O Bizarro RPG dos Anos 90 que Ainda Influencia o Mundo dos Jogos

Alguns jogos são populares em vários meios, outros, em alguns nichos específicos. Poucas coisas dizem tanto sobre uma pessoa quanto a seguinte afirmação: "EarthBound é o meu jogo favorito". Os que dizem isso não costumam mudar de ideia.

Surreal, introspectivo e estranho, com uma trilha esquisita e cores inusitadas, EarthBound agrada a um tipo específico de jogador, um que busca algo de verdadeiro e inominável em seus jogos. É um fenômeno raro, e o jogo continua sendo a criação mais curiosa da Nintendo, apesar de a empresa já ter criado jogos sobre guerras medievais de pinball e sobre um cachorro ex-jogador de baseball, deprimido e divorciado.

Lançado com o nome de Mother 2 no Japão, Earthbound é a menina dos olhos de Shigesato Itoi, um escritor, ator e louco por pêssegos. É um jogo que se auto-construiu, indo contra todas as convenções — e isso nos anos 90, quando não havia muito espaço para vanguardistas.

EarthBound é um RPG sem guerreiros nobres ou lendas élficas — mas sim com crianças em roupas infantis, lutando contra invasores em várias cidadezinhas. Em um ambiente onírico e febril, o jogador luta contra punks glamourosos e hippies new age em cenas de batalha incômodas e com mais filtros psicodélicos do que animações de ataque.

O jogo também inspirou uma tradição cult, com teorias sobre a influência de traumas infantis, fobias maternais, cultos japoneses e a óbvia inspiração em experiências com drogas. Alguns afirmam que o jogo tem uma aura similar às das obras de Haruki Murakami, o que faz sentido, visto que ele e Itoi já escreveram um livro juntos.

Ao mesmo tempo, o diálogo do jogo muitas vezes soa como tuítes sem sentido. O jogo já foi analisado, discutido e exposto de todas as formas possíveis, e interpretado a partir de pontos extremamente abstratos. Como dito, o jogo deu origem a um grupo de seguidores muito específico, mas, apesar disso, sua influência em outros jogos não têm sido muito óbvia. Isso é, até pouco tempo atrás.

Muita gente conhece Earthbound por causa da presença dos personagens Ness e Lucas em Smash Bros. Muitos outros desenvolvedores, no entanto, citam o jogo como uma grande influência (é como se todos os seus fãs fizessem parte de um clubinho exclusivo). Os criadores de South Park disseram que o jogo Stick of Truth, que é, antes de tudo, uma paródia de Skyrim, foi inspirado em EarthBound e em seu uso de cidades pacatas como cenário para aventuras épicas. Quando o assunto é criadores de jogos independentes (que transformaram as homenagens à jogos de dungeon crawl clássicos em um dos gêneros mais populares dos últimos anos), sua flexibilidade criativa possibilita a criação de homenagens muito acaloradas.

"Será que alguém poderia criar EarthBound agora; será que esse jogo poderia existir em 2014?",  pergunta-se Andrew Allanson. "Eu não sei se isso seria possível. Acho que EarthBound tinha que ser criado naquela época, por essas exatas pessoas. Não existe outra possibilidade, é assim que tudo teve que acontecer. O Assassin's Creed pode ser criado em qualquer ano, ele continuará sendo o Assassin's Creed. Na minha opinião, e isso pode soar como um papo místico, só o Earhtbhound é o Earthbound."

Andrew e seu irmão, Brian, estão desenvolvendo o YIIK (lê-se Y2K, não 'yiick'), um RPG surreal que veste suas influências com muito orgulho. Assim como a suposta ligação entre EarthBound e a vida pessoal de Itoi, YIIK baseia-se nas lembranças de Andrew sobre a internet no século passado.

Um espaço virtual misterioso e esparso, habitado por poucos. O jogo segue Alex, um jovem de classe média que embarca em uma aventura para achar uma garota que desaparece em um fórum online, e a descoberta de que a pessoa que ele procura pode não ser exatamente quem ele pensa. As lutas do jogo também seguem esse mote.

