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Tecnologia

Durante 141 Anos Estivemos Errados Quanto a Onde o Cérebro Processa a Língua

"Não existe um centro de compreensão da linguagem, e sim uma rede de áreas interligadas com especialidades diferentes."
Crédito:Sue Clark/Flickr

O mapa de onde o cérebro processa a fala não é como muitos pensavam. Pesquisadores da Northwestern University, no estado de Illinois, nos Estados Unidos, acabam de publicar um artigo na revista Brain em que demonstram que a famosa área de Wernicke, onde se acreditava ser o centro da compreensão da linguagem, na verdade não o é.

A história desse achado começa em 1874, quando o cientista Carl Wernicke descobriu que vítimas de AVC cujos hemisférios esquerdos do cérebro sofreram dano podiam sofrer de comprometimento da fala — talvez o discurso fosse fluente e sem sentido; talvez se referissem a todos os substantivos como "coisa". Pode ser que tais pacientes, diagnosticados com o que ficou conhecido como Afasia de Wernicke, também inventassem palavras e tivessem dificuldades para entender a linguagem.

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Crédito: Mesulam et al

"Pessoas que tiveram AVC e tiveram a região de Wernicke afetada não podiam explicar o que uma palavra tão simples como 'guarda-chuva' significava", disse o autor principal do estudo, Marek-Marsel Mesulam, em um comunicado de imprensa. "Em segundo lugar, elas tiveram dificuldade para entender a construção da frase. Se você dissesse: 'coloque a maçã sobre o livro', mesmo que elas entendessem o significado de maçã e de livro, não saberiam obedecer a ordem, pois não conseguiam entender a construção da frase."

"Não existe um centro, e sim uma rede de áreas interligadas, cada uma com uma especialização um pouco diferente da outra", diz.

Isso levou a Wernicke e outros pesquisadores a concluírem que as palavras e as frases eram analisadas no hemisfério esquerdo. No entanto, agora a nova tecnologia de imagem do cérebro está comprometendo as antigas conclusões.

Em vez de trabalhar com vítimas de AVC, os pesquisadores da Northwestern estudaram 72 pessoas com uma demência rara chamada Afasia Progressiva Primária (PPA, sigla em inglês), que afeta as habilidades da linguagem.

Os estudiosos olharam os cérebros dos pacientes de perto, em particular a área de Wernicke, para buscar afilamento do córtex, que indica dano neural. Eles também testaram as capacidades linguísticas dos pacientes ao pedir que ligassem palavras a figuras ou nomeassem as coisas. Surpresa: pacientes PPA com dano na área de Wernicke não pareciam ter problemas para entender palavras individuais, como era o caso de vítimas de AVC.

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"Metade dos dez pacientes com as habilidades de compreensão de frases mais severamente comprometidas não tinha uma atrofia significativa na área de Wernicke enquanto alguns outros tiveram a compreensão de frase intacta, apesar de uma atrofia considerável dessa região", afirma o estudo.

Essa nova pesquisa sugere que a compreensão vocabular não está localizada na área de Wernicke, mas mais à frente no cérebro, no lobo anterior temporal esquerdo.

Parece que a área de Wernicke tem mais a ver com o processamento fonológico e com transformar dados auditivos recebidos em palavras e em padrões parecidos com palavras, "para elaboração associativa em outra parte do cérebro", disse Mesulam ao Motherboard.

Apesar de o estudo ser mais uma evidência de que o lobo anterior temporal esquerdo merecer ser "inserido na rede de linguagem canônica com um papel crítico na compreensão de palavras isoladas e nomeação de objetos", Mesulam reitera que o LAT esquerdo não é o novo "centro de linguagem".

"Não existe um centro, e sim uma rede de áreas interligadas, cada uma com uma especialização um pouco diferente da outra", diz.

Traduzido por: Julia Barreiro