De Cima para Baixo: Tudo que Sabemos Sobre a Energia Solar Vinda do Espaço
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Tecnologia

De Cima para Baixo: Tudo que Sabemos Sobre a Energia Solar Vinda do Espaço

Colocar painéis solares no espaço e utilizá-los para transmitir energia sem fio à Terra seria um dos projetos de engenharia mais incríveis de todos os tempos. Isso é possível?

Colocar painéis solares no espaço e utilizá-los para transmitir energia sem fio à Terra seria um dos projetos de engenharia mais incríveis de todos os tempos. Isso é possível? Vai acontecer algum dia?

Energia solar com base no espaço é um sonho desde abril de 1941, quando a  Isaac Asimov propôs a ideia num conto chamado "Razão". O Departamento de Energia dos EUA estuda o conceito desde o meio dos anos 70, e, recentemente, como alternativa à energia nuclear. No entanto, ainda há pedras no caminho.

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Poucas pessoas já trabalharam de fato em projetos solares orbitais, mas na última segunda-feira, na convenção Satellite 2015, em Washington, DC, três delas discutiram o quanto progredimos, e a distância que ainda precisamos percorrer.

"Jamais construíram um sistema do tamanho de doze porta-aviões para usar na Terra, que dirá para lançar no espaço"

Paul Jaffe, cientista do Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA, trabalha com os componentes da energia solar espacial, isto é, transmissão de energia sem fio. Patrick Rayermann é diretor de novos negócios na divisão de satélites da Airbus, empresa que chegou a fomentar a pesquisa em energia solar espacial. E Edward Horowitz é o diretor da US Space LLC, empresa que frequentemente decide se vale a pena ou não investir em alguma tecnologia.

Por que devemos colocar painéis solares no espaço?

Por mais fictício que soe, os argumentos a favor da energia orbital são bem diretos: estima-se que painéis solares sejam  10 vezes mais eficientes no espaço, e podem apontar para o Sol o tempo todo. Com uma usina no espaço, dá para transmitir energia para qualquer ponto na Terra, incluindo regiões remotas e pobres, ou zonas de guerra. Em teoria, é limpa e eficiente.

"É possível, a pergunta é: para quê?"

Então, por que ainda não levamos a ideia em frente?

Para a energia solar espacial funcionar, precisaríamos de painéis enormes em órbita, de quilômetros de comprimento, proposta que demandaria dezenas ou centenas de lançamentos. Levar todo o material ao espaço é caro (na casa dos bilhões de dólares), e montar tudo em órbita beira os limites das nossas habilidades tecnológicas atuais.

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"Jamais construíram um sistema do tamanho de doze porta-aviões para usar na Terra, que dirá para lançar no espaço", disse Rayermann.

Crédito: JAXA

Não é ficção científica

A ciência da energia solar espacial é sólida. Certamente, somos capazes de gerar energia solar na Terra usando painéis e transmití-la sem o uso de fios via micro-ondas ou lasers, e sabemos levar coisas ao espaço. É viável. Mas não significa que já chegamos lá, e não significa que vai acontecer algum dia.

"É possível, a pergunta é: para quê?", disse Horowitz. "Quando pergunto a investidores o que esperam, eles não conseguem visualizar 50 anos à frente, visualizam no máximo dois, então é preciso apresentar a história em capítulos."

"Se for para transformar isto em negócio, o case precisa fazer sentido"

Horowitz disse que quem está desenvolvendo a tecnologia precisa começar a pensar na tecnologia incidental que virá no embalo, sejam robôs capazes de trabalhar no espaço ou o aperfeiçoamento da transmissão de energia sem fio, que podem dar origem a aparelhos televisores que não precisam de tomada, tecnologias de lançamento mais baratas e uma conversão mais eficiente de luz solar a energia.

Quem vai pagar?

O governo americano  gastou 50 milhões de dólares estudando a ideia entre 1978 e 1981, no ápice da crise do petróleo, nos anos 70. Desde aquela época, cortaram o financiamento drasticamente, mas Jaffe e outros pesquisadores do Laboratório de Pesquisa Naval continuam trabalhando nas tecnologias subjacentes que precisarão aplicar no espaço.

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A Airbus também tem pesquisadores investigando a energia solar espacial, mas não vai acontecer tão cedo.

"Se for para transformar isto em negócio, o case precisa fazer sentido", disse Rayermann. "Falar para investidores 'Você começará a receber o retorno do investimento daqui a algumas décadas' não funciona, tem que ser mais rápido."

Crédito: JAXA

O exército quer energia orbital

A narrativa mais convincente, de um ponto de vista financeiro, que Rayermann ou Horowitz conseguem conceber é aquela que protege a vida das tropas, e não a que providencia energia para regiões subdesenvolvidas ou remotas. Certamente, será como as outras tecnologias espaciais, que começam como projetos militares e, por fim, transbordam para as massas.

É improvável que a energia espacial seja barata logo de cara, mesmo depois da construção. Para obter retorno do custo de construção de uma usina espacial, Rayermann disse que calcula algo como 5 dólares por quilowatt-hora.

No momento, a média americana  é de 12 centavos de dólar por quilowatt-hora — em outras palavras, a energia espacial não alimentará a cidade de Nova York tão cedo. Já o exército paga em torno de 10 dólares por quilowatt-hora em campos de batalha, onde precisam usar geradores a combustível. Isso torna as vantagens táticas e os benefícios de segurança da energia solar espacial atrativos.

"Há um interesse enorme por parte do exército nesse tipo de capacidade, transmitir energia a qualquer lugar do campo de batalha, na hora que for preciso, visto que hoje é necessário conduzir combustível entre estradas minadas, colocando em risco a vida de pessoas", disse Rayermann. "A partir daí, dá para expandir para [o terremoto que alvejou] o Haiti e o tufão que atingiu as Filipinas. A indústria de satélites gosta de se gabar da velocidade com que as comunicações online voltam a funcionar. Imagine se pudéssmos reestabelecer a eletricidade nessas regiões imediatamente."

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E o Japão?

Recentemente, o Japão tem feito bastante barulho a respeito da energia solar espacial. O país diz que quer ter uma estação de gigawatts no espaço até 2025. É o único país que tem mesmo um plano para uma usina espacial, e essa ambição tem seus méritos. Mas o país ainda está longe. Semana passada, a Mitsubishi e o Japão  apresentaram uma tecnologia de transmissão de energia sem fio, que enviou 1,8 quilowatt de energia de uma base a um receptor a 55 metros de distância. Foi impressionante por conta da precisão das micro-ondas, mas a tecnologia em si não é novidade.

"A NASA  transmitiu 34 quilowatts a 1,5 quilômetro em 1975", disse Jaffe. "Grandes trabalhos já foram realizados, mas muitos deles ficaram para trás, no passado. O Japão e a China já fizeram pesquisas e pequenos avanços no desenvolvimento da tecnologia, mas o programa não está a caminho do lançamento."

"São muitos conceitos, e o número aumenta com o passar dos anos", acrescentou.

Micro-ondas ou laser?

Existem duas maneiras de enviar a energia de volta à Terra: micro-ondas e lasers. De modo geral, micro-ondas atravessam as nuvens, que são um grande obstáculo para os lasers. Mas as micro-ondas são menos precisas e podem gerar interferências radioelétricas entre celulares e outros aparelhos de comunicação. Lasers, por outro lado, oferecem exatidão — as estações receptoras podem ser bem menores, quiçá até portáteis. A energia movida a laser é potencialmente mais flexível na fase de implementação, e a faixa de preços pode ser mais barata por conta do formato menor que demanda.

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Uma grande estação, ou vários satélites?

O maior contratempo, a esta altura, é montar uma grande fazenda solar no espaço. Uma única usina grande parece ser a melhor soução para administrar em órbita, mas então surge outro problema: montagem no espaço.

"Quando os Estados Unidos pensaram nisso, nos anos 70, imaginavam colônias enormes de astronautas operários no espaço. É uma ideia contraproducente por conta do custo e outros motivos", disse Jaffe. "Estamos trabalhando com a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa) em robótica espacial, o que permitirá a montagem dessas peças no espaço, que parece inevitável."

Mas depois de lançarmos um monte de satélites de energia solar no espaço, e usarmos lasers para compartilhar a energia entre todos os satélites e enviá-la a uma estação em órbita, quais deles poderão retransmiti-la à Terra? A preocupação, no caso, é que a energia precisaria ser transmitida duas vezes sem fio, o que reduziria eficiência. Mas nunca se sabe, né, capaz que funcione.

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Que tal dirigíveis gigantes na estratosfera?

Por que usar satélites? No lugar, poderíamos lançar aeróstatos gigantes, drones ou dirigíveis na estratosfera, abaixo da órbita. Provavelmente, seria mais barato e traria pelo menos um dos benefícios de uma usina solar espacial (daria para enviar energia a áreas remotas, contanto que estivessem no campo de visão do dirigível).

A maior desvantagem é que, na estratosfera, dirigíveis teriam de enfrentar o chamada "período noturno", quando não seriam capazes de gerar energia alguma.

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"Uma ideia proposta que contorna as derrocadas da noite e os problemas das nuvens é enviar a energia de um satélite a uma plataforma de altitude elevada, sobre as nuvens, e então ao solo", disse Jaffe. O inconveniente em potencial é que torna o aproveitamento menos eficiente e, ainda assim, é preciso transmitir a energia da estratosfera ao solo."

Lixo espacial e impacto ambiental

Há também preocupações periféricas acerca da energia solar espacial. As chances de um fragmento de destroço espacial colidir com um satélites de tamanho normal são consideráveis, mas são muito menores do que a probabilidade de  um pedaço de lixo espacial atingir um alvo do tamanho de vários porta-aviões. Gastar vários anos e bilhões de dólares para criar uma usina solar que pode ser destruída por um satélite desmantelado, vagando em órbita, não é um bom prospecto.

Já mencionamos a cobertura das nuvens, mas há também a preocupação com os possíveis danos de micro-ondas constantes detonando a atmosfera.

"A energia parece verde, mas talvez tenha alguma característica que danifica a atmosfera de formas que mal podemos imaginar hoje", disse Rayermann.

E agora?

O debate de segunda-feira envolveu três pessoas que acreditam com afinco que a energia solar espacial é uma opção viável — e mesmo elas têm grandes ressalvas. Mas isso não significa que jamais acontecerá. Só não será em breve.

Se alguém ( talvez Elon Musk) descobrir uma forma barata de chegar ao espaço, uma grande peça do quebra-cabeça será resolvida. Enquanto isso, capaz que alguém descubra uma maneira melhor para gerar energia aqui na Terra, e nem precisaremos nos preocupar com a energia solar espacial.

"Acho que, hoje, ainda não dá para saber como será. A ideia ainda levará anos para amadurecer, pelo menos até o meio do século", disse Rayermann. " Energia de fusão barata e prontamente disponível não é uma ideia impossível, contanto que criemos uma solução para a base espacial. Se conseguirmos fazer isso aqui na Terra, talvez o espaço não seja atrativo."

Tradução: Stephanie Fernandes