"O EarthBound é uma forte influência, com certeza", disse Allanson. "Nós estamos fazendo algumas coisas diferentes do que foi feito em EarthBound; não estamos tentando criar um Mother 4, estamos tentando criar o nosso próprio jogo. Mas EarthBound tem alguns aspectos que estão em falta nos jogos atuais. O cenário é um desses aspectos, é raro encontrar um RPG que se passe no mundo atual. Acho que os personagens parecem muito reais. Mesmo sendo caricaturas de diversos tipos de personalidade encontradas em crianças, eles parecem alguém que poderia existir."

Esse cenário moderno também atraiu Ryan Vandendyck, que está criando sua própria homenagem, um jogo muito mais leve chamado Citizens of Earth.

"Eu adoro EarthBound desde a primeira vez que joguei, bem pequeno. Isso foi há o quê, 20 anos?" diz Vandendyck. "A coisa que mais chamou minha atenção, e que ainda me intriga 20 anos depois, é que nenhum outro RPG tentou fazer algo parecido desde então. Isso é, o cenário atual e provinciano. Você se defende com tacos de baseball, iôiôs e frigideiras."

O jogo de Ryan parece se inspirar na natureza absurda de EarthBound, mas é uma versão um pouco diferente dela. Em Citizens, o jogador controla o vice-presidente do planeta, tendo de usar suas habilidades de político carismático e bem vestido para convencer outros a lutar por você. Há padeiros, baristas e fazendeiros, cada um com habilidades específicas e controláveis, como Pokémons. Outra ideia emprestada de EarthBound são os inimigos, que vão de personagens de quadrinhos, manifestantes, uma águia de peruca a um tanque bem gordo.

"O cotidiano mistura-se ao bizarro", define Vandendyck. "A resposta dos fãs de EarthBound foi bem interessante. Alguns dizem que o jogo não parece tanto com EarthBound, e outros dizem que a gente copiou muita coisa. Nós não estamos tentando ser o EarthBound, ou um sucessor espiritual, mas definitivamente nos inspiramos em muitas coisas boas presentes em Earthbound, e que não tem sido usadas há muito tempo."

"Eu amo EarthBound," diz OMOCAT, uma cartunista, criadora de jogos e estilista. "Era um jogo tão estranho, tão livre, e sempre senti que os seus criadores se divertiram ao criá-lo, assim como eu me diverti ao jogá-lo. Acho que já joguei o jogo pelo menos uma quatro vezes, e tenho uma prateleira no meu quarto só para coisas relacionadas a EarthBound."

O jogo de OMOCAT, OMORI, é inspirado em personagens de seus trabalhos anteriores e nas facetas mais abstratas de EarthBound. As coisas indefinidas, os padrões que são difíceis de processar, a os momentos desconfortáveis e lúcidos da obra de Itoi.

EarthBound foi um jogo pautado em exceções, um RPG japonês sem nenhum cacoete de jogos de fantasia. O seu caráter único transformou-o em um produto inacessível para crianças acostumadas com temas repetitivos, e o fato de ele vir embalado em uma caixa grande e intimidadora (que incluía guias e extras, pois a Nintendo temia que que o jogo não fizesse sucesso sem eles) também não ajudava.

"Na época eu era fã de Final Fantasy e Chrono Trigger", disse Vandendyck. "Esses jogos são ótimos, mas têm tons e estilos similares. EarthBound nunca se levou muito a sério; o jogo acontecia em um mundo muito diferente dos mundos dos jogos de fantasia da época. A diferença não se limitava ao traço e palheta de cores diferentes."

A melhor coisa dessa nova era de jogos indies é que qualquer jogo que você queira jogar tem grandes chances de ser criado. É pouco provável que a Nintendo faça algo para agradar os fãs de EarthBound, mas a paixão dessa galera inspirou uma piadinha durante a apresentação da Nintendo na E3 desse ano. Foi uma questão de horas até essa piada dar origem a várias teorias da conspiração.

O jogo mainstream mais próximo de EarthBound é o Persona 4, que tem a sua própria legião de seguidores. Para aqueles que estão procurando desesperadamente por uma boa dose de EarthBound, os novos desenvolvedores de jogos — aqueles que pensam igual a vocês— podem ter a solução. Liberte sua mente, e saiba o que deve ser feito.

Tradução: Ananda Pieratti