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Tecnologia

Como "Digimon" Salvou Minha Vida

As memórias de um garoto de 11 anos gordinho, solitário e com gel demais no cabelo.
​Captura de tela: Youtube

Em 1999 eu era um garoto de 11 anos gordinho, solitário e com gel demais no cabelo. Foi por volta dessa época que eu comecei a assistir Digimon, o desenho animado que moldou a minha visão da internet e, de certa forma, mudou minha vida.

Vocês devem se lembrar de Digimon como a versão falsificada de Pokémon, o desenho comuma ​música tão grudenta que parecia ter sido criada por cientistas da NASA para nos enlouquecer. Durante uma acampamento de verão, um grupo de sete crianças recebe dispositivos tecnológicos — acho que nós os chamaríamos de wearables hoje em dia — chamados "Digivices". Esses Digivices os levam para o "DigiMundo", uma versão animada da internet. O DigiMundo é um lugar exuberante, colorido, arborizado e onírico, e é lá que os protagonistas conhecem aqueles que serão os seus mehores amigos: os Digimons, pequenos monstros digitais.

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Lembro que assisti o primeiro episódio aos oito anos de idade e fiquei imediatamente empolgado. Eu não tinha nenhum amigo na época. Não quero cair no sentimentalismo, mas durante boa parte da minha infância eu era o que chamamos de "excluído", segundo todas as definições da palavra.

Dá para imaginar porque, em plena quinta série, um desenho sobre crianças fazendo amigos na internet era tão importante para mim.

Crédito: Youtube

Quando o herói Tai, o Ash Ketchum da série, conhece seu Digimon, ele fica com medo. O monstro é um pouco estranho, mas ao mesmo tempo bonitinho. Para acalmá-lo, o monstro diz: "Você não precisa ter medo de mim, eu sou seu amigo, sou seu amigo, sou seu amigo! Tá tudo bem agora, Tai. Eu estava te esperando!".

Aquilo me deixou sem palavras. Tudo que eu queria na vida era alguém que me dissesse que tudo estava bem. Foi assim que Digimon virou meu refúgio.

Por volta dessa época, houve uma noite em que chorei até dormir. Não me lembro o que me deixou tão chateado, mas é muito provável que tivesse a ver com ser excluído e humilhado pelos meus colegas de classe. Naquela noite, eu tive um sonho do qual nunca esqueci: eu estava no DigiMundo, onde era feliz. Eu havia escapado e tinha amigos, assim como as crianças do desenho.

Acordei desesperado com a ideia de encarar minha vida solitária de novo.

Quando o primeiro filme foi lançado em VHS, no ano 2000, fiquei tão envergonhado na locadora que tentei convencer meu pai de que era meu irmão, e não eu, que queria assistir o filme. Digimon era coisa de criança, e eu não era frouxo, ou pelo menos tentava me convencer disso.

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A internet virou meu DigiMundo, meu refúgio

Foi mais ou menos nessa época que meus pais assinaram nossa primeira internet banda-larga. Quando nós instalamos nosso velho computador Dell, eu já sabia o que queria fazer. Digimon me ensinou que a internet era um lugar para fazer amigos.

Nos anos seguintes, a internet virou meu DigiMundo, meu santuário particular. O MSN, e mais tarde o Tumblr, se tornaram uma forma de fugir para um mundo onde nem tudo era horrível. A internet não era exatamente um sonho multicolorido e idílico, mas era assim que eu a via.

Eu podia chegar em casa depois de um péssimo dia de aula e entrar no MSN, sabendo que meu amigo de outra cidade estaria lá. Nós só nos vimos pessoalmente uma vez. Tínhamos uma relação muito mais profunda e significativa na internet — talvez porque, atrás das telas, não fôssemos reais um para o outro. Nós éramos Digimons, e era exatamente isso que precisávamos.

Crédito: Youtube

Durante os cinco anos em que frequentei o Tumblr, fiz amigos que nunca conheci pessoalmente, e com quem ainda tenho contato através de outras redes sociais. De vez em quando conversamos, e é sempre ótimo falar com eles. (Lisa e Laura, se vocês estiveram lendo isso, oi!)

Eu amadureci muito desde meus dias de solidão. Estou mais seguro e confiante. Na maior parte, estou bem. Mas eu também tenho uma visão menos parcial da internet. O mundo virtual — que já foi minha salvação —é, atualmente, tanto um refúgio quanto uma ferramenta para o lucro e para a vigilâ​ncia. O DigiMundo não é mais tão colorido.

Mas Digimon me ensinou uma coisa muito importante, algo que vai além de toda minha nostalgia e da minha ligação afetiva à série: a internet pode ser um lugar de contato e crescimento, de solidariedade e emoção, não importa o quão sombria ela pareça.

Tradução: Ananda Pieratti