beleza se iguala à dor ou que a moda é igual à dor e que essa associação é OK", afirmou. "Não acho que devemos nos machucar se quisermos ficar bonitas e nos sentirmos bem."

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Foi então que ela percebeu que não precisava aceitar o salto típico, que aperta os dedos e destrói o peito do pé. "Como tenho uma rede composta por algumas das pessoas mais espertas do mundo, talvez eu devesse parar de reclamar e fazer alguma coisa."

Ela fez essa coisa: o Thesis Couture, uma empresa empenhada em aplicar os mesmos princípios da fabricação de foguetes na confecção de sapatos de salto. Os astronautas e cientistas de foguetes contratados não foram atraídos pela perspectiva de deixar os saltos mais confortáveis, e sim porque se interessaram no problema que Dolly propôs.

"Se você tivesse que construir a menor ponte do mundo, como você a faria, e como a colocaria dentro de um sapato de salto?", ela disse. "Tem muito mais a ver com os fundamentos de física subjacentes do que com o problema em si."

Muitos saltos são fabricados ao redor de uma placa de metal, afirmou Singh. Um salto sustenta o pé o suficiente para que você caminhe por aí na ponta do pé. Mas não há nenhum sentido em ter o pé descansando no sapato.

"Se você tivesse que construir a menor ponte do mundo, como você a faria; e como a colocaria dentro de um sapato de salto?"

"Quando você tem um calço, é possível sentir a estrutura debaixo do seu pé. É por isso que você não deve usar um calço por muito tempo", explica Singh. "Em vez de 80% do peso caindo em um fundo concentrado na eminência do pé, queremos distribuí-lo de forma a ter aproximadamente 50% do peso."

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O sapato de Singh não somente redistribui o peso quando o pé impacta no solo. O sapato, que será lançado este ano, tem uma sola recriada de plástico em vez de aço. Isso também altera a forma como o peso é distribuído, aliviando a dor.

Um salto com a sensação de tênis

Singh não é a única que tenta melhorar os sapatos que ama.

Ano passado, na Europa, a designer Silvia Fado trabalhou com um arquiteto e engenheiro para criar saltos com mecanismos que absorveriam o impacto do mesmo jeito que nossos tênis fazem. Um de seus sapatos substitui o salto alto de vara de aço por um pistão hidráulico.

Os pistões, ou molas, propiciam uma sensação de rebote no salto — algo como o "dar e receber" que ocorre quando o salto empurra o sapato —, uma sensação bem diferente da vara de aço, que segura o pé ereto.

Outro sapato seu, vendido pela linha Kinetic Traces, usa bolas de borracha entre a sola e o salto e propicia uma sensação semelhante a caminhar em um trampolim.

Fado também trabalhou com um cirurgião vascular, que, por sua vez, trabalhou para garantir que o impacto de cada passo fosse benéfico para a circulação sanguínea.

"As funções principais dos calçados são, muitas vezes, sacrificadas em nome da moda", ela disse.

Vítimas da moda

Saltos altos causam lesões de verdade. De acordo com um estudo recente no The Journal of Foot and Ankle Surgery (Jornal de Cirurgia do Pé a Tornozelo, em tradução livre), as taxas de ferimentos pelo uso de sapatos de saltos altos duplicaram entre 2002 e 2012. Os pesquisadores não têm certeza dos motivos, mas cogitam que esteja relacionado às mudanças na moda e ao número crescente de mulheres usando saltos altos. Muitas das lesões, diz o levantamento, foram causadas por quedas.

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Em outro estudo, publicado em 2012 no The Journal of Applied Physiology (Jornal de Fisiologia Aplicada), pesquisadores descobriram que as usuárias habituais de saltos se movimentavam com passos mais curtos; seus pés estavam em movimento perpétuo como os dos pés da boneca Barbie. E elas caminhavam assim mesmo com os pés descalços — contraindo os músculos da panturrilha.

Crédito: Kinetic Traces.

"Durante a caminhada, nossos dados mostraram que, como o tendão de Aquiles é rígido em quem caminha de salto alto há muito tempo, os músculos da panturrilha são mais estirados e se esticam rapidamente quando comparados à caminhada com sapatos baixos", disse Neil Cronin, um pesquisador biomecânico e um dos pesquisadores do estudo de 2012. "Sabemos que isso leva ao aumento no custo de energia desses músculos."

Cronin diz que devemos diminuir a tensão na utilização de saltos e que se deve evitá-los. Mas se você não pretende fazer isso, considere usá-los uma ou duas vezes por semana no máximo, o que pode ajudar a limitar as chances de mudanças estruturais permanentes nos músculos e tendões.

Vivendo por cima

Apesar do dano físico decorrente do uso de saltos altos, esses pisantes são usados há séculos e não vão desaparecer tão cedo.

Valerie Steele, uma historiadora da moda, curadora e diretora do The Museum no The Fashion Institute of Technology, afirmou que há piadas desde o século XVIII sobre a dificuldade de caminhar com saltos. Ainda assim, eles são usados por um motivo. "Toda sua postura corporal muda", ela explicou, "seu peito é jogado para frente, sua bunda é jogada para trás e sua barriga é empurrada para dentro; assim, você parece mais alta, mais magra e curvilínea ao mesmo tempo".

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Mesmo que as mulheres reclamem do desconforto dos saltos altos há séculos, Steele afirma que foi somente nas últimas décadas que os estilistas de sapatos decidiram atentar para esse problema.

E há também Julian Hakes, um arquiteto cujo salto-alto "Mojito" de 2013 recebeu inspiração da engenharia estrutural — ele usou a impressão em 3D para produzir um modelo sem a planta da sola e sem cadarços que espirala ao redor do pé por meio de princípios de construção de pontes. Ele construiu três modelos: os sapatos Hey lady, que usam a ponta de uma sapatilha de dança, palmilhas e suportes de um tênis de corrida; os sapatos Aerosoles, que usam espuma na planta do pé, que, supostamente, se curva com o sapato; e os saltos Easy Spirit, que, de acordo com o site da empresa, são preenchidas por milhões de microbolhas de nitrogênio para deixar o sapato leve e confortável.

Obter o conforto com a tecnologia, porém, não sai barato: os sapatos de Singh serão vendidos a partir de setembro por quase mil dólares. As vendas de Fado ocorrem em butiques selecionadas por cerca de dois mil dólares.

Na Ponta do Pé

Cronin está cético a respeito dos projetos que deixam os saltos mais confortáveis.

"Muitos dos efeitos negativos dos saltos variam da postura de pé não natural", ela disse, apontando que talvez seja possível reduzir as dores no pé causadas por meio do uso de palmilhas. Ela afirma não saber se isso limita as mudanças estruturais ao redor do pé e também não sabe como as mudanças nas características dos sapatos podem ter efeitos imediatos em outras juntas, como o joelho ou os quadris.

"Como essas ideias são novas, suspeito que ainda levaremos vários anos e muitos estudos até poder afirmar se os efeitos negativos dos saltos podem ser anulados dessa forma."

Quando isso ocorrer, talvez as usuárias de saltos possam se sentir tão bem quanto seus looks.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri