A História por Trás do Diaspora, a Rede Social que Queria Acabar Com o Facebook
Os fundadores da Diaspora. Crédito: Gabriela Hasbun

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Tecnologia

A História por Trás do Diaspora, a Rede Social que Queria Acabar Com o Facebook

A complexa, longa e triste história do grupo de jovens que queria acabar com a filosofia de Zuckerberg.

É impossível prever as consequências ou efeitos de novas tecnologias, especialmente quando a tecnologia em questão é desenvolvida por um hacker de 20 e poucos anos.

Isso tudo já estava bem claro em janeiro de 2010, quando Mark Zuckerberg disse ao fundador do TechCrunch, Michael Arrington, que o Facebook não é só um lugar para se conectar a seus amigos. É um lugar para escancarar ainda mais nossas vidas, como nunca antes. "As pessoas se acostumaram a não só compartilhar mais informações de diversos tipos, mas de forma mais aberta e com mais gente. A norma social é algo que evoluiu no decorrer do tempo", afirmou. "Mas víamos isso como algo realmente importante, de sempre manter uma mentalidade de iniciante e o que faríamos se estivéssemos começando a empresa agora e decidimos que estas seriam as normas sociais e seguimos adiante."

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Zuckerberg não estava só. "Se existe algo que você não quer que ninguém saiba, talvez você não devesse fazê-lo em primeiro lugar", declarou o CEO do Google, Eric Schmidt, um mês antes em seu blog, um ano após notícias sobre sua vida pessoal – o fim do relacionamento com uma amante – causarem preocupações entre acionistas.

Independente da discussão sobre se grandes empresas deveriam ou não decidir o que é socialmente apropriado para seus usuários, a linha entre se deparar com um novo padrão social e criar um de fato está se tornando cada vez mais imperceptível. Para expandir sua base de usuários e lucro com anúncios, o Facebook aos poucos erodiu a proteção aos seus usuários através de redesigns, persuadindo-os a compartilhar mais e mais, com maior frequência. O fluxo constante de mudanças fez parte do ethos de Zuckerberg, por meio da sua máxima que agracia muitos murais de verdade em Menlo Park: "Sempre esteja criando". Mas também refletia o mandato maior do Facebook: ganhar dinheiro com anúncios a partir dos dados de seus usuários.

Desde seu lançamento, o Facebook fez alterações em suas configurações de privacidade – a partir da pressuposto de que os padrões de privacidade estavam mudando – deixando os usuários de fora disso, que descobriram sobre certos abusos depois de ocorridos. Era como a metáfora do sapo, aos poucos cozinhando na panela. O sapo pula fora se a temperatura sobe rápido demais. Mas se ela sobe gradualmente, o sapo nunca percebe, e fica na água até ferver. Exceto pelo fato de que esta anedota é falaciosa. Na maioria das vezes, o sapo percebe sim.

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A CAIXA E OS GAROTOS

Em fevereiro de 2010, no ápice da confusão entre o Facebook e a confiança pública, um professor de Direito chamado Eben Moglen fez uma palestra aberta ao público na Universidade de Nova York (NYU) intitulada "Liberdade na Nuvem". "A raça humana é suscetível a danos, mas o Sr. Zuckerberg conseguiu um recorde nada invejável: ele causou mais males à humanidade que qualquer outra pessoa com a sua idade", declarou Moglen, e então descreveu o contrato dúbio que o mundo conectado estava assinando com o Facebook. "A saber, 'lhes darei hospedagem gratuita e umas traquitanas de PHP e vocês poderão espiar os outros gratuitamente o tempo inteiro'. E funciona. Essa é a parte triste, funciona."

Na posição de presidente do Centro de Leis de Software Livre em Nova York, Moglen já era conhecido como grande apoiador dos direitos e liberdades digitais, crítico ferrenho de códigos que comprometem usuários, o tipo de guerreiro que poderia até te punir por manter uma conta no Facebook. E Moglen percebeu uma falha profunda na estrutura centralizada do Facebook. Contrariando aos princípios da rede mundial de computadores em que foi construído – uma rede distribuída iniciada por uma instituição pública e sem dono – o Facebook desequilibrou a balança do poder, afastando-a ainda mais do membros individuais que dão à rede social qualquer significado verdadeiro.

A raça humana é suscetível a danos, mas o Sr. Zuckerberg conseguiu um recorde nada invejável: ele causou mais males à HUMANIDADE que qualquer outra pessoa com a sua idade. (EBEN MOGLEN)

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"Tudo que sabemos a respeito da tecnologia nos diz que o formato atual da comunicação em redes sociais, apesar de seu valor enorme atualmente para a política, é que ela é intensamente perigosa em seu uso", disse Moglen ao New York Times em, inspirado pelos eventos da Primavera Árabe. "É tudo muito centralizado, muito vulnerável à retaliação e controle estatais."

"Não é difícil, quando todos estão em um enorme banco de dados controlados pelo Sr. Zuckerberg, decapitar uma revolução ao enviar a Zuckerberg uma ordem irrecusável", disse Moglen.

É hora de derrubarmos nossos soberanos da rede, declarou Moglen, chamando assim às armas seus colegas céticos quanto ao Facebook. "Não estou sugerindo que deveria ser algo ilegal. Deveria ser obsoleto", continuou. "Somos tecnólogos. Temos que consertar isso."

Ele também já contava com uma solução: um servidor pessoal rodando um sistema operacional livre, com aplicativos gratuitos feito para criar e preservar a privacidade pessoal. Moglen o chamou de "Freedom Box" (caixa da liberdade), e com ele, os usuários poderiam, em teoria, comunicar-se diretamente uns com os outros por meio de tecnologia peer-to-peer, contornando o controle dos intermediários de dados. Sua iniciativa ofereceu uma alternativa filosófica ao problema da posse de dados: e se ao invés de oferecermos voluntariamente nossa informação a terceiros – mantendo nossos emails pessoais, fotos na praia e diários sexuais em seus servidores – simplesmente mantivéssemos esses dados em nossas próprias máquinas? Moglen assim o descreveu naquela noite:

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Do que precisamos? Precisamos de um bom servidor que você possa colocar no bolso e plugar em qualquer lugar. Em outras palavras, não deveria ser maior que o carregador do seu celular e você deveria poder ligá-lo em qualquer tomada do mundo e a qualquer fio próximo ou sincronizar com qualquer roteador wi-fi que esteja por perto. Deve ter também algumas entradas USB para se conectar às coisas. Também deve saber como se ativar, como fazer funcionar seu servidor, como coletar seus dados das redes sociais que você usa. Tem que saber como mandar um backup criptografado de tudo para os servidores de seus amigos. Tem que funcionar como microblog. Tem que fazer um barulho similar a um gorjeio [tweet, em inglês], mas sem infringir os direitos de marca de ninguém.

