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Tecnologia

Conheça os Dois Misteriosos Arquitetos do Maior Mercado de Drogas da Deep Web

​Variety Jones e Smed ajudaram a erguer o Silk Road e tinham planos de transformá-lo em uma grande plataforma de serviços online – como o Google, só que nas profundezas da internet.
Koh Chang, sul da Tailândia, onde a dupla que ajudou a erguer o Silk Road pode estar escondida. Créditos: David Longstreath/AP

O americano Ross Ulbricht, condenado à prisão perpétua por fundar o Silk Road, o maior mercado de drogas da deep web, não geria o site sozinho.

Durante seus três anos de história, Ulbricht contratou uma pequena equipe de moderadores de fórum e gerentes de marketing para ajudar a manter as engrenagens de seu negócio multimilionário em funcionamento — muitos dos quais foram apreendidos pelas autoridades.

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Segundo várias fontes ligadas à investigação do caso, havia, na operação do site, dois agentes cruciais e menos conhecidos que ainda precisam ser desmascarados em público.

Esses indivíduos codificaram grande parte do site e tentaram expandi-lo. Queriam que o site deixasse de ser apenas um mercado singular de drogas para se tornar um império criptográfico com um leque de serviços.

Por meio de um informante, a Motherboard ganhou acesso a emails enviados e recebidos por um desses personagens, mais conhecido pelo pseudônimo Variety Jones. Este repórter viu, em primeira mão, os conteúdos da conta de email e verificou sua legitimidade.

As informações contidas nos emails levaram a dois nomes: Mike Wattier e Thomas Clark.

Variety Jones

Variety Jones aderiu ao Silk Road em 2011, segundo arquivos do site mantidos pelo pesquisador de segurança Runa Sandvik. Ele era famoso por vender sementes de maconha e por postar mensagens que mostravam sua aversão à fracassada Guerra contra as Drogas.

"Estou aqui para aleijar a proibição, para fazer com que os fascistas da DEA (agência americana que combate o tráfico de drogas) levantem o acampamento de madrugada e saiam de finininho. Quero fazer o possível para garantir um futuro em que pacientes de esclerose múltipla, de 65 anos de idade, não sejam alvejados por equipes da SWAT durante batidas só porque suspeitam que alguém está cultivando uma planta de merda no quartinho dos fundos", ele escreveu.

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Em conversas privadas com Ulbricht, Variety Jones agiu como analista de teste, assessor financeiro e, nas palavras do próprio criador do site, um "mentor". Foi Jones quem sugeriu o apelido Dread Pirate Roberts para Ulbricht. A alcunha foi usada por anos pelo fundador do site dentro dos fóruns de discussão.

Também foi Jones quem sugeriu a Ulbricht que realizasse a primeira tentativa de assassinato de aluguel, que mirava em um funcionário (embora seja importante notar que a empreitada não resultou, de fato, na morte de ninguém).

"Ele é o maioral, o cara mais impetuoso que conheci no site até então", Ulbricht escreveu em seu diário, em uma entrada de 2011.

Documentos divulgados durante o julgamento de Ross Ulbricht mostraram como o cérebro por trás do Silk Road (na foto) contava muito com a assistência de Variety Jones. Créditos: AP Photo/Elizabeth Williams

No começo do ano, um pesquisador independente conhecido como "La Moustache" publicou uma ampla investigação sobre a história de Variety Jones, cujas pegadas digitais foram rastreadas até fóruns de cannabis pré-Silk Road.

Com base nessa pesquisa, a Motherboard contatou diversas pessoas que podem ter conhecido Variety Jones na vida real.

Um desses contatos nos concedeu o endereço eletrônico de um indivíduo suspeito de estar por trás do pseudônimo Variety Jones, o que, por meio de uma busca em registros públicos online, nos conduziu a um site pertencente à mesma pessoa. Vinculado ao site estava outro email, que incluía o nome "varietyjones".

Um informante conseguiu acesso a essa conta. O perfil continha cachê de documentos, arquivos, emails e logs de chats explicitamente ligados ao Silk Road e suas operações de 2012, bem como informações sobre o proprietário. Os registros contêm um histórico das negociações de fundo de quintal acerca do maior site de drogas da deep web.

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Smedley

"Smed" começou a trabalhar no Silk Road durante o pico do site em janeiro de 2012. Na época, Gawker publicou um artigo sobre o mercado e gerou um influxo intenso de usuários.

Programador aplicado, Smed – ou "Smedley' – reformou por completo elementos-chave da infraestrutura do Silk Road e recebeu 2.500 dólares por semana por seus serviços. Era mais do que qualquer outro funcionário.

Smed trabalhava lado a lado com Ulbricht e se comunicava mais com o líder do site do que qualquer outra pessoa, sob um de seus pseudônimos, "Charger", segundo sugerem as evidências — logs do TorChat divulgados durante o julgamento de Ulbricht.

