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Tecnologia

Depois da Descoberta do Bóson de Higgs, a Missão É Encontrar Outras Partículas

O Grande Colisor de Hádrons ainda tem muito o que esmagar.
LHC. Crédito: µµ/Flickr

O Grande Colisor de Hádrons ainda tem muito o que esmagar. Enquanto você lê isso, físicos estão lançando raios ao redor do Super Sincrotão de Prótons, um anel acelerador localizado na entrada do LHC que fornece energia para o colisor por meio de raios de prótons. O LHC irá voltar a funcionar no ano que vem, colidindo partículas com o dobro de energia de seus primeiros testes.

Pode-se dizer que o LHC está apenas começando. E o bóson de Higgs? Após tanta antecipação e alarde, é de se pensar que a descoberta do bóson de Higgs seria a conclusão de uma longa saga.

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Não exatamente. O LHC pode ter revelado o bóson de Higgs, mas o que ele não esclareceu gerou uma crise na física de partículas, um abismo incômodo entre resultados factuais e predições teóricas. O bóson de Higgs deveria ter uma família, uma vila inteira de partículas ligando as duas categorias distintas da Modelo Padrão de Física: férmions (que geralmente compõem a matéria) e bósons (que geralmente controlam as forças).

No entanto, a primeira série de testes do LHC não descobriu nenhuma dessas partículas: apenas o Higgs. Isso nos leva a uma das propostas mais esperançosas e aparentemente necessária da Nova Física: a supersimetria. Um artigo de 2013 sintetiza bem a ansiedade que envolve o assunto:

Os primeiros três anos de testes do LHC conduzidos pela CERN (sigla para A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) se encerraram com o 'pior cenário imaginável': os testes estão tão de acordo com o Modelo Padrão da Física que os teóricos serão obrigados a buscar novas teorias sem nenhuma orientação prática.

O problema do Modelo Padrão é que ele sugere que todas as partículas do universo são desprovidas de massa. A existência seria apenas energia, e nada mais; nada de poeira cósmica ou gás se juntando para criar galáxias e planetas e humanos —apenas radiação.

É óbvio que esse não é o caso; logo, o Modelo Padrão não se aplica à realidade. Ele é mais uma base, uma teoria de conveniência utilizada até o surgimento de outra melhor. A próxima teoria seria a supersimetria. A supersimetria é um princípio grandioso relacionado à partículas e interação entre partículas que tenta explicar as diferenças entre as quatros forças fundamentais da natureza: a força eletrofraca (a deterioração de partículas), a força nuclear forte (a atração que une os núcleos atômicos), eletromagnetismo (eletricidade, luz, química e quase tudo que pensamos quando falamos de "força", exceto a gravidade) e a gravidade.

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O Modelo Padrão:

As intensidades de cada uma dessas forças são tão diferentes entre si que mal podemos compreendê-las. Essas diferenças manifestam-se apenas nas energias e temperaturas baixas de nosso universo atual; no caos superaquecido do início do universo, onde as partículas não tinham massa, elas formavam uma única força. Tempos mais simples, sem dúvida, mas difíceis para se viver.

O universo esfriou, e essa bagunça superaquecida se condensou, da mesma forma que gotículas de água se condensam na superfície de um copo gelado. Tudo — todas essas partículas e forças — se diferenciou, e o particular surgiu onde antes só havia a igualdade. Isso inclui o campo de Higgs, um substrato que se estende por todo o universo. Quando uma partícula interage com esse campo, ela tem a oportunidade de adquirir massa. Mas existe um porém: uma vez que algo adquire massa com ajuda do bóson de Higgs, ele continua a interagir com o campo de Higgs.

Como Csaba Csaki, uma física da Universidade de Cornell, explica, o campo de Higgs age como "uma força de amortecimento especial", e.g. uma força que desacelera um objeto que viaja por um certo ambiente. Essa força é proporcional à aceleração do objeto/partícula.

Essa interação com o campo de Higgs não funciona segundo as teorias do Modelo Padrão — na verdade, a teoria e a realidade se desencontram. O problema é que o próprio campo de Higgs adquire massa das partículas do Modelo Padrão com o qual ele interage. Se só existe uma partícula de Higgs, sua massa é enorme— em outras palavras, grande demais.

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"Imagine uma banheira quente cheia de partículas", diz Csaki. "Isso significa que as partículas dentro da banheira tem uma energia muito grande e estão zanzando por aí em altíssima velocidade. Agora imagine que você vai jogar uma partícula com pouca energia nessa banheira, e que ela irá interagir com as outras partículas energéticas. É de se esperar que a partícula que você inseriu irá, após algumas colisões, ter a mesma magnitude de energia das outras partículas na banheira."

"Agora, se você pegar essa mesma partícula e descobrir que a energia dela não aumentou o que deveria, você ficaria muito surpreso", ela continua, "e pensaria que algo estranho aconteceu: talvez a partícula não interagiu com as outras, ou talvez exista algo que impeça que a partícula acumule energia a partir de um certo ponto".

"É exatamente isso que está acontecendo com o bóson de Higgs", diz Csaki.

A banheira quente onde o Higgs está nadando é o vácuo do vazio espacial. Exceto que o vazio não é um vácuo, mas sim um mar de partículas "virtuais" que nascem e desaparecem em um piscar de olhos, resultado da incerteza quântica. Em poucas palavras, o verdadeiro vácuo é certeiro demais para um mundo quântico, que é indeterminado por definição. Ao invés do vazio, nós temos um vapor estranho e cheio de energia, que, apesar de transitória, é muito poderosa. Muitos afirmam que a energia do vácuo (ou energia escura) é a força por trás da crescente expansão do universo.

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"O bóson de Higgs pode tocar e interagir com essas partículas energéticas de curta duração", explica Csaki, "o que resulta na transferência dessa massa. O objetivo da supersimetria é confirmar a existência dessas partículas que surgem repentinamente no vácuo, o que explicaria porque suas contribuições para a massa do Higgs se cancelam."

De acordo com o princípio da supersimetria, cada partícula do Modelo Padrão possui algo parecido com uma sombra. Essa sombra é similar à antimatéria, só que menos legal. O papel da sombra das partículas é acumular boa parte dessa massa extra, o que explicaria porque a massa do bóson de Higgs é tão baixa.

Com essa partícula-sombra cuidando da massa de seu parceiro, o mundo faz sentido novamente: a supersimetria salvou o dia. Além disso, muitas teorias supersimétricas (a supersimetria é um princípio, não uma teoria) afirmam a existência de uma variedade de partículas levíssimas que carregariam a massa da matéria escura. Massa!

Bom, seria mais massa se tivéssemos qualquer evidência de que isso é verdade. A supersimetria prevê muitas partículas-brinde, mas nenhuma delas jamais foi encontrada. A teoria da duplicação não soa tão louca quando consideramos que as teorias da antimatéria fizeram suposições que foram confirmadas futuramente— mas a saga da antimatéria foi facílima, em comparação com a do bóson.

Mas ainda há esperança para o mundo supersimétrico. A maioria das teorias que utilizam conceitos da supersimetria foram descartadas após os primeiros testes do LHC. A próxima série de testes irá envolver quantidades muito maiores de energia e massas muito mais densas. É bem provável que essas super-partículas misteriosas não sejam tão pesadas, mas isso não quer dizer que eles sejam uma impossibilidade. Mas existe um porém: quanto mais idealizamos essas super-partículas, menos naturais elas se tornam, e corremos o risco de transformá-las apenas em uma peça essencial da supersimetria.

Se a supersimetria não existir, ou for inválida, estaremos todos numa fria. Pelo menos isso significa que a física de partículas não irá ficar entediado tão cedo. Só o tempo e a colisão de partículas de alta energia irão dizer.

Tradução: Ananda Pieratti