Em outras palavras, tem que saber como ser você… Me desculpe, preciso usar uma palavra perigosa – um avatar – em uma rede livre que trabalha pra você e mantém os registros. Você sempre sabe o que está acontecendo no seu servidor e se alguém mais quiser saber, eles que arrumem um mandado de busca.

Foi mais do que uma crítica, foi um chamado para a revolução, conduzida por softwares de código aberto distribuídos livremente. "O Sr. Zuckerberg merece a falência", concluiu. "Vamos dá-la a ele. De graça."

Em meio público estavam três amigos, graduandos do Instituto Courant de Ciências da Computação da NYU, que se conheceram durante sessões noturnas de ajustes com uma MakerBot no clube de programação do curso. Max Salzberg, 23 anos, era o pragmático, o líder natural do grupo; Dan Grippi, 21 anos, era o cara, que agia e não respondia à ninguém; Ilya Zhitomirskiy, 20 anos, estudante de segundo ano, filho de uma orgulhosa família de matemáticos russos, um idealista com uma queda séria por privacidade. Integrava a equipe o jovem Raphael Sofaer, 19 anos, o mais novo, que não pôde ir à palestra. Seu irmão mais velho, Mike, engenheiro de software, tinha vindo visitá-lo diretamente de São Francisco, e nos dias seguintes, observou os quatro estudantes discutirem as suas implicações. "Havia uma sensação de que 'poderíamos fazer qualquer coisa'", disse Mike à New York Magazine.

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A ideia era simples: construir uma versão de código livre e descentralizada do Facebook para a Freedom Box. Ser dono de seus próprios dados, de sua própria rede social. Nada de Mark Zuckerberg. Sem a necessidade de utilizar nomes verdadeiros. Só as pessoas. Esperando levantar fundos para o que deveria ser uma distração de verão, a equipe postou sua ideia no então desconhecido site de microfinanciamento Kickstarter, com uma meta discreta de 10 mil dólares. Chamaram o projeto de Diaspora*, que combinava bem com os objetivos descentralizadores do mesmo. Do grego διασπορά, "espalhamento, dispersão", trata-se do "movimento, migração ou espalhamento de pessoas para longe de uma terra natal estabelecida ou acentral", ou ainda "pessoas dispersadas por qualquer motivo para mais de um local".

A IDEIA

Àquela altura, o ódio ao Facebook havia atingido seu ponto mais alto, na esteira de uma série de atualizações de privacidade controversas. Diaspora – "a rede social de código aberto preocupada com sua privacidade, controlada individualmente e que fazia tudo", de acordo com sua descrição no Kickstarter – oferecia o que parecia ser o antídoto perfeito para a tirania zuckerbergiana. O New York Times logo ficou sabendo. Cansados de serem abusados, tecnólogos logos se reuniram em torno do emergente espetáculo da startup, transformando aquilo que havia começado como um projeto feito só pela diversão em um movimento político. Antes mesmo de uma única linha de código ser escrita, o Diaspora já era uma sensação. Seu clamor anti-establishment e ética hacker de garagem lhe renderam elogios de toda uma internet ávida por sinais de vida no meio de uma geração cada vez mais viciada em atualizações de status.

"Por algum motivo esquisito todo mundo entrou nessa de privacidade", Dan disse, na época. "Facebook Killer!" era o grito de guerra ouvido por toda a internet, uma história real de Davi contra Golias. Poderosos investidores do ramo de tecnologia, como Fred Wilson, apoiaram a causa. Al Gore ligou pros rapazes pra que eles soubessem que estavam fazendo a coisa certa. Até mesmo o Zuckerberg, em meio a uma onda de relações públicas péssimas sobre privacidade, doou uma quantia respeitável, um ato tão irônico quanto ridículo. "Acho que é uma ideia bacana", disse Mark. A história, como muitas outras, espalhou-se – onde mais? – no Facebook.

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Mas ao passo em que o Facebook era um oponente tangível, Ilya, Dan, Max e Raphael estavam travando uma guerra mesmo contra a história e o futuro da tecnologia. "O Diaspora está tentando destruir a ideia de que uma só rede pode ser totalmente dominante", disse Raphael. Mesmo sendo uns caras legais, a turma do Diaspora levava consigo uma inegável estileira punk, que combinava perfeitamente com sua missão. Poucos viram a mensagem no quadro negro atrás de Ilya, na página 19 da edição de 11 de maio de 2010 do Times, mas não era preciso um programador com olhos de águia para perceber o palavreado nerd chulo escrito em UNIX: "TOUCH GREP UNZIP MOUNT FSCK FSCK FSCK UNMOUNT," dizia, uma referência à sexo. (O Times logo recortou a foto em seu site.) Subitamente, a possibilidade de se libertar dos grilhões da escravidão de rede, de retomar o futuro da internet das mãos do Vale do Silício, pareceu tão real quanto seu extrato no Kickstarter: 6.479 pessoas haviam doado US$200.641,00.

Em uma festa do Kickstarter em maio de 2010, nós do Motherboard encontramos um tímido Ilya, próximo à geladeira, despejando algo em um copo. Ele estava empolgado, ainda que comedido, sobre os próximos passos do grupo: os quatro estavam de mudança para São Francisco no próximo verão. Seu novo lar seria na Pivotal Labs, onde o irmão do Raphael trabalhava como desenvolvedor e haviam lhes oferecido um escritório gratuito e suporte no desenvolvimento. Parecia como o maior projeto de verão de todos, o tipo de coisa que uma banda indie faz quando vai a uma fazenda gravar seu novo disco, o tipo de coisa que Mark Zuckerberg fez no verão depois de seu segundo ano de faculdade. Mas não era exatamente o mesmo.