"Reformei toda a fundação. Acho que minha abordagem está mais eficiente agora, pois aprendi com os erros", Smed escreveu para Ulbircht em maio de 2012, conforme mostram logs de chats encontrados no computador do fundador do Silk Road.

A reformulação do site foi só o começo. Outros projetos detalhados na conta de email de Variety Jones incluem um serviço de correio eletrônico encriptado e câmbio de bitcoins.

Os esquemas do serviço de email — chamado CryptoMail — estão em um documento técnico denso, um trabalho ainda em andamento, datado de junho de 2012. O documento não faz menção explícita ao Silk Road, mas mensagens trocadas entre Variety Jones e Ulbricht, presentes na conta acessada, citam o "Silk Mail" e esclarecem seu objetivo mais abrangente: criar um ecossistema do Silk Road semelhante à forma como o Google oferece diversos produtos além da busca.

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"Grande parte do valor deste projeto não estará em lucros diretos, mas reconhecimento de marca", escreveu Ulbricht, segundo uma mensagem encontrada na conta de email. "A maior parte do lucro do Google vem de anúncios de pagamento por clique, mas a empresa ainda mantém o email gratuito para o mundo todo porque traz as pessoas ao ecossistema", diz. "Espero que o Silk Mail faça o mesmo pelo Silk Road, que provavelmente continuará a ser nossa principal fonte de lucros."

A equipe pode "investir 20 mil dólares por mês nisso", Ulbricht escreveu. E depois sugeriu: "Que tal um Silk Phone?"

Segundo seu dirário, Ulbricht tinha muito a agradecer por Variety Jones ter dado esse empurrão na Silk Road rumo à diversificação. Variety Jones acreditava que produtos como o Silk Mail poderiam dominar o mercado de comunicação segura e, de quebra, serviriam de chamariz para recrutar novos usuários para o ecossistema.

Parece que algo aconteceu com Variety Jones dia 5 de setembro de 2012

"Ele me ajudou a ter uma visão mais ampla", escreveu Ulbricht. "Uma marca que as pessoas podem vir a confiar e apoiar. Chat do Silk Road, câmbio do Silk Road, cooperativa de crédito do Silk Road, mercado do Silk Road, tudo do Silk Road! E tem sido incrível conversar com um cara inteligente assim, que está no mesmo barco que eu, até um certo nível, pelo menos."

Embora Ulbricht fosse o chefe do Silk Road, logs de chats encontrados na email acessado mostram que Variety Jones e Smed eram as forças motrizes dos projetos. A dupla discutia ideias e planos entre si. Não se limitavam a reportar ao chefe.

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Com seu nickname alternativo, Smed conversou com Variety Jones sobre melhorias no site, como adicionar transações e updates aos fóruns.

No caso dessas discussões, parecia que Variety Jones era chefe de Smed, e não Ulbricht. "Que prazo você calcula?" Smed perguntou a Jones acerca de um projeto.

Ao que parece, Variety Jones também bancou grande parte do trabalho e dos gastos de Smed. "10 mil, 36 mil, 20 mil, dá para arredondar legal para 90, e cobriremos os gastos da sua viagem, que tal?", escreveu para Smed.

Ele acrescentou, "Vou sumir por um tempo, não sei quando volta a luz, e quero garantir algumas horas de conversa com o Ulbricht."

Programador do Silk Road

A carteira de bitcoins de Variety Jones, encontrada na conta de email, datada de 05-09-2012, inclui uma série de transações etiquetadas pelo usuário.

Conforme as indicações, algumas transações vieram de uma reserva de bitcoins; umas foram feitas para "recargas de iPhone" e outras foram enviadas para uma carteira associada à conta de email que a Motherboard descobriu.

O arquivo também inclui pagamentos etiquetados como enviados a "Chgr" e "smed", feitos na segunda metade de 2012, de centenas de bitcoins por vez. (Vale apontar que o Bitcoin não despontou em valor até 2013, quando ultrapassou a marca de 200 dólares e, depois, atingiu 1.000.)

Por meio de uma análise de tecnologia blockchain, descobrimos que muitos desses pagamentos foram conectados a uma conta do Mt. Gox, site de transações em Bitcoin que faliu e encerrou atividades em 2014. Diversos bancos de dados vazados do Mt. Gox conectam depósitos específicos a usuários individuais do serviço.

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O primeiro despejo do Mt. Gox, de março de 2014, continha informações sobre negociações de 2011 em diante. O segundo, divulgado em fevereiro de 2015, era uma versão cortada da base de usuários das transações. Incluía nomes usados pelos clientes para se registrar, assim como partes de endereços eletrônicos.

O cruzamento de dados de transações detalhadas na carteira de bitcoins de Variety Jones com esses dois vazamentos revela que um grande número de pagamentos feitos a "Chgr" e "smed" por fim chegam a uma conta do Mt. Gox registrada no nome de "Mike Wattier". Um email na conta de Variety Jones também foi encaminhado para um endereço com o nome "mwattier".

