​Eis como devemos aprender a ouvir os desejos dos animais
Crédito: tom_bullock/ Flickr

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​Eis como devemos aprender a ouvir os desejos dos animais

Pesquisa propõe novo método para medir o que querem os bichos em cativeiro. É o começo para você saber o que de fato seus pets gostam.

Desde as primeiras civilizações, o ser humano se acostumou a ter animais por perto em fazendas, zoológicos ou dentro de casa. A partir dos anos 1960, porém, ativistas começaram a questionar a prática e a levantar a bandeira do bem-estar animal. Será que esse bichos retirados da natureza, trancafiados, estariam se sentindo bem?

Discussões acaloradas transcorreram na academia. Práticas de criação e reprodução foram alteradas pensando no que seria melhor para eles. Em meio a muitas suposições, surgiu uma dúvida: em todo esse tempo, alguém se lembrou de perguntar aos animais o que eles desejam?

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É isso que questiona uma nova pesquisa publicada por cientistas da Unesp, em São Paulo, que conclui que, em todas as vezes que o homem se preocupou em ouvir o que os bichos querem, entendeu tudo errado.

"A partir do momento em que tiramos um animal da natureza, nos tornamos responsáveis por ele", diz, Gilson Volpato, professor do Departamento de Fisiologia da Unesp, ao explicar o motivo da pesquisa em que atuou como orientador."Pense num boi criado em uma fazenda, por exemplo. Enquanto ele estiver vivo, temos obrigação de diminuir ao máximo o seu sofrimento, fornecendo espaços maiores e melhores para ele viver."

A partir dessa premissa, os pesquisadores passaram a buscar os melhores parâmetros para escolher o que é bom para os animais. Alguns pesquisadores usam a saúde como critério — se ele está saudável, está em boas condições; outros, os níveis de estresse. "Mas ambos são limitados", afirma Volpato. "Um animal acasalando, por exemplo, vai ter um nível de estresse mais alto. É possível dizer que isso é ruim?"

A inspiração veio de outra corrente, uma teoria desenvolvida pela bióloga Marian Dawkins, professora de comportamento animal na Universidade de Oxford (e ex-esposa do biólogo evolutivo Richard Dawkins), nos anos 90: inquirir os próprios bichos sobre o que eles querem. Ela propõe que os animais são seres sencientes e têm sentimentos. Logo, para avaliar seu bem-estar, o melhor que podemos fazer é perguntar direto a eles. "Ela defende que temos que parar de achar que sabemos o que os animais querem, e aprender a ouvi-los", diz Volpato. "Algumas fazendas, por exemplo, criam as vacas em ambientes limpinhos. Só falta colocar azulejo. Mas será que é isso que o animal quer?"

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Como existe uma barreira linguística que nos impede de dialogar com bois e afins, os cientistas precisaram desenvolver técnicas que permitam aos animais se expressar. A mais usada é o teste de escolhas, no qual o ser humano oferece algumas opções e eles decidem qual delas querem. Podemos, durante pesquisas, dar a um camundongo de laboratório a opção de ficar em ambientes com diferentes temperaturas. Aquela em que o roedor ficar mais tempo é a que o deixa mais confortável. Logo, é aquela que deseja.

"Esse tipo de teste pode ser feito com qualquer animal que esteja sob nossos cuidados. Mas quase ninguém faz", diz a bióloga Caroline Marques Maia, também da Unesp e autora da pesquisa. "Quem usa esse teste são, basicamente, os cientistas, com animais de laboratório. De vez em quando é usado em fazendas e raramente com animais de zoológico e pets."

Perdidos na tradução

O problema é que, mesmo quando é feito, o teste pode dar resultados distorcidos. Muitas vezes eles são aplicados em um grupo pequeno de indivíduos e as preferências são extrapoladas para a espécie inteira. Afinal, assim como entre os seres humanos há aqueles que preferem níveis diferentes de risco e conforto, as preferências dos animais também podem variar de indivíduo para indivíduo.

Outra questão é que os testes costumam ser feitos em um período curto, durante no máximo quatro dias. Os desejos dos animais, assim como os dos seres humanos, podem mudar ao longo do tempo. Com tão pouco tempo de análise, uma escolha de momento pode mudar todo resultado. "As vezes o animal faz uma escolha porque algo chamou sua atenção, e não por uma questão de preferência", diz Maia. "Num teste tão curto, isso pode fazer com que entendamos completamente errado o que ele prefere."

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Pensando nisso, Caroline Maia desenvolveu durante o seu mestrado um índice capaz de avaliar a preferência dos animais ao longo de dez dias. A fórmula matemática consegue separar as escolhas de momento daquelas mais consistentes. Além disso, o cálculo dá um peso maior às escolhas feitas mais recentemente, já que elas têm maiores chances de retratar o que ele quer no momento atual. "Um teste feito há um mês tem um peso menor do que um feito ontem. Conforme o tempo passa, seu peso será cada vez menor, mas ele ainda fará parte da história do indivíduo", diz Volpato.

O índice foi testado em uma espécie de peixe bastante utilizada em pesquisas, a Tilápia do Nilo. Os pesquisadores colocaram 24 espécimes em um aquário com quatro compartimentos de cores diferentes: amarelo, verde, vermelho e azul. "Sabemos que a cor do ambiente afeta os estados fisiológicos e comportamentais de várias espécies. Na Tilápia do Nilo, por exemplo,o azul melhora a reprodução e diminui sua resposta de estresse", afirma Maia.

Testes anteriores — aqueles que duravam apenas quatro dias — mostravam que a tilápia preferia a luz amarela. O novo índice, no entanto, foi totalmente diferente. Para começar, houve uma variação imensa entre as preferências de cada indivíduo. Dos 24, 19 pareceram preferir alguma cor às outras. Desses, 11 escolheram apenas uma cor: um preferiu a azul, dois a amarela, três a verde e cinco a vermelha.

Mais que isso, o teste mostrou que as escolhas realizadas nos quatro primeiros dias foram justamente as que tiveram menor consistência com o resultado final. "Isso aconteceu provavelmente porque os animais ainda estão se adequando às novas opções", diz Maia. Ou seja, os pesquisadores que empregavam o teste provavelmente davam aos animais as opções que eles não preferem. Eles tinham as melhores intenções para escutá-los, mas a respostas ficava perdida na tradução.

O resultado da pesquisa foi publicado na revista Scientific Reports. Os cientistas esperam que o índice passe a ser empregado tanto dentro da academia quanto fora. "A nossa fórmula pode ser usada em qualquer situação na qual se queira saber o que um animal quer. Pode ser empregada com vacas, cavalos, animais de zoológico e de laboratório", diz Volpato. "Ela pode inclusive ser adaptada em um aplicativo de celular e ser usada por qualquer um em casa, para entender o que seu cachorro quer. O dono pode, por exemplo, servir o alimento em três vasilhas diferentes e ver o que o animal prefere."

Segundo o pesquisador, uma das questões que mais atrapalhavam os debates sobre o bem-estar animal era a falta de ferramenta para saber o que os animais desejam. "É justamente nesse ponto que nossa pesquisa vai contribuir. Quem sabe podemos começar a prestar mais atenção no que os animais querem?"