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AOS LIBERTOS, A REDE

O modelo distribuído, democrático, soa ótimo em teoria. Na internet e em outros lugares, porém, é um ideal que parece ir contra nossas tendências. Liberdade e competição podem muito bem já estar inseridos em nosso código nacional, mas a história indica que as sociedades são seduzidas facilmente pela praticidade de se viver em um sistema controlado, contanto que seja confortável e previsível o suficiente. De fato, desde o nascimento da era da informação, argumenta Tim Wu, professor de Direito e à época, recém-apontado como conselheiro da Comissão Federal do Comércio dos EUA e propagador da ideia da "neutralidade de rede", nós sacrificamos voluntariamente a liberdade em troca de algo mais sedutor, e talvez, mais facilmente reconhecível: a conveniência.

"Com exceção de breves períodos de abertura criados por novas invenções ou rompimentos em defesa da concorrência, todos os meios, a começar pelo telégrafo, eventualmente provaram ser estudos de caso em monopólio", escreveu Wu, indicando como muitas destas empresas sobreviveram, caso da AT&T, Paramount e NBC.

Indústrias que dependem de redes, argumenta Wu, tendem a ser sujeitas à dominância de qualquer empresa que se torne mais valiosa para cada usuário enquanto o número destes aumenta. "Estas redes tem uma tendência natural ao crescimento, crescimento este que leva à dominância", afirmou. "Isto foi essencial para o monopólio do telégrafo pela Western Union no Séc. XIX e o monopólio telefônico de sua sucessora, a AT&T. As linhas Bell simplesmente chegavam à mais gente que qualquer outra, então cada vez mais clientes passaram a depender delas, em um ciclo expansor de fatia de mercado. Quanto mais clientes atingiam, mais imune a empresa ficava à concorrência."

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De volta ao começo: o jogo da AT&T

Ao falar em redes, "junto do tamanho vem a conveniência", afirma Wu, efeito ainda mais forte em monopólios da informação. "Quando as pessoas que movimentam as coisas também são donas do conteúdo", disse ao Motherboard em 2010, "há um conflito de interesses inerente. O que significa uma possibilidade inata de censura, o que é muito perigoso".

Um ótimo exemplo é a Apple, e seu ecossistema notoriamente fechado. Sua belíssima linha de produtos integra-se perfeitamente, mas acorrenta o usuário a um ecossistema controlado rigidamente pela empresa. Até mesmo tarefas mundanas, como trocar uma bateria, significa ir a uma loja da Apple ou assistência autorizada para a maioria das pessoas (as outras recorrem ao iFixit). Quando seu MacBook quebra, muitas vezes não tem como ser consertado, e ele acaba sendo enviado para o outro lado do mundo para darem um jeitinho, ou então jogam o antigo fora e te dão um novo. A integração e o controle de seu hardware e software é um compromisso na busca da Apple por sua visão única, algo que não deve ser adulterado por meros mortais.

"Steve Jobs cria produtos incríveis", disse Wu à respeito do antigo chefe da Apple antes de seu falecimento. "Mas por outro lado, você tem que se submeter ao seu controle por completo, em determinado momento. É como um jantar gourmet: quando você vai a um restaurante, você essencialmente se rende aos caprichos do chef e lhe diz 'prepare-me uma boa refeição', e ele é ótimo naquilo. Mas definitivamente você está fazendo um negócio em que abre mão de parte da sua liberdade."

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Não gosta de comida condimentada? É uma pena. Não curtiu esse novo app de mapas? Foi mal, amigo, tenta baixar uma coisa diferente. A ética ditatorial é um anátema em relação às origens hackers humildes da Apple, afirma Wu, que compara Jobs ao presidente original da AT&T, Theodore Vail. Apesar de seu princípio como um legítimo entusiasta do telefone, aos poucos Vail se apaixonou pelo ato de arruinar a concorrência. Ao forçar sua abordagem integrada, ele criou um império que se estendeu por sete décadas. Eis o paradoxo deprimente à la Matrix da progressão tecnológica. Assim como cada nova descoberta nos empodera, também arriscamos a desenvolver certo apego servil, inércia e dependência. De fato, nada além da intervenção governamental consegue parar este monstro disruptor de se transformar em algo ainda mais feio. E até lá, geralmente, os efeitos já foram sentidos.

O FACEBOOK COMEÇARÁ A COPIAR GOOGLE OU COMEÇARÁ A COPIAR A APPLE? VIVEREMOS EM UM FUTURO BEM DIFERENTE. (TIM wu)

Se você está vivendo o presente, o futuro depende do caminho que o Facebook escolher pra você. "O Facebook começará a copiar o Google", que advoga alternativas abertas às ofertas austeras da Apple, "ou começará a copiar a Apple?". E se o Facebook escolher a Apple? Wu responde: "Viveremos em futuro bem diferente".

Muitos sinais já apontam nesta direção, dos vários deslizes da empresa em termos de privacidade aos seus acordos com anunciantes. O Facebook é quem manda e os usuários seguem suas regras. "A crítica [à CEOs como Zuckerberg] é que eles são extremamente maquiavélicos e não se importam om as pessoas", disse um antigo executivo do Facebook demitido por Mark Zuckerberg, em entrevista à Henry Blodget, em 2012. "Mas isso é o que é realmente necessário para construir um negócio sustentável à longo prazo."

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O descontentamento crescente sobre os termos de serviço dúbios do Vale do Silício acabou gerando apoio à movimentos como o de Moglen, e eventualmente ao Diaspora. Fãs correram para fazer o download e se inscrever na versão alfa do projeto em novembro de 2010. A rede era composta por pods, nodos de propriedade de um indivíduo ou instituição que tornavam a rede maior realmente descentralizada. Outro elemento chave era o design do Diaspora enquanto rede distribuída, uma espécie de "agregador social" que permitia que atualizações e conteúdo fossem importados do Facebook, Tumblr, Twitter e dezenas de outras redes sociais. Esta interoperabilidade permitiria ao Diaspora evitar olhadelas indiscretas de um Facebook ou um Google, ao mesmo tempo em que facilitaria a adesão, atraindo mais usuários.

Ainda assim, a batalha já pode ter sido perdida antes mesmo de começar. Além da dificuldade envolvida em executar um projeto deste escopo e magnitude, a equipe de quatro jovens com pouca experiência real de programação se viu assoberbada pelo peso da expectativa. Antes mesmo da equipe tentar desenvolver um produto de fato, blogueiros, tecnólogos e nerds da cultura de código aberto de todo canto depositavam neles a esperança de salvarem o mundo da tirania e opressão. De forma nada surpreendente, a primeira versão do Diaspora, lançada em 15 de setembro de 2010, foi um desastre, especialmente por seus bugs e buracos na segurança. Antigos entusiastas do projeto referiam-se a ele como um "queijo suíço".

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Profundamente abalada, mas sem se deixar abater, a equipe seguiu em frente, e por volta do dia de Ação de Graças, lançou uma versão "pré-alfa" do site. No decorrer dos meses, aos poucos os jovens foram montando o que parecia ser uma versão funcional, distribuída e de código aberto do Facebook. "Há algo mais profundo que lucrar com as coisas", disse Ilya Zhitomiriskiy à New York Magazine na época. "Fazer parte de um processo criativo para o universo é incrível."

Mas o universo se expandia rápido demais.

16 de setembro de 2010. Flickr / henrikmoltke

E CHEGA O GOOGLE+

Após anos de experimentos em mídias sociais que deixaram um cemitério de projetos malsucedidos, o Google não podia mais ignorar a ameaça crescente de Zuckerberg. No começo de 2011, o ex-funcionário do Google James Whittaker escreveu em um post de despedida em seu blog que a rede social do Google havia se tornado a principal prioridade. A motivação parecia derivar de um zelo imperial, desesperado.

O Google ainda conseguia colocar anúncios na frente de mais gente que o Facebook, mas o Facebook conhecia essas pessoas bem melhor. Anunciantes e agências valorizam este tipo de informação pessoal, tanto que estão dispostas a colocar a marca do Facebook antes da deles. Prova A: www.facebook.com/nike, uma empresa com o poder e influência da Nike colocando sua marca após a do Facebook? Nenhuma empresa fez isso pelo Google, e ele levou isso pro lado pessoal.

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A empresa cedeu o controle de volta ao seu fundador Larry Page, e desde o início ficou claro que ele mirava o Facebook. O social virou prioridade, um mandado corporativo chamado Google+. Era um nome sinistro invocando a sensação de que o Google por si só não era o suficiente. A busca tinha que ser social. O Android tinha que ser social. YouTube, que outrora havia sido alegremente autônomo, tinha que ser… Bem, vocês entenderam. E o pior, a inovação teria que se tornar algo social. Ideias que falhassem em colocar o Google+ no centro do universo eram apenas distrações. "O Google pelo qual eu era apaixonado era uma empresa de tecnologia que empoderava seus funcionários para inovarem", escreveu Whittaker em sua despedida. "O Google que deixei era uma empresa de publicidade com um único foco ordenado pela corporação."

Com a chegada do Google+ em junho, o Diaspora de repente se via diante de um novo problema: a irrelevância. 200 mil dólares não parecem nada frente aos bilhões do Google. Além disso, o novo site do gigante da busca também prometia dar aos usuários um maior controle de seus dados enquanto parecia plagiar algumas das principais características do Diaspora. O Google estava "tomando o milk-shake do Diaspora", dizia um artigo no  ReadWriteWeb.

Meu feed no Diaspora

No exterior, a equipe tentou tornar aquilo como um sinal de sua crescente influência. "Estamos orgulhosos que o Google+ plagiou uma de nossas principais características e aspectos com seu conceito de círculos", escreveram os desenvolvedores do Diaspora em seu blog. "Já estamos fazendo a diferença." Por trás dos panos, era um desastre. O Diaspora, que havia sido incorporada como uma empresa de classe C (classificação norte-americana relacionada à tributação), já estava ficando sem fundos. Os quatro fundadores haviam decidido alugar apartamentos individuais para que "não acabassem se matando". Com o interesse de investidores de risco minguando, as opções deles também diminuíam.

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Mas talvez o mais revelador tenha sido o subsequente fracasso do Google+ conseguir fazer qualquer dano real ao império do Facebook. Talvez as pessoas não quisessem um Matador de Facebook, no fim das contas.

As evidências eram claras, e agora os fundadores sabiam. Naquele verão, após toda a grana ter sido gasta, Raphael voltou para Nova York para concluir a faculdade. Logo depois, um dos integrantes-chave do grupo, Yosem Companys, se demitiu abruptamente, citando conflitos internos. Na mesma época, o PayPal congelou as contas do Diaspora sem avisar, impedindo o acesso às muitíssimo bem-vindas doações – a equipe havia recorrido à comunidade, de chapeuzinho na mão, em outubro. Em novembro, se esforçavam para manter a cabeça acima da água.

No dia 7 de novembro, o Wall Street Journal perguntava "O que Aconteceu Com o Diaspora, o Matador de Facebook?" Cinco dias depois, na noite de sábado, 12 de novembro, um médico legista de São Francisco via-se diante do corpo de Ilya Zhitomirskiy.

A MORTE

"Acredito firmemente que se Ilya não tivesse começado este projeto e ficado na faculdade, ele estaria bem e vivo hoje", declarou sua mãe. Ilya sempre foi muito de acreditar nas coisas, entrando de cabeça na cultura de liberdade tecnológica e frequentando espaços hackers locais. "Ele pôde escolher entre sua formação e este projeto, e ele escolheu o projeto porque queria fazer algo com seu tempo que pudesse gerar liberdade", afirmou Moglen ao Times após sua morte. Ilya parecia ter compreendido a gravidade da oportunidade que teve em mãos, e sofreu muito com seus fracassos. Apenas dois meses após ter dito à New York Magazine que o Diaspora era um trabalho de amor, ele deixaria a equipe em meio a uma série de conflitos, voltando para Pensilvânia, semanas antes do grande lançamento do "pré-alfa". Ilya voltaria então por volta do dia de Ação de Graças de 2010, mas somente após sua mãe ter implorado ao telefone para que Max o aceitasse de volta.

No ano seguinte, a empresa lutou para se manter de pé, como a maioria das startups, com expectativas não atingidas. Com o fim dos 200 mil dólares iniciais, o interesse cada vez menor de investidores de risco, as tensões aumentavam, de acordo com pessoas próximas. Suspeitas surgiram. Após Raphael ter voltado à NYU naquele verão, Dan e Ilya cogitaram pular fora enquanto Max traçava uma estratégia para melhor conduzir o negócio com novos parceiros. No dia 3 de outubro, eles anunciaram seus planos durante uma reunião de ânimos exaltados. No mês seguinte, o relacionamento entre todos esfriou. No dia 12 de novembro, um dia após 11/11/11 – uma data importante para Ilya por conta de sua beleza numérica – ele foi encontrado morto.

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"Dificilmente alguém tinha alguma noção de que Ilya estava deprimido, quanto mais suicida", escreveu Mitch Altman, um veterano hacker de hardware que conheceu Ilya através do Noisebridge, o espaço hacker do qual havia sido cofundador. "Ele era um cara empolgado, animado com todos os projetos bacanas que estava implementando, assim como aqueles que havia pensado sobre e os quais pensaria."

A especulação no website Hacker News nos dias seguintes ao seu falecimento apontavam como causa as pressões de começar uma nova startup, uma que exigiria, dado seu potencial, tanta força de espírito e virtuosismo quanto se pode encontrar no difícil mundo do Vale do Silício. Um dos comentaristas no site disse: "Ele é o Ian Curtis da tecnologia".

"Os fundadores do Diaspora estavam em uma posição nada invejável", afirmou outro usuário chamado DevX101. "Eles começaram com uma onda de publicidade nacional gratuita e apoio financeiro sólido de usuários de base. Com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais claro que eles não poderiam cumprir se objetivo inicial. Eles haviam falhado. Isto pode ser psicologicamente devastador para alguém que sempre 'teve sucesso' na vida."

"Não estou dizendo que este foi o caso com Ilya, ou se isso influenciou sua morte, mas sei que pra mim seria difícil lidar com isso. Há muitos desenvolvedores silenciosos mundo afora que abriram mão de tudo por um sonho não realizado no caminho de uma startup de sucesso, algo que tem efeitos profundos na psique." Outros diminuem os efeitos do desapontamento. "Sim, concordo que ser o fundador de uma startup é estressante. Mas não foi o estresse do trabalho que matou Ilya", Max declarou em maio. "Ele tinha seus próprios problemas, ele estava doente". Pessoas próximas de Ilya disseram que ele estava lutando contra a depressão.

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"A ficha não tinha caído até passar na sua casa", continuou DevX101. "O único indicativo de que algo havia acontecido era um papel afixado com fita adesiva em uma porta com os dizeres 'Festa Cancelada'. Dá um nó na garganta. Acho que fui até lá pra ver se era verdade… Pra saber o que tinha acontecido. Com a sua morte cada vez mais evidente, nem ligo pro que aconteceu. É uma grande perda. Ilya fará falta."

Para alguns, ele era a alma e o coração do projeto. "No final, eu gostaria mesmo de falar dos pontos fortes do Ilya, e eles eram muitos", diz um amigo próximo. "Ele era um visionário, e um matemático. Ele juntou incontáveis pessoas apaixonadas pelo que faziam, e era adorado na comunidade de tecnologia. Ele era a luz por trás do Diaspora. E sinceramente, quando ele morreu, o projeto morreu também."

No Vale do Silício, bem lá onde os desistentes da faculdade vão para se tornarem bilionários e dominarem o mundo, um mito mortal se propaga. "Contanto que você esteja acima de determinado limiar intelectual, o que importa mesmo é a determinação", prega Paul Graham, fundador da lendária incubadora de startups Y-Combinator, que mais tarde apoiaria o Diaspora em um último esforço para manter o projeto vivo. É um belo pensamento e fundamental para o Sonho Americano. É uma ilusão que leva jovens com brilho nos olhos a largarem a faculdade e ir para o Oeste, vivendo à base de macarrão instantâneo e morando em albergues, "não muito diferentes dos apartamentos lotados que atendem às necessidades de imigrantes". No Vale do Silício, eles acreditam que se você fizer o que for preciso, eventualmente você chegará lá também. Lá, aparentemente todos estão prestes a atingir a grandeza. E se você ainda não chegou à Terra Prometida, é porque não está dando duro o bastante. Ou pior, você desistiu.

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O sucesso, porém, nem sempre é tão direto, e sim uma preparação em camadas, com partes iguais de uma boa ideia, perseverança e muita sorte. É por este motivo que muitos dos rockstars da indústria seguem tendo um único grande sucesso. Marc Andressen lutou para chegar aos pés do triunfo que foi o Netscape Navigator. Os cofundadores do Twitter Ev Williams e Biz Stone deixaram a empresa para trabalhar em um projeto chamado Obvious, mas que até o momento só rendeu um post em seu blog. Aí temos Sean Parker, do Napster. Depois de ter se saracoteado para o Facebook, seu último empreendimento de risco com o apoio de celebridades, o clone do Chatroulette conhecido como AirTime ainda precisa sair do papel, se é que um dia isso vai acontecer. Mesmo com tanta credibilidade, confiança e grana, repetir o sucesso do passado é uma ilusão com a qual os melhores do Vale do Silício sofrem.

Ainda assim o mito se propaga porque quem manda é o viés da sobrevivência. O fracasso não só faz parte do vocabulário; a turma das startups prefere termos como "pivotear" ao invés de palavras mais diretas para descrever aquilo que seria aceitar uma falha. Não é algo que os vencedores admitem, ou mesmo que a mídia fale sobre. Para cada Zuckerberg, há milhares de coadjuvantes, com festas que ninguém nunca foi, obsoletos antes mesmo de saberem de suas existências.

Aí entra em cena a questão do dinheiro. Nos estágios iniciais de uma startup de tecnologia, há poucos feitos mensuráveis e o progresso é abstrato. No ápice da segunda bolha tecnológica do Vale do Silício, os novos players definiam-se não pelo que haviam feito, mas sim pelos investimentos que levantavam. Como obter estes investimentos é fundamental, conseguir muito e rápido demais pode ser uma sentença de morte. Toda aquela grana tem o peso de uma bigorna no seu pescoço, explica Ben Kaufman, que acabara de conseguir 68 milhões de dólares para sua empresa, a Quirky.

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"Aos olhos do público, e especificamente da comunidade de tecnologia, estes investimentos têm um significado que vai além do que realmente são", escreve Kaufman. "O mundo vê o financiamento como uma insígnia de honra. Eu vejo como uma letra escarlate." Esta é a era do Kickstarter, onde você pode conseguir apoio da imprensa e milhões só com uma ideia, minando o suposto namoro da cena tech com a execução. Isto reforça uma falsa sensação de sucesso, afirma Kaufman, lembrando da primeira vez que conseguiu levantar um milhão, aos 19 anos de idade. "Meu avô me ligou para me parabenizar por ter montado uma empresa de sucesso", relembra Kaufman. "Nós não tínhamos feito porra nenhuma, só convencido um cara a nos dar um cheque." Ou seja, quando o dinheiro está entrando, é fácil achar que você chegou lá, antes mesmo de dar um passo.

Apesar de os 200 mil dólares que o Diaspora levantou agora parecerem dinheiro de pinga, o valor em si gerou uma validação tremenda por parte da imprensa, que basicamente os retratou como um oponente sério antes mesmo de terem aprendido a lutar. "Parte do problema foi o destaque absurdo dado pela mídia", disse alguém próximo ao Diaspora que deseja permanecer anônimo. "Se eles não tivessem recebido tanta atenção, isso não teria acontecido. Eles teriam sido mais humildes."

A MUDANÇA

Apesar da tragédia, o sonho continuava de pé, com o restante da equipe habilmente se valendo da publicidade renovada para anunciar o lançamento de uma nova fase beta. O futuro do projeto, porém, permanecia uma incógnita.

Parte do problema podia ser o conceito de rede social peer-to-peer em si. A ideia do p2p se consolidou em 2001 com o lançamento do BitTorrent, um protocolo peer-to-peer criado para lidar com quantidades gigantescas de compartilhamento de arquivos distribuídos. Ao invés de usar apenas um servidor de fonte para baixar um arquivo, os usuários juntam-se a um "enxame" de hospedeiros, fazendo download e upload através de diversos outros servidores. Ao distribuir e compartilhar banda, o processo diminui a carga em qualquer servidor, facilitando o compartilhamento de grandes arquivos. De acordo com alguns registros, o compartilhamento de arquivos em p2p é agora o responsável por mais da metade do tráfego na internet.

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"O Facebook quer que você seja burro", afirmou Bram Cohen, criador do BitTorrent. O fato de o Facebook ter tanto controle sobre nossa experiência nos deixa confortáveis. "O Facebook cai em cima de UIs [interfaces de usuário] de terceiros por um motivo muito simples", escreveu em um post no Google+ em julho de 2012. "Aquelas UIs inevitavelmente dariam acesso a funcionalidades que eles não querem que você tenha, porque deixa a situação menos confortável para outros no sistema, então eles aleijaram a UI da rede de forma a deixar as pessoas, no geral, satisfeitas."

Nós aceitamos alguns dos benefícios de morar em uma cidade digital bem controlada. "O Facebook não quer que você saiba quando as pessoas viram seu perfil, pelo simples motivo que você não quer que elas saibam quando você viu o delas", disse Cohen. Sem o Facebook gerenciando suas transações de dados, este tipo de navegação discreta torna-se impossível de ser garantida. "É uma questão séria para projetos como o Diaspora."

Até mesmo tarefas simples realizadas no Diaspora, como a função crucial de deletar um post feito no mural de outra pessoa, eram problemas técnicos complexos sem uma solução simples. "Claro que uma memória cache para o cliente poderia simplesmente armazenar todos os posts que você vê e guardá-los", afirma Cohen, "e qualquer cliente personalizado com certeza o faria, mas as pessoas gostam de apagar posts, por uma série de bons motivos, e querem que os outros sejam forçados a usarem suas frágeis memórias humanas para relembrarem do conteúdo. Da mesma forma você pode esconder comentários que fez de seu feed principal, de forma que até quem tem permissão para vê-los terão mais dificuldade em percebê-los, e mudanças em status de relacionamentos, impossíveis de serem escondidas, podem então ser 'camufladas' no sentido de que as pessoas não seriam notificadas ativamente delas".

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Para Cohen, guru do p2p, o Diaspora não é só complicado: é profundamente falho. E não é algo que realmente precisamos agora. "Talvez haja um espaço para um tipo de rede social que fique entre o email e o Facebook", declarou, via email. "Não pode ser uma cópia pura e simples do Facebook, porém, precisaria ser repensada." E boa parte disso exigiria timing. Toda a discussão é relativamente nova e uma solução como o Facebook em sua forma atual ainda tem muito a oferecer. "Acho que é uma boa ideia esperar que tudo amadureça antes de tentar criar algo menos ágil."

Até mesmo Douglas Rushkoff, há muito proponente da distribuição digital, não está tão certo que o abandono do Facebook faça algum sentido. Após uma discussão com Ethan Zuckerman, Rushkoff declarou ao Motherboard em seu documentário "Free the Network", que começou a pensar que "falar foda-se esse sistema, vamos começar nossa própria internet" não fazia tanto sentido quanto tentar usar as ferramentas existentes de forma a levar adiante ideais sociais e políticas mais amplas. Derrubar o sistema por dentro. Não se preocupe em começar seu próprio meio, aceite o que você tem mãos, tente melhorá-lo, e siga em frente. Usar ferramentas para funções as quais ela não foram feitas é o caminho do hacker, afinal. A ideia de Zuckerman é uma prima distante de outras que viraram lemas para Zuckerberg: não só aquilo de "continuar criando", mas "seja ágil e quebre coisas".

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ACHO QUE É UMA BOA IDEIA ESPERAR QUE TUDO AMADUREÇA ANTES DE TENTAR CRIAR ALGO MENOS ÁGIL. (bram cohen)

Ao perceber que construir uma versão modificada do Facebook não seria mais o bastante, a equipe buscou formas de se reinventar. Dois anos e meio após aquele fatídico projeto do Kickstarter, a equipe do Diaspora havia crescido, algo que ela mesma admitira. Com o amadurecimento veio um foco renovado, e a busca de uma identidade única para o projeto. "Estamos mudando nosso foco com base em uma nova metáfora de design", afirmaram, esperando canalizar de alguma forma o fervor criativo da comunidade, prometendo a entrega de atualizações nos meses seguintes. Mas mesmo após terem sido aceitos na prestigiosa incubadora do Y-Combinator em 2012, manter-se focados e sempre criando foram obstáculos que o Diaspora continuou a ter.

Em junho de 2012, conversei com a equipe para saber como estavam. "Estamos trabalhando em um projeto muito empolgante, mas está tudo em fase inicial durante os próximos meses", declarou Max via email. "Vamos ficar na miúda até lá, então!", disse, mas nunca mais obtive resposta.

O time revelaria as cartas em sua manga dois meses depois, com o lançamento de um novo projeto chamado Makr.io, "uma ferramenta colaborativa de remixagem da web". Em outras palavras, não era mais aquela ferramenta inovadora que ofereceria uma rede social distribuída pela qual todos esperavam, mas um gerador de memes. "Diaspora está em nosso sangue", disse Max, "mas somos mais bobos que isso", comentário este que deixou a comunidade central do Diaspora um pouco chocada. "Os desenvolvedores do Diaspora estão de namorico com o Makr.io, com as costas viradas para o Diaspora", tuítou Kevin Kleinman, apoiador do projeto há muito tempo.

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Algumas semanas depois, a equipe largou o projeto de vez, deixando a bagunça inacabada para a comunidade em geral. "Era esse nosso objetivo desde o primeiro dia", disse Max ao AllThingsD, prometendo suporte aos "milhares" de usuários da plataforma. A contagem de usuários na data desta publicação fica em torno dos 400 mil, um pouco abaixo dos 600 mil relatados pela Business Week em 2011. Longe de estar morto, o site parece servir como uma espécie de gueto nerd para cripto-hipsters europeus. Meu feed está cheio de atualizações públicas nestes últimos dias, seguido de um post do perfil United Geekdom OfGNU/Linux, cuja contribuição mais recente é uma foto intitulada "Porque algumas pessoas usam Linux". Mas na maior parte do tempo, o feed é dominado por heavy users como Startdust e Apolonis Aphrodisia que postam em italiano e francês. Mantendo-se fiel à sua palavra, Max apareceu para discutir algumas questões de back-end. Mas o criticismo por parte da comunidade foi veemente. Há dois anos desde o lançamento, o Diaspora segue em alfa.

A PRÓXIMA GRANDE COISA

Por mais que tenha sido inevitável, a morte do Diaspora chega em uma hora em que os temores de Moglen revelam-se e a necessidade de uma maneira segura e privada de se ligar aos outros nunca foi maior. Em um mundo pós-Facebook, muitas das marcas que passamos a confiar como peças vitais de uma nova era de comunicação democrática deram as costas para estes ideais em busca de lucros. E quando o governo pede cada vez mais por uma aproximação, empresas como Google e Twitter tem dificuldade em dizer não.

O relatório de transparência do Google de 2012  revelou que os EUA assumiam a posição de líderes na censura da rede, com 6.192 itens a serem removidos em 187 pedidos diferentes, mais do que em qualquer outro país e com alta de 103% em relação ao ano anterior. Com o Twitter não é diferente, cuja frequente relutância em cooperar com as autoridades não o impediu de acatar com a maioria dos pedidos do governo: em 2011, a empresa forneceu algumas ou todas as informações possíveis que lhe foram pedidas em 75% das ocasiões. No começo de 2012, o site reconheceu que passaria a censurar tuítes caso o governo lhe pedisse.

Vivemos num mundo em que o Ministério do Interior britânico quer passar adiante um ato de vigilância sem precedentes intitulado "Snooper's Charter" (algo como "Licença dos Bisbilhoteiros). Em Utah, a Agência Nacional de Segurança norte-americana, a NSA, está construindo um datacenter de 2 bilhões de dólares, que, de acordo com a Wired, será usado para monitorar "todas as formas de comunicação, incluindo o conteúdo integral de emails pessoais, ligações de telefones celulares, e pesquisas no Google, bem como qualquer rastro de dados pessoais – recibos de estacionamento, itinerários de viagem, compras em livrarias, dentre outros 'detritos' digitais". É um mundo em que regimes opressores como o do Bahrein monitoram jornalistas e dissidentes com um software espião legal chamado FinSpy. Onde leis como SOPA, PIPA e CISPA alimentaram novas ansiedades sobre a liberdade na internet. Um mundo em que o Stuxnet é um lugar comum. É uma era de guerrilha cibernética.

Em agosto de 2012, a Comissão Federal do Comércio dos EUA terminou de estabelecer seu processo contra o Facebook tomando por base as alegações de que o site teria cometido abusos diversas vezes contra os dados de seus usuários, "repetidamente permitindo que estes dados fossem compartilhados e tornados públicos". "O Facebook é obrigado a cumprir as promessas sobre privacidade que faz para centenas de milhões de usuários", disse Jon Leibowitz, presidente da CFC. "A inovação do Facebook não deve custar ao usuário sua privacidade. Esta ação garantirá que não."

Entre as medidas que o Facebook irá tomar está inclusa um auditoria relacionada à privacidade a cada dois anos durante duas décadas, dando ao seus usuários avisos "claros e proeminentes" sempre que a informação for compartilhada, e permitindo que o usuário dê o consentimento para a distribuição da mesma.

Ao contrário de um acordo de US$22,5 milhões realizado com o Google a respeito de suas políticas de privacidade, porém, o Facebook não recebeu nenhuma multa, já que ainda não violou nenhum dos acordos feitos com a CFC. Curiosamente, apesar das exigências feitas pela CFC, o Facebook negou irregularidades. Em uma breve nota divulgada em novembro de 2011 após o acordo ter sido feito, a empresa afirmou "negar expressamente as alegações estabelecidas na queixa", algo que a CFC ainda considera fazer parte dos registros do caso. (A entidade agora revisa políticas que permitem a empresas negarem delitos e irregularidades em acordos.) Mesmo com o acordo, a empresa foi, para todos os efeitos, liberada de qualquer culpa.

Em uma matéria publicada em setembro de 2012, o Financial Times relatou que um acordo recém-revelado sobre o Facebook e a empresa de dados Datalogix permite ao site rastrear se os anúncios vistos no Facebook leva os usuários a adquirirem determinado produto em lojas, informação extremamente atrativas para anunciantes. (A Datalogix desempenha esta função ao comprar dados de lealdade de consumidores de varejistas, e ao monitorar compras ao comparar emails em seu banco de dados com aqueles usados em perfis do Facebook, além de outros dados da conta.)

Defensores da privacidade estão diante de um déjà vu. "Os usuários do Facebook não têm ideia de quando o sistema foi implementado, e o mais importante, quais as consequências disso", declarou Jeff Chester, diretor executivo do Centro Em Prol da Democracia Digital, que, junto do Centro de Informações de Privacidade Eletrônica, escreveu uma carta para a CFC exigindo uma investigação. "Pelo acordo com a CFC, o Facebook deveria tornar suas práticas transparentes." A carta também mencionava que a opção de não participar do programa – através de um cookie no navegador – era "confusa e ineficaz".

Um porta-voz do Facebook afirmou que o acordo em questão era comparável a outros feitos pela empresa, e destacou que os dados pessoais eram transformados em informações anônimas. "Também fazemos isso em nossas parcerias com empresas como a Nielsen e comScore, e de nossa ferramenta própria de anúncios. Não vendemos os dados de ninguém, e as informações individuais de cada usuário não são compartilhadas entre Facebook, Datalogix ou anunciantes." O programa é parte do esforço contínuo do Facebook de aperfeiçoar como os anunciantes chegam aos usuários. "Sempre ouvimos [de anunciantes] que devemos ir além e ajudá-los a fazer um trabalho ainda melhor", disse Brad Smallwood, chefe de mensuração e insights do Facebook, ao Financial Times.

SINTO COMO SE JÁ TIVÉSSEMOS OBTIDO SUCESSO NO SENTIDO DE QUE TORNAMOS CONHECIDO O FATO DE QUE PODEM HAVER OUTRAS FORMAS DE SE COMUNICAR NA INTERNET. (ILYA ZHITOMIRSKIY)

Naturalmente, clamores por uma rede distribuída continuam. "Não sei se o Diaspora especificamente será a Próxima Grande Coisa nas redes sociais, mas espero que elas sigam para um modelo descentralizado nos próximos anos", escreveu Bennett Haselton, fundador dos sites Circumventor.com e Peacefire.org, no Slashdot, em setembro de 2012. Mas o Slashdot é um site de "notícias para nerds". É difícil transformar medo em algo bacana. É ainda mais difícil transformar a segurança em algo conveniente. E não é que alternativas – projetos como identi.ca e Appleseed – não existam, como o criador do Friendica Mike Macgirvin orgulhosa e vergonhosamente nos lembrou em agosto de 2012. "O Friendica já FUNCIONA hoje", escreveu em um post em seu blog, "ao contrário de projetos similares que ainda estão sofrendo com comunicação básico mesmo após dois anos, depois de ter esbanjando rios de dinheiro". É só que ninguém se importa em usá-las.

Então os desafios apresentados por Cohen e Wu e outros persistem. É o paradoxo desconcertante da privacidade, o fato de que as pessoas não gostam de violações de privacidade, mas raramente parecem se importar o bastante para fazer algo à respeito. Como um chiado monótono em meio ao ruído, os efeitos de sua erosão são difíceis de serem detectados. Geralmente chegam de mansinho até você, e quando isso acontece, suas informações já não lhes pertence mais. Se você está no Facebook, você está, no final das contas, cedendo suas informações pessoais voluntariamente o tempo inteiro.

Agora que tem acionistas a quem responder, a jornada do Facebook em busca de novos fluxos de receita é mais imperativo que nunca. Tropeços e ceticismo de lado, a empresa continuará a minerar um número cada vez maior de informações pessoais, um conjunto de dados único em toda a história. E cujo valor, alguns afirmam, é tão enorme e vendável que rumores sobre o seu fim são grosseiramente ingênuos.

Mas se o Diaspora nos mostrou algo, foi que as pessoas podem se importar o bastante para se posicionarem diante de questões de privacidade, no momento certo. É graças a movimentos como esse que o público tem se engajado cada vez mais em questões de privacidade. Em uma pesquisa publicada em 2012 pela Associated Press e pelo Centro de Constituição Nacional, 37% dos norte-americanos participantes afirmaram que as redes sociais eram a maior ameaça à sua privacidade, sites como Facebook e Twitter (seguidos de perto por drones, internet banking, rastreio através de GPS e smartphone, além de câmeras em estradas). Menos da metade, 47%, avalia o governo positivamente quanto à proteção do direito à privacidade, e 40% acreditam que o governo faz um péssimo trabalho ao proteger este direito.

Enquanto o Diaspora lutava para seguir em frente no verão de 2011, Ilya levantava a hipótese de que chamar atenção para o fato era metade, senão todo o esforço. "Sinto como se já tivéssemos obtido sucesso no sentido de que tornamos conhecido o fato de que podem haver outras formas de se comunicar na internet", afirmou Ilya meses antes de sua morte. "Trouxemos o Diaspora ao mundo."

No momento em que a internet sai dos computadores para entrar em nossos bolsos e onde mais puder, é correto ser cético com relação àqueles que prometem ser a próxima grande coisa, não importando quão grande essa coisa seja. O que nós sabemos de fato é que esta próxima coisa sempre está à espera na esquina. Provavelmente não será o Diaspora. E provavelmente não será parecida com o Facebook. Mas possivelmente será melhor. Terá que ser, porque a escolha é nossa, no fim das contas. Estas redes não são nada sem nós.

E claro, a escolha daqueles que desenvolvem softwares. Seja qual for o sucessor do Facebook, Mark Zuckerberg não será seu dono, mas talvez o povo também não seja dono deste. Pode ser um meio-termo. Um que irá nos conectar como nunca antes, mudando-nos de forma que ainda não entendemos, criando um novo paradigma de problemas ainda impossível de se prever.

Até lá, vejo vocês no Facebook.

Esta matéria foi publicada originalmente em outubro de 2012. Alex Pasternack colaborou com a reportagem.

Tradução: Thiago "Índio" Silva