Em múltiplas redes sociais e sites de freelas de programação, um Mike Wattier aparece ligado ao mesmo endereço eletrônico encontrado na conta de Variety Jones, identificado como um americano com mais de 20 anos de experiência em comércio eletrônico e fonte aberta, adepto a uma ampla variedade de linguagens de programação.

O mesmo Wattier parece ter presença no Twitter, LinkedIn e Github. A julgar por suas atividades no Facebook, ele estava em Pattaya, Tailândia, em março de 2015. Alguns de seus perfis o listam como morador da ilha tailandesa de Koh Chang.

Outrora conhecida como "Ilha do Elefante", a remota Koh Chang é coberta por selvas, ostenta uma cena vigorosa de festas e, de uns tempos para cá, testemunhou um crescimento constante de visitantes estrangeiros e expatriados. Muitos pontos da ilha desligam a eletricidade à noite.

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Curiosamente, é o mesmo lugar que investigações prévias disseram estar o suposto Variety Jones.

Segundo registros online encontrados por La Moustache, o homem suspeito por ser Variety Jones e um sócio de vendas de sementes de maconha viajaram para a ilha em 2008. De lá, a dupla trouxe uma variedade de sementes encontradas somente em Koh Chang (e batizadas em nome da ilha), e a empresa as divulgou como brinde.

Mais tarde, em em logs de chats encontrados no computador de Ulbricht, Variety Jones contou a Ulbricht: "Amo a Tailândia pelo clima, povo, e a maconha também não é de todo mal".

Sr. Clark

Embora ele tenha, talvez sem pensar, guardado registros de parte de suas conversas, Variety Jones tinha noção de segurança. Ele fez anotações em transações com diferentes propósitos usando aparelhos específicos, na tentativa de dividir sua atividade ilegal em células distintas. Em um log de chat com Smed, ele contou que só permanecia logado no programa de chat quando estava no mesmo recinto que o computador.

Ele também salvou anúncios de novas versões do Tor Browser Bundle , segundo evidências, dezenas de outras páginas arquivadas em um bookmark de seu email têm a ver com criptografia e anonimidade online. A linha telefônica de denúncias da Administração de Repressão às Drogas (DEA) também está no arquivo de bookmark.

Parece que algo aconteceu com Variety Jones em 5 de setembro de 2012. Ele enviou emails com cópias de informações valiosas — a carteira de bitcoins, logs de chats e os planos de expansão do Silk Road — a si mesmo nessa data, da conta "varietyjones" à mesma conta.

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"Vou sumir por um tempo, não sei quando volta a luz, e quero garantir algumas horas de conversa com Ulbricht."

Não está claro o que o impulsionou a fazer isso, mas a data é mais de um ano antes do FBI fechar o site e prender seu criador em uma biblioteca, em São Francisco. As investigações federais do site começaram em 2011.

A pesquisa conduzida por La Moustache determinou que Variety Jones provavelmente é Thomas Clark, um homem nativo do Canadá, de cinquenta e poucos anos, que já morou no Reino Unido e na ilha de Koh Chang, na Tailândia. Foi essa informação que levou à identificação, por parte da Motherboard, de uma conta de email pertencente a Variety Jones.

Na conta, os emails são predominantemente endereçados a Thomas Clark ou simplesmente Sr. Clark. O arquivo da carteira de bitcoins também detalha diversas transações convertidas em bahts, moeda da Tailândia. Além de tudo isso, vários emails de spam são da Bangkok Airways, companhia aérea tailandesa.

Um informante conseguiu acesso à conta do Sr. Clark na Bangkok Airways, que contém registros de vôos do Sudeste Asiático à capital tailandesa, Bangkok, em 2013. A conta está no nome de Roger Clark.

A Motherboard não tem como confirmar se o nome de batismo do Sr. Clark é Roger ou Thomas ou se esses nomes são pseudônimos. De qualquer forma, um homem que aparentemente usa esses dois nomes estava no controle de uma conta de email associada à Rota da Seda e ao pseudônimo Variety Jones.

Do mesmo modo, embora a Motherboard possua apenas evidências circunstanciais de que Mike Wattier é Smed — e é possível que esse nome também seja um pseudônimo — parece óbvio que Clark negociou com Wattier. Antes desta análise ser feita, um informante da Tailândia que conheceu Clark disse que alguém chamado "Mike" era um "parceiro antigo de negócios" de Clark.

Diversas tentativas de contatar Wattier por email, redes sociais e via seus amigos nas redes não obtiveram sucesso. Tentativas de contatar o Sr. Clark por telefone, email e por intermédio de um sócio também foram infrutíferas.

Tanto o FBI quanto a DEA se recusaram a comentar o caso.

Na data desta matéria, ainda não se sabe o que houve com Variety Jones e Smed — mas não restam dúvidas de que os dois foram os principais arquitetos do Silk Road.

Tradução: Stephanie Fernandes