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Tecnologia

​Dorian Nakamoto Quer Processar a Newsweek

Mas vai dar trabalho, já que a Suprema Corte dos EUA já decidiu várias vezes que jornalistas não necessariamente têm que ter tudo certinho tintim por tintim para se defenderem.
Captura de tela de vídeo da AP

Dorian Nakamoto criou o Bitcoin? Não sabemos ainda – mas o engenheiro californiano que foi assunto de uma capa bombástica da Newsweek sobre o tema este ano afirma estar processando a revista pelos problemas causados devido a atenção indesejada e o assédio derivado da matéria de março. Só que ele provavelmente não tem chance nenhuma de ganhar um processo por difamação ou calúnia.

Do começo: se Dorian Nakamoto é, de fato, Satoshi, a pessoa por trás do Bitcoin, ele não tem chance nenhuma. A verdade é uma defesa absoluta contra a calúnia, afirmações "mentirosas" e difamação. Existem diversas razões para suspeitar que Nakamoto seja, como afirma, um engenheiro qualquer de 65 anos desempregado. Mas mesmo se Nakamoto não criou o Bitcoin, ele terá uma dura batalha para levar adiante seu caso. Na eventualidade do processo seguir adiante, talvez saibamos de uma vez por todas quem é Dorian Nakamoto (e se ele, de fato, é Satoshi).

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UM FRENESI DA MÍDIA NÃO PODE SER ENCARADO COMO DANO

Jornalistas têm diversas defesas contra processos como os de Nakamoto (que ainda não foi feito oficialmente – um site criado por seu advogado está levantando fundos para levar a coisa adiante), e a Suprema Corte dos EUA já decidiu várias vezes que jornalistas não necessariamente têm que ter tudo certinho tintim por tintim para se defenderem.

Nakamoto terá que provar que o artigo da Newsweek causou danos a ele e sua família, algo complicado de se fazer de acordo com vários especialistas americanos com quem conversei.

"Tenho dificuldade em entender porque seria difamatório por parte da Newsweek em afirmar (mesmo de forma imprecisa) que ele está por trás do trabalho duro envolvido na criação de uma moeda digital perfeitamente legal que aparenta funcionar e ser útil em diversas transações legítimas", disse, via email, Stuart Karle, professor de Direito da Universidade de Nova York que serviu de consultor para a Reuters em situações do tipo no passado como chefe de operações.

Sejamos justos, o frenesi midiático e os holofotes voltados para Nakamoto após a publicação do artigo provavelmente não foi lá muito legal, mas isso não significa que foi necessariamente prejudicial. "Um frenesi da mídia não pode ser encarado como dano", afirmou Deborah Nelson, professora de Direito aplicado ao Jornalismo da Universidade de Maryland (e repórter investigativa ganhadora do Pulitzer).

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Além disso, o próprio site em defesa de Nakamoto afirma que, logo após a publicação da matéria, mais de 23 mil dólares em Bitcoin foram doados a Nakamoto para "seu uso pessoal. Ele é extremamente grato por este gesto".

Por outro lado, presumindo que ele não tenha nada a ver com a moeda digital, Nakamoto foi lançado aos olhos do públicos sem ter feito nada.

"Problemas emocionais são citados em casos de calúnia", disse Sandy Davidson, professora de Direito da Universidade de Jornalismo do Missouri. "Se ele afirma ter sofrido com a matéria que o identificou erroneamente, cabe ao júri decidir se isso é um problema ou não."

Defensores de Nakamoto também afirmam que o verdadeiro Satoshi, seja lá quem for, possui cerca de 1 milhão na moeda. Expor Satoshi poderia, teoricamente, colocar em risco a sua vida e de sua família. Mas isto também teria que ser provado.

Supondo que Nakamoto pudesse provar que ele de fato teve problemas por conta do artigo da Newsweek, ele teria então que provar que a revista foi negligente ao publicá-lo.

DECLARAÇÕES ERRÔNEAS SÃO INEVITÁVEIS EM UM DEBATE LIVRE

As regras e regulamentações para este tipo de caso são diferentes em cada estado dos EUA, mas muito provavelmente o processo se dará na Califórnia, onde Nakamoto mora, um estado com leis relativamente favoráveis por querelantes processando publicações noticiosas.

Na Califórnia, por exemplo, Nakamoto possivelmente seria considerado uma figura privada, então a afirmação de "negligência" se aplicaria, mas não uma de "má fé", que exigiria que ele provasse que a Newsweek estava tentando prejudica-lo com a matéria.

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"Independente da situação, se uma pessoa é identificada erroneamente, uma pessoa que não fez nada para se injetar em um assunto público e que não tenha fama ou notoriedade universais, tem maior proteção por parte da legislação envolvendo calúnia", disse Davidson.

A investigação da jornalista Leah McGrath Goodman foi questionada por diversas pessoas, mas Nakamoto teria que provar que ela e seus editores deixaram de lado os padrões jornalísticos em busca de uma história. Não há evidência pública de que isso tenha ocorrido.

Crédito: Newsweeklied.com

Em seu artigo, por exemplo, Goodman falou com Nakamoto, que afirma que ele não negou trabalhar em cima do Bitcoin – "Não estou mais envolvido e não posso falar sobre isso", Nakamoto é citado no artigo. Ela também conversou com membros de sua família, incluindo um irmão que declarou que Nakamoto "negaria tudo".

Não está claro de que isso seja o suficiente para provar que Goodman e a Newsweek estavam agindo de boa fé, mas certamente ajudará.

Um caso da Suprema Corte de 1964, New York Times contra Sullivan, é bem conhecido por ter estabelecido o que é conhecido como "má fé" aplicada à figuras públicas.

Mas, relevantemente, em sua opinião, Justice William Brennan afirmou que "declarações errôneas são inevitáveis em um debate livre, e que isso deve ser protegido se a liberdade de expressão terá preservada o 'respiradouro' necessário à sua sobrevivência".

E isso também é importante neste caso. Mesmo que Nakamoto não seja figura pública, a história por trás do Bitcoin certamente é de interesse público. Se a Newsweek errou, e talvez assim tenha acontecido, bem, infelizmente este é o preço do jornalismo de acordo com a corte.

Tradução: Thiago "Índio